PNLD literário 2023: literatura de cordel, o que é e dica de obra
Quem nunca ouviu falar de um folheto pendurado em um barbante, contando histórias incríveis em versos? Essa é a literatura de cordel, uma tradição brasileira que encanta com suas rimas e narrativas vibrantes, transportando os leitores para um universo de aventuras, amores e mistérios. Confira a seguir sobre esse gênero literário tão rico de nossa literatura.
O que é literatura de cordel?
Oriundo de uma tradição literária desenvolvida há muitos séculos, o cordel é um gênero que foi se renovando a cada geração, tanto em relação aos temas quanto em relação ao suporte, sem que com isso deixasse de lado boa parte de suas características mais clássicas, o que faz com que ele seja um tipo de obra bastante singular na história literária nacional.
Podemos dizer que o cordel é herdeiro da produção dos trovadores medievais portugueses. Esses artistas recitavam, com acompanhamento musical, suas cantigas amorosas e satíricas, geralmente para entreter a nobreza, com temas que poderiam ir de declarações amorosas a críticas irônicas. Com uma grande base na oralidade, essas criações são consideradas parte do primeiro movimento literário europeu, ganhando força, principalmente, a partir do século XII.
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Avançando pelo tempo, já no século XVIII, essas influências literárias trazidas pelos portugueses foram marcantes no Brasil Esse processo ocorreu principalmente no Nordeste, onde se desenvolveu uma forma de expressão muito particular, marcada por fortes traços regionais. Tradicionalmente, o cordel brasileiro é caracterizado por uma linguagem popular, flexível quanto à formalidade, marcada pela oralidade e por um vocabulário permeado por regionalismos. Sua estrutura é composta por versos com métrica específica e rimas que conferem maior musicalidade ao texto. Entre os temas mais recorrentes, a literatura de cordel aborda conflitos cotidianos, fatos históricos, eventos religiosos, além de causos lendários e místicos, quase sempre com um tom bem-humorado que descontrai a seriedade dos personagens baseados em figuras reais.
Quanto ao suporte?
Quanto ao suporte, a poesia de cordel costuma ser impressa em papel de qualidade mais simples, formando uma pequena encadernação de poucas páginas. Esses folhetos são frequentemente dispostos em locais de grande circulação popular, suspensos em cordas, o que deu origem ao nome do gênero. Outro traço marcante do cordel é o tipo de ilustração que comumente acompanha o texto, produzida a partir de xilogravura, técnica em que a artista entalha uma imagem em madeira e depois, com tinta, reproduz o desenho no papel, tal como um carimbo.
Devido às suas indiscutíveis qualidades artísticas, a literatura de cordel foi se popularizando por todo o país e, em 2018, foi reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial Brasileiro pelo Instituto do Patrimônio Histórico (Iphan).
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Se, como dito anteriormente, o cordel produzido na atualidade guarda ainda características clássicas que remetem às primeiras publicações desse gênero no país, há também muita inovação por parte de novos(as) autores(as) que reconhecem a importância dessa literatura como um legado cultural e, ao mesmo tempo, uma oportunidade para cativar novos públicos. Os temas tornaram-se ser mais diversos, o suporte ganhou outras possibilidades, como o compartilhamento nas plataformas digitais, o que democratiza o acesso e facilita a descoberta pelo leitores das novas gerações. Até mesmo a técnica de xilogravura passou a dialogar com a arte contemporânea, em movimentos cada vez mais inventivos.
Como a literatura de cordel pode ser trabalhada em sala de aula?
