Será que é “cringe” não saber o que significa essa expressão?
O que é cringe? Em um momento em que o acesso à internet é bastante disseminado, embora longe do ideal e considerando-se apenas países com Índices de Desenvolvimento Humano (IDH) minimamente razoáveis, conteúdos replicados no mundo virtual espalham-se – utilizando uma expressão bem típica de gerações anteriores – “como rastilho de pólvora”.
Diante disso, é de se supor que a grande maioria dos conectados já estejam inteirados do mais recente choque de gerações: Millennials ou Geração Y (de 1981 a 1995) vs Z (nascidos de 1996 a 2010). No Google, as buscas pelo vocábulo chegaram a crescer em até 500% recentemente.
Semelhante ao cerne da polêmica dos embates anteriores, caracterizados por confrontos entre características, hábitos, modos de viver e pensar entre pessoas nascidas em décadas diversas, o debate atual traz um componente diferenciado e central para sua identidade e entendimento: a comunicação global.
O início do imbróglio é cringe?
Tudo começou, exatamente por elas: as onipresentes redes sociais. Em uma postagem no Twitter, a estudante de psicologia e criadora de conteúdo Carol Rocha, 33 anos, pediu aos usuários da chamada Geração Z que citassem referências e hábitos que eles não apreciavam nos pertencentes à geração anterior.
As mensagens listavam itens dos mais variados em segmentos como moda, entretenimento, expressões, hábitos e até paixões agrupados em um conceito até então desconhecido de muitos: “cringe”. A gíria da língua inglesa significa uma associação à expressão vergonha alheia.
Para a geração Z, estes “micos” seriam hábitos como tomar café da manhã, falar a palavra litrão, mencionar pagamento de boletos ou o amor aos pets, relembrar saudosamente de séries como Harry Potter ou Friends e até mesmo adotar certos tipos de vestuário como calça skinny ou sapatos de bico redondo.
Resumindo, é a velha crítica aos costumes adquiridos pelos que vieram antes, adaptada a um tempo em que o que se consome deixou de ser algo de cunho privado. Afinal, o excesso de exposição atual é democrático: do que se come, ao que se veste ou aprecia.
Os significados dos choques de gerações
Por que acontecem os choques de gerações? Muitas vezes, quando pessoas de determinada faixa etária percebem que sua idade está avançando e que não é mais delas o domínio da elaboração de novos conteúdos como gírias ou tendências, acabam, então, vivendo a negação do passado, desacreditando ou taxando de cafona os hábitos das gerações anteriores.
Até então, tudo normal e cíclico. Afinal, é comum para a maioria das pessoas que haja uma sensação de conforto relacionado à época em que viveu sua juventude. Daí a recorrência da expressão “no meu tempo”. É algo inerente à vivência humana.
O importante, entretanto, é que haja, sempre, o respeito aos mais velhos e o entendimento de que não se pode compreender a geração anterior sem levar em conta o anacronismo. Ou seja, não se deve adotar conceitos ou comparar situações típicas da atualidade com um momento em que elas ainda não existiam ou ainda não tinham se formado.
As diferentes gerações:
O que diz a psicologia
De acordo com o psicoterapeuta e psicólogo clínico Fábio Nascimento, especialista em psicologia da família, as gerações são definidas e demarcadas de maneira geral por alguns padrões como moda, cultura, alguns comportamentos ou por meio de referências com as quais as pessoas nascidas em uma mesma época se identificam.
“Elas passam a compartilhar de condições, subjetividades, experiências, situações. Vão se identificando a partir deste contexto com outras pessoas, criando, então, um laço com seus pares”, explica.
Como reverter, então, este binarismo do “certo” ou “errado” que surge, por vezes, do estranhamento entre os hábitos das gerações com vivências divergentes? “Penso que isto não é produtivo. As situações vividas por cada geração precisam ser contextualizadas, dentro daquele espaço de cada tempo. Foi daquela forma que foi possível ser vivido aquele momento com aquele contexto.
