Literacia. Desde a década de 1980, com o advento dos estudos de diversos pesquisadores da área da linguagem e alfabetização, a abordagem teórico-metodológica do “Letramento” ganhou espaço no cenário educacional brasileiro e impactou, além de práticas de ensino de Língua Portuguesa, a produção de materiais didáticos de língua materna bem como propostas de formação inicial e continuada.

Quando surgiu o termo Letramento?

Uma das primeiras ocorrências do termo “Letramento” no Brasil está no livro “No mundo da escrita”, da pesquisadora Mary Kato, em 1986.

Já na década de 1990, a professora linguista Angela Kleiman reforçou o ideário pedagógico acerca do termo em seu livro “Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita”.

Por seu turno, Magda Soares, em seu livro “Letramento – um tema em três gêneros”, consolidou os estudos sobre Letramento nas faculdades de Letras e Pedagogia em todo o País.

Em seu livro, Magda Soares apresenta um vasto estudo sobre o termo, discutindo também o termo “alfabetismo”. A pesquisadora entende como as práticas sociais e vivências que inserem os estudantes no mundo da escrita, descobrindo suas funções comunicativas. 

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Desse modo, distingue-se da alfabetização, cujo propósito se refere somente à técnica de decodificação e decodificação de grafemas e fonemas.

Comumente, os termos alfabetização e letramento tem sua abordagem de forma complementares ao abordar proposições de práticas de ensino de Língua Portuguesa, porém com bastante distinção.

Etimologicamente, o termo “Letramento” remete a uma tentativa de tradução de “literacy” do inglês – que, originalmente, refere-se à condição de ler e escrever.

No português de Portugal, a tradução feita foi mais próxima da original – “Literacia” como uso social da competência alfabética. Nesse sentido, uma indagação importante vem sendo feita no campo terminológico:

Letramento e Literacia são sinônimos?

A partir da publicação da Política Nacional de Alfabetização (PNA), as discussões acerca das diferenças entre Literacia e Letramento se instauraram de forma mais acentuada.

De acordo com o documento, da forma como o Letramento foi desdobrado no Brasil, a diferenciação dos termos se justifica pela dimensão da Literacia, apresentando maior amplitude e abrangência ao que se propõe.

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Com a instituição da PNA, que tem por objetivo melhorar a qualidade da alfabetização e combater o analfabetismo absoluto e funcional, tem ênfase à “Literacia”, entendida neste contexto como a habilidade de ler, escrever, falar e ouvir de modo que haja comunicação eficiente em diferentes situações cotidianas.

Esse conceito já está em uso em políticas públicas para a alfabetização de diferentes países, inclusive sendo um termo utilizado pela UNESCO.

À primeira vista, os termos de Letramento e Literacia parecem compartilhar de uma mesma abordagem pedagógica, apesar de diferentes quanto à nomenclatura. 

No entanto, pesquisadores que advogam pelo termo “Literacia” justificam que “Letramento” apresenta um sentido mais redutor por se referir às práticas sociais de leitura e escrita sem contemplar as habilidades linguísticas necessárias à alfabetização ou até mesmo àquelas responsáveis pelo desenvolvimento da linguagem escrita, como a compreensão, o vocabulário, a fluência de leitura e até mesmo os conhecimentos ortográficos.

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Literacia e a Cognição

Subtende-se que a perspectivação teórica de referência da PNA é a cognição. As ciências cognitivas investigam a inter-relação entre mente e cérebro e, especificamente na área da linguagem, apontam para necessidade de aprendizagem explícita da leitura e da escrita. Sob essas proposições, surge o conceito de Literacia, diferenciando-se de “Letramento.”

Dessa forma, Literacia nasce por apresentar uma abordagem a qual inclui não só os usos sociais da leitura e da escrita, mas também as habilidades necessárias para alfabetização e o desenvolvimento da escrita: o conhecimento alfabético, o desenvolvimento da consciência fonológica entre outras habilidades metalinguísticas.

Quais são os três estágios da Literacia?

A Literacia é categorizada em três estágios básicos, tendo como referência as etapas da Educação Básica: Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio.

Esses estágios foram cunhados como Literacia Básica, Intermediária e Disciplinar. Cada um deles sugere focos de atuação do aluno, do professor e dos materiais didáticos a serem utilizados.

Literacia Básica

A Literacia Básica é considerada dentro da fase escolar compreendida entre a pré-escola até o 1º ano do Ensino Fundamental. É o período em que os estudantes irão adquirir habilidades consideradas fundamentais para a alfabetização: vocabulário oral e relações entre grafemas e fonemas para o desenvolvimento da consciência fonológica.

É inclusa neste estágio a “Literacia Familiar” entendida como estímulos que as crianças recebem das famílias, desde o nascimento, para que se envolvam aos poucos com o mundo letrado, com o objetivo de desenvolver, prioritariamente, o gosto e hábito pela leitura. Consideramos como a base da Literacia.

O foco da Literacia Familiar é o estímulo realizado no contexto da família da criança, sendo objetos dessa estimulação as práticas do dia a dia, como as conversas, a narração de histórias, o desenvolvimento do vocabulário receptivo e expressivo em situações cotidianas e nas brincadeiras.

Literacia Emergente

A Literacia Emergente também se insere na etapa da Literacia Básica. É marcada pelo processo mais específico da alfabetização, estabelecida para ocorrer no 1º ano do Ensino Fundamental, em que o desenvolvimento da consciência fonêmica é aprofundado de forma explícita nas práticas iniciais de leitura e escrita, como a decodificação de palavras de alta frequência, por exemplo.

Nesse tipo de Literacia, a criança deve ser introduzida a diferentes práticas de leitura escrita, como a audição de histórias lidas ou contadas, a recitação de poemas, quadrinhas e parlendas, familiarizando-se com materiais escritos (livros, revistas e diversos gêneros textuais).

Literacia Intermediária

A Literacia Intermediária ocorre no período escolar entre o 2º e 5º anos do Ensino Fundamental. E tem como premissa o desenvolvimento das habilidades linguísticas dos estudantes que já estão alfabetizados. 

Atividades de desenvolvimento da leitura oral e a ampliação do conhecimento e sistematização das regras do sistema ortográfico vigente são alguns dos principais focos deste estágio.

Literacia Disciplinar

A Literacia Disciplinar acontece entre o 6º ano do Ensino Fundamental e o final do Ensino Médio. Constitui-se do conjunto de práticas especializadas de leitura e escrita, a “literacia das disciplinas” curriculares:

  • os gêneros textuais
  • e suportes para a aprendizagem de conceitos e habilidades das diferentes “matérias”: matemática, geografia, ciências etc.

Para a PNA, as competências de leitura e escrita não se adquirem em blocos, de uma só vez, porém são dependentes de habilidades adquiridas antes da alfabetização e desenvolvidas após essa etapa escolar. É por meio da Literacia que o cidadão produz conhecimentos, desenvolve as próprias potencialidades e reúne condições para participar ativamente das práticas sociais.

Referências

KLEIMAN, A.(Orgs.) Os significados do letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Campinas: Mercado das Letras, 1995.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2012.

Mario Sergio Mangabeira Junior é Mestre em Letras pela UFRRJ. Professor de Língua Portuguesa e Inglês da SME/RJ. Elaborador de material didático Rioeduca de Língua Portuguesa da SME/RJ. Atuação em formação continuada na área de Metodologia de Ensino de LP e Organização do Trabalho Pedagógico. Atualmente, é Assistente da Coordenadoria de Gestão Escolar da SME/RJ.