Neusa Sorrenti – Alunos leitores: como formá-los?
Não há maneira de não se encantar pela escritora mineira Neusa Sorrenti. Seus mais de 40 livros publicados tornam a prática de leitura mais prazerosa, e é justamente sobre essa temática que a autora adentrará neste artigo.
Seu livro Borboletas na chuva foi aprovado no PNLD Literário 2020 e pode fazer parte do material didático das escolas de todo país.
Conversa esperançosa sobre leitura por Neusa Sorrenti
Muito já se falou sobre incentivo à leitura, mas sempre ainda há o que dizer. Meu coração de professora passeia por lembranças toda vez que volto ao assunto. Foram erros e acertos — e com essa experiência aprendi que tecemos nossa história como educadores empenhados na formação de leitores. Ela começa quando recordamos o tempo da doçura de ler para os filhos ainda pequenos.
Tão bom lembrar cenas de nossos filhos, netos, irmãos se aventurando na alegria de começar a ler, de soletrar o nome de placas de supermercado, marcas de sabão em pó, letreiros nas ruas…Sei que você que me lê carrega lembranças parecidas!
Mas passada a euforia das primeiras descobertas, como manter o interesse pela leitura? Pois é, aquele livro encantado lido à noite, antes dos sonhos, pode, tempos depois, reaparecer maçudo como um tijolo,e os imperativos dando bordoadas sonoras: LEIA, MEU FILHO, VOCÊ PRECISA LER O LIVRO PARA A PROVA!
E o que dizer sobre a diferença entre os livros sugeridos pela escola e aqueles que não estão no programa e, geralmente, considerados mais fáceis de ler? Por quê? Já lecionando, perguntei ao professor Edmir Perrotti por que muita gente (inclusive eu) não conseguia ler determinados livros, uns até incluídos em listas dos mais vendidos.
Com um sorriso, ele apenas respondeu: “Lemos por duas razões: porque o coração manda ou porque estamos com a faca no pescoço”.
Os pais como motores do incentivo à leitura
Voltando ao cotidiano da escola, percebe-se que, com o tempo, os pais se sentem desobrigados de ler para os filhos. Afinal, a escola se ocupará disso e muito mais, por meio de prova ou ficha de leitura, para cobrar se o aluno leu e compreendeu o texto literário. Nesse momento, a literatura pode se transformar em livro didático, numa metamorfose rápida e perigosa.
A não ser que essa atividade seja bem planejada e realizada com prazer, o que não dispensa a profundidade que a obra merece. Pra falar a verdade, discutir a leitura por escrito ou oralmente é uma boa atividade. E esse livro pode tornar-se aquele “que o coração manda”.
Atividades repetitivas, superficiais e sem compromisso com os sentidos do texto devem ser substituídas. Lembro-me de que perguntei, certa vez, aos meus alunos, por que o livro A mão e a luva, de Machado de Assis tinha esse título, ninguém soube responder. Mas quase todos tinham calhamaços de “colas” inúteis sob as carteiras.
Acredito que todo autor escolhe cuidadosamente o título da sua narrativa. Esse título encerra ou suscita ideias importantes.
Quando me perguntam, mesmo depois de ler o livro, o motivo da escolha do título Borboletas na chuva, retomo a dimensão simbólica da borboleta e o que esse frágil inseto sente sob a chuva. Na oportunidade, convido todos para assistir à videoaula sobre a obra e ler o suplemento de leitura feito para o livro, ambos excelentes! Ah, e o texto “Sobre a autora”, p. 59-61.
Eles gostam de ler?
Crianças e jovens gostam de ler? No Brasil de hoje, quem são os responsáveis pelo declínio da leitura, se texto, ilustrações e qualidade estética e gráfica do livro são dignos de elogios? Sentam-se no banco dos réus os acusados: a televisão, o consumismo, a invasão eletrônica, os joguinhos hipnóticos.
Depois é a vez de novos culpados: a escola, o anacronismo dos programas, a insatisfação e/ou o cansaço dos professores, e a precariedade das bibliotecas. Cada um elege um culpado e todos procuram detectar (e combater) os vilões da leitura, ao mesmo tempo em que procuram saber sobre fadas-madrinhas detentoras da fórmula miraculosa para se criar o gosto pela leitura nos filhos e alunos.
Quando me perguntam, tenho sempre a costumeira resposta: ninguém ainda descobriu a tal fórmula mágica, e quem o conseguir, vai se tornar celebridade da noite para o dia. Mas muito Educador talentoso e sensível bem que conhece ingredientes imbatíveis dessa fórmula, e os põe em prática todos os dias. Justiça seja feita.
Sabe-se que o processo de escolarização da leitura literária é inevitável, mas a teórica Magda Soares acredita na descoberta de uma escolarização adequada da literatura.
Ivete Walty ainda nos propõe pensar sobre o papel da escola na formação de leitores literários, observando que essa escolarização pode ser fecunda e estimulante, sendo uma leitura que subverte, que desafia e não pode ser domesticada. (Cf: A escolarização da leitura literária, de Aracy Alves Martins Evangelista et al. (organizadoras) 2.ed., Belo Horizonte: Autêntica,2001.)
Quando me propus a escrever o Borboletas na chuva pensei em acordar algumas reflexões. Quis escrever uma história que despertasse o prazer de ler. Mas não apenas isso.
