Escola como cenário na literatura – por Mirna Pinsky
Possuidora de dois Prêmios Jabuti, a multitalentosa Mirna Pinsky assina diversos livros, principalmente da literatura infantojuvenil. Mestre em Teoria Literária pela USP, Mirna escreve narrativas envolventes e engajadas em fatos sociais, logo, obras muito aplicáveis ao contexto de sala de aula.
Convidamos a escritora para falar sobre seu livro De cabeça baixa, integrante da lista de obras literárias aprovadas no PNLD 2020.
Pra não andar de cabeça baixa
Escrevo histórias para crianças e jovens há mais de quarenta anos. Ao selecionar o tema e destinatário, tomo automaticamente algumas precauções. Uma delas é sintonizar nas nuances do que capto e aprendo sobre infância e adolescência, todos os dias, sempre. Tenho o privilégio de estar continuamente cercada de crianças e adolescentes. Aguço o olhar, abro os braços, sou toda ouvidos.
O tema me vem já determinando a idade do destinatário. Em seguida escolho o narrador. O pulo do gato é calibrar esse narrador. Ou seja, definir a natureza de quem contará a história, o vocabulário e a sintaxe que usará, o nível/complexidade das informações.
Dependendo do assunto, leituras e pesquisas serão necessárias. Ao contrário de alguns colegas, eu acredito sim que tanto o vocabulário quanto a forma de expor e conduzir o enredo depende do destinatário.
A literatura infantil, ou pelo menos a minha literatura infantil, dialoga com determinadas faixas. É grande o leque de assuntos válidos. O segredo é nunca abrir mão do humor e da poesia do texto, seu compromisso com a Literatura.
Esses preceitos estiveram presentes na escrita de De cabeça baixa e se juntaram às particularidades que o assunto merecia.
O termo americano – bullying – nos últimos anos acordou a sociedade para uma ocorrência que esteve presente em todas as épocas.
Trata-se da marginalização, a molestação de crianças e jovens por seus pares ou grupinhos que se formam na escola, ou em outras situações sociais como vizinhança, clubes, etc.
Recuperando experiências pessoais e entrevistando variadas pessoas na faixa dos 30 anos, fui levantando situações ricas em constrangimentos, corriqueiramente patrocinadas por líderes com características bem semelhantes. A dinâmica dessas situações derivava de atitudes recorrentes.
Como a literatura ganhou forma
Fiz um arquivo de anotações em que alinhavei ideias – muito útil para textos mais longos. Já ia avançado meu levantamento de dados, quando assisti um documentário americano lancinante, sobre molestações em escolas americanas. E me chamou a atenção, nesse filme, a falta de atitude tanto da família quanto das escolas.
Com esses elementos na cabeça, e começando a delinear uma ficção, lembrei de um conto da Clarice, escritora de quem sou fã de carteirinha: Felicidade clandestina. Na história, esse jogo de submissão/humilhação entre colegas de classe é contado com aflição e delicadeza.
Tema do livro de Mirna Pinsky
O tema do meu livro exigia um olhar adulto, apto a destrinchar cabeças adolescentes, explicar motivações, desenhar a dinâmica dos relacionamentos deles. O narrador em terceira e onisciente teria de ser claramente um adulto.
Precisava também de um personagem maduro e forte que pudesse apoiar a protagonista na sua “revanche”. A escolha da avó Renata também compensaria, de certa forma, a família ausente.
Elegi a escola como cenário principal, porque é o espaço em que se desenrola grande parte da vida social do adolescente. E nessa fase ele tende a substituir a influência e autoridade da família pela chancela de seus iguais.
O uso da internet para acirrar os maltratos não podia deixar de estar bem presente num texto realista. Hoje em dia ela é responsável por situações exponencialmente cruéis e perigosas.
A escola, palco dos conflitos, a família, às vezes envolvida em problemas circunstanciais, não precisam e não devem permanecer alheias a esse problema tão frequente e que pode causar danos irreversíveis.
Ao abordar o bullying, eu tinha a expectativa de que ele pudesse ser ventilado em classe, enfrentando o desafio de levantar discussões e destrinchar ocorrências. Há no texto sugestões para a construção da autoestima e para a desconstrução da crueldade e violência física e emocional.
O bullying tem resultado, por vezes, em danos irreversíveis. A depressão e a ansiedade decorrentes dele não têm bons prognósticos. Essas questões encaro mais de frente em um texto mais recente: Travessia, de Mirna Pinsky.
Mas isso é uma outra história, que fica para uma outra vez…
O livro literário pode ser um ótimo recurso para aumentar o engajamento dos estudantes na sala de aula. Quer conferir algumas dicas embasadas em múltiplas abordagens didáticas? Baixe o guia gratuito!