Por toda essa riqueza verbal e visual, já conseguimos perceber que o cordel pode ser trabalhado na escola com grande proveito. Pensando no Ensino Fundamental, na etapa de consolidação do processo de alfabetização, a musicalidade do cordel contribui para exercitar a consciência fonológica dos alunos através de práticas bem lúdicas. Podem ser realizadas atividades para que a turma pense em alternativas para as rimas que o texto selecionado apresenta, com atenção para observar se o sentido original não seria muito desvirtuado; a estrutura dos versos também pode ser estudada mais detidamente, com atenção para a quantidade de sílabas das palavras, o que justificaria a métrica escolhida pelo(a) autor(a) do texto poético; selecionar cordéis que já foram musicados é uma outra forma interessante para exercitar a concentração dos alunos em acompanhar o texto, primeiramente, apenas pela audição e, em seguida, com o texto em mãos.
Além das estruturas sonoras e morfológicas, um tópico importante a ser explorado a partir da literatura de cordel é a variação linguística. Isso envolve incentivar os alunos a pesquisarem palavras pouco conhecidas em seu contexto social e a estudar as características culturais da região de origem do texto. Esse movimento pode ser enriquecido com uma reflexão sensível sobre o combate ao preconceito linguístico, fruto de discursos discriminatórios sobre certas regiões do país.
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Na parte de análise das ilustrações típicas dos cordéis, a disciplina de Artes pode contribuir com saberes que envolvem desde o estudo mais aprofundado sobre a técnica de xilogravura até a produção de técnicas alternativas de ilustração para possíveis produções literárias dos alunos.
Como é a literatura de cordel na literatura brasileira?
O Brasil é, sem dúvida, um território com grande riqueza cultural. Todas as múltiplas manifestações artísticas de nosso país, seja no campo da dança, da música, da literatura ou das artes plásticas, reafirmam a importância da preservação e valorização desses nossos patrimônios. Ao estudar o gênero cordel, o estudante tem a oportunidade de entrar em contato com obras de grande qualidade estética, que tematizam causos e realidades brasileiras muito representativas, o que, sem dúvida, apura a sensibilidade do jovem leitor e o conecta com parte da história de seu próprio povo.
DICA DE ESPECIALISTA
Por Kamil Giglio
No reino do vai não vem
Em “No reino do vai não vem”, o autor Fábio Sombra e o ilustrador Flavio Morais nos apresentam uma história bem-humorada, em que um escritor se aventura por um reino, povoado por personagens de 11 famosos cordéis, em busca da sua fonte de inspiração, a rabeca “Veridiana”. Para recuperá-la, o protagonista precisa vencer 7 provas de valor, com desafios que prometem surpreender a qualquer leitor. A obra é um rico e merecido enaltecimento a cultura popular, e uma grande oportunidade de conhecer um pouco mais de clássicos como: “Romance do pavão misterioso”, “O testamento da cigana Esmeralda”, “As presepadas de Pedro Malazartes”, “As proezas de João Grilo”, entre outros. Para além da contação de história, esse livro permite explorar a criatividade e a oralidade das crianças com a projeção ou amostragem das xilogravuras para que elas possam analisá-las e descrevê-las. É possível também estimular a criação de desenhos sobre os trechos que elas mais gostaram da história contada, bem como ampliar a apropriação do gênero e da expressão, ao projetar um dos vídeos das músicas que trabalham a rima e em seguida promover uma brincadeira para que as crianças da turma criem as suas próprias rimas cantadas.
Minicurrículos
Diego Domingues
Graduado em Letras Português – Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela mesma instituição e Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP); e Doutor em Linguística Aplicada pela UFRJ. Atualmente, é professor de Língua Portuguesa e Literatura em turmas do Ensino Médio do Colégio Pedro II e integrante do grupo Práticas de Letramentos no Ensino de Línguas e Literaturas (PLELL).
Kamil Giglio
Doutor e mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC/Brasil – Hochschule RheinMain/Alemanha). Professor de Ensino Superior (instituições nacionais e internacionais) com ampla experiência na formação de professores da rede básica de educação pública brasileira. Possui experiência em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação com projetos nacionais e internacionais (União europeia, África e América do Sul) e trabalha, atualmente, no Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação das editoras Ática, Saraiva e Scipione para a rede pública.