O que não significa que não tenha havido coisas positivas”, opina Fábio, complementando que quando se passa para o eixo de validar as coisas, atribuir juízo de valor, se está contribuindo para o processo de desconstrução de algo tão valioso como a evolução.
As diferenças são um processo evolutivo
Por isso, o psicólogo destaca a importância de analisar as ferramentas de que se dispunha no passado e entender o quanto foram produtivas para aquele momento. “Não podemos descartar e simplesmente categorizar como melhor ou pior.
A gente só existe hoje, com esses avanços, porque precisaram existir, antes, outras gerações que viveram outras formas, o que gerou, por si só, um movimento evolutivo. Por isso, o legal é olhar de forma mais equilibrada para isto tudo sem lançar uma crítica pejorativa sobre o que cabe ou não.
Seremos sempre fruto de algo que, de forma didática, a gente separa, mas que na vida acontece de forma muito integrada: passado, presente e futuro”, exemplifica.
Para os responsáveis, que são em primeira instância, os maiores educadores das novas gerações, o conselho do psicólogo é manter sempre o respeito como base de tudo. “É importante que, juntos, ambos complementem pontos positivos e negativos de cada geração.
Ao levantar os comuns, sempre haverá algo capaz de gerar uma proximidade. É poder exercitar a empatia ao se colocar um pouco do lugar do outro dentro das suas condições, limitações, possibilidades, contextos. Criar um ambiente de respeito mútuo pelas experiências de cada um. O diferente não precisa ser totalmente oposto nem gerar afastamento e, muito menos, ser ridicularizado”, finaliza. Não é cringe.
Como o profissional de educação pode atuar nesta questão
De acordo com a assessora pedagógica, doutora e mestra em Letras (linguística), Nadiana Lima, há de se ponderar, primeiramente, sobre a qual profissional da educação (nos termos legais) nos referimos quando refletimos sobre sua atuação e os impactos dela na formação do estudante. Um aspecto salientado em virtude da necessidade de se considerar faixa etária, momento da escolarização e afins.
Segundo ela, em anos iniciais de formação é preciso que valores éticos e humanistas, (para citar dois mais genéricos), sejam construídos para o bem viver em sociedade. “Noções binárias, como “certo” e “errado”, fazem parte dessa construção em que as diferenças de gerações não configuram um choque, além de o poder de abstração ainda estar sendo desenvolvido e não haver repertório suficiente para o vislumbre de um continum entre esses dois polos dicotômicos.
Sabemos também que estes polos são construções socioculturais relativamente estáveis, passíveis de reflexões à medida que essa criança vai crescendo e tendo experiências paulatinamente mais complexas”, explica Nadiana.
Entendendo este cenário
A relevância da atuação deste profissional residiria na apresentação de insumos para que os estudantes pudessem refletir sobre o que se entende por “certo” ou “errado” a depender do ponto de vista considerado.
“Uma possibilidade seria resgatar a origem do termo “maniqueísta”, que é de base filosófica-religiosa, e entender as motivações, propósitos, de se entender binariamente o mundo. Muitos foram os momentos históricos em que concepções dessa ordem influenciaram o modo como as pessoas se entendem, encaram a sociedade e devem agir. E ainda como este modo de pensar estaria diretamente relacionado ao que se é (“Penso, logo existo”)”, analisa.
A educadora acredita, portanto, que talvez por isso seja tão difícil mudar de opinião, abrir-se à ponderação acerca do que é diferente, estranho. “Isto poderia ser uma espécie de morte de si mesmo, um deixar de ser o que se é, em um pressuposto de que nossa identidade é uma, acabada, imutável, justamente porque calcada em certos valores do que é bom, justo e correto.
Fazer com que estudantes percebam esses processos, então, é de suma importância para a construção de conhecimentos, para o desenvolvimento do pensamento crítico”, sugere.
Desmistificando o conhecimento pré-estabelecido
Como desmistificar em sala de aula este dito conceito de presunção de inteligência, que, segundo alguns especialistas apontam, pertence a uma geração que acredita ter mais acesso a informações e, consequentemente, mais sabedoria?