Queria que ela problematizasse a vida, surpreendesse pelos dramas e relações humanas e, principalmente, deixasse ver o trabalho com a linguagem, com a arquitetura do texto.
O prazer na leitura por Neusa Sorrenti
Penso que o prazer de ler uma boa história não se perdeu. E se foi perdido não o foi assim completamente. Desgarrou-se, apenas. Fácil de ser encontrado. Aquele livro mágico da infância pode reconciliar o jovem com a leitura.
Estabelecer a paz entre eles não é tarefa fácil, mas é possível. O mediador de leitura — seja o pai, mãe, parente, professor, bibliotecário ou amigo — desempenha o papel de iluminador no encontro entre o texto e leitor. O mediador ainda é o grande trunfo da escola!
O gosto pela leitura depende muito desse mediador entusiasmado e confiante. Sabemos que crianças e jovens podem ter interesse por iniciativa própria, mas não são todos que leem independentemente do adulto incentivar ou não.
O tal “hábito de leitura” também suscita polêmica. Hábito é “disposição duradoura adquirida pela repetição frequente de um ato”, segundo o Aurélio. Torna-se necessário criar o gosto primeiro.
Formado o gosto, o hábito de ler se instalará facilmente, como ler antes de dormir, ler depois de terminar uma tarefa na escola (para não incomodar os colegas que não a terminaram e escapar da “lista negra” dos conversadores, como diz meu neto), ler capas em vitrines de livrarias, ler poemas e contos e sempre achar um tempo para ler livros!
O que devemos fazer para mudar o contexto atual
E para formar esse gosto, de onde partimos? Sabemos que determinados adolescentes alegam ter dificuldade em concentração, não serem bons e criativos para escrever e que os livros têm palavras demais! Diante de tanta derrota declarada, o que o professor pode fazer?
Uma primeira sugestão: ler fragmentos de livros ou poemas para eles. A princípio a turma costuma esboçar as mais diversas caras, achando que o professor está perdendo tempo, mas depois, se o professor capricha na leitura, ficam hipnotizadas pelo texto. Uma boa leitura dramatizada faz milagres!
O profesor Edmir Perrotti (ele de novo) pediu à turma para comprar o livro A filha do feiticeiro, de Chris Conover. Eu e outra colega fizemos a leitura do texto com o maior empenho. Terminada a leitura, algumas alunas perguntaram o que deveriam fazer com o livro.
E o professor calmamente disse: NADA! E pediu que a turma o guardasse carinhosamente na mochila, que o deixasse descansar, porque ele, o livro, havia trabalhado muito naquele dia!!!
Se hoje o pai compra um livro “para ser trabalhado em classe” e nada é feito com ele, a não ser a leitura na íntegra, o que acontece? Responda, em voz baixa para ninguém ouvir. Cumpre lembrar que nada substitui a leitura do texto. As demais atividades decorrem dessa leitura. Uma leitura sem o secreto medo de não compreender, apenas lendo para saciar a nossa sede pelo texto.
Drummond disse que “a leitura é fonte inesgotável de prazer, mas a maioria não tem sede ou não sabe como dessedentar-se” (In: O avesso das coisas: aforismos, Record). O Poeta teria razão?
O verdadeiro prazer da leitura está ligado à descoberta dessa intimidade: o autor e o leitor. A solidão dessa escrita assume uma voz, a nossa voz de leitor, cortante ou cantante. O professor/mediador acaba sendo uma espécie de casamenteiro que mexe os pauzinhos para unir o casal “texto e leitor”.
O que lemos de mais belo deve-se, quase sempre, a uma pessoa querida que nos deu um livro de presente (emprestar também vale) ou fez um comentário interessante sobre algo que leu. Cada leitor guarda cenas bonitas, emocionantes, significativas que ficarão no esconderijo da memória, podendo ser acionadas a qualquer momento…
A leitura literária é formadora de consciência e de autonomia e por isso — transformadora. O leitor vai se colocar no lugar dos personagens, não para copiá-los, mas para experimentar suas vivências, medos, dores, raivas, alegrias, como nesse Borboletas na chuva.
Imergindo no ambiente escolar
Professor, ilumine seus alunos nesse encontro, recorde com eles histórias vividas ou ouvidas. O tempo nos ajuda a colecionar casos tão incríveis que os julgamos tirados de um romance…
Convide-os a pensar, pesar, desempoeirar, alargar horizontes, ter esperanças. E curtam juntos a felicidade de serem leitores.
Quando vou às escolas conversar sobre o Borboletas na chuva, costumo, no final, propor uma leitura ou cantoria dos versos abaixo que fiz resumindo o livro. Levo violão ou ukulele. Usamos cantá-los com melodias conhecidas, como, por exemplo: Assum preto (do Gonzagão), Ai que saudade d’ocê (de Vital Faria) ou inventamos um rap na hora.
Borboletas na chuva
O cheiro e o sabor da infância
desenrolam os fios da história.
Amizades, segredos e dores
reviram o baú da memória.
Destinos entrecruzados
conhecem o bem e o mal.
Sentimentos mudam de tom
reinventando outro final.
Viu como é possível despertar os alunos para a literatura? Essa força não deve vir apenas dos professores de Língua Portuguesa. Baixe o e-book gratuito e veja o poder dos livros como recursos para a interdisciplinaridade!