Ainda segundo Nadiana, é preciso que seja de entendimento dos estudantes que a informação não equivale a conhecimento, muito menos à sabedoria.
Isso fica evidenciado, inclusive, na Base Nacional Comum Curricular (BNCC), que norteia o fazer pedagógico na escola básica, uma vez que é salientado como objetivo da educação básica que estudantes desenvolvam competências e habilidades para agir socialmente, de maneira ética e crítica, com vistas à resolução de situações-problema.
“Aprender sobre um dado objeto de conhecimento não garante que uma pessoa escreva enunciados apresentando essa estrutura satisfatoriamente, nem que compreenda os posicionamentos ideológicos de um autor ao usar uma dada construção textual em detrimento da outra. De maneira análoga, o excesso de informação exige uma curadoria especializada, que é resultante justamente do pensamento crítico no discernimento do que é ou não relevante, do que é ou não confiável etc.”, pontua.
O papel do professor nessa história cringe
O papel do(a) professor(a) torna-se, então, ainda mais crucial nesse processo. “Uma maneira de fazer isso em sala é elegendo situações e problemas, cuja resolução só ocorrerá através de mobilizações de conhecimentos diversos, concatenados”, considera.
Para formar, portanto, pessoas e profissionais mais comprometidos com a realidade social, Nadiana considera que é preciso o estudante entender sua importância como cidadão para intervenção social em prol do bem comum.
“Para tal, é preciso promover situações que possibilitem o desenvolvimento de autonomia, exigindo-se responsabilidade quanto às escolhas e decisões, o que está diretamente relacionado ao pensamento crítico, à comunicação, ao repertório sociocultural, à empatia, entre outras competências gerais da BNCC. Se o processo de ensino e aprendizagem estiver focado na mera apreensão de objetos de conhecimento desconectados de um contexto social maior e que não dialoguem com o estudante que, por sua vez, não seja autônomo, não compreenda o possível alcance de suas ações, dificilmente haverá comprometimento com demandas sociais atuais”, finaliza.
Leia também: O professor mediador e seu papel na formação de leitores.
Histórico e análise dos choques geracionais
Data do fim da II Guerra Mundial o início da documentação e registro dos choques geracionais. Foi nesta época que o termo “baby boomer” começou a ser utilizado para se referir a pessoas nascidas a partir de 1945 e que detinham um perfil mais conservador.
Seus filhos, integrantes da dita Geração X (pessoas com, atualmente, 40 a 56) anos, evidenciaram o comportamento oposto.
É importante, entretanto, lembrar de dados socioeconômicos e dos perigos da generalização. No primeiro caso, é importante considerar que, segundo dados do IBGE, até 2019, 12,6 milhões de domicílios no país não tinham acesso à internet.
Significa que pessoas menos interligadas com as novas tendências e costumes ditados pelos meios de comunicação podem, portanto, ter influências mais “retrôs”. Da mesma forma, o temperamento e vivência individual também fazem com que as pessoas sejam mais ou menos influenciáveis ou ter identificação com épocas distintas da que nasceram.
Conclusão
Considerando o debate atual, há, como em quase toda as situações, aspectos positivos e negativos desta geração que considera “cringe” os hábitos das anteriores: a maior facilidade de vivenciar, abordar e militar sobre temas como racismo, bullying e homofobia (ver Ilana Pinsky em: Como Não Pirar em Tempos Instáveis; Editora Contexto).
Contrariamente, costumam ser pessoas estimuladas pelo conceito de polarização, estando, portanto, propensos a cair na armadilha da dita “cultura do cancelamento”.
Interessante notar, ainda, que este choque de gerações vem se dando não entre adultos e jovens, mas entre estes e os “muito jovens”. Quer dizer, e para concluir, logo mais, ou menos, todo este debate também será “cringe”.
Gostou de saber mais sobre o termo “cringe”? Então confira agora o conteúdo que preparamos sobre o professor do presente e o ambiente virtual.
Patrícia Monteiro de Santana
Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diário de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.