Como trabalhar gênero textual poesia em sala de aula?
Um dos grandes desafios na sociedade atual é trazer o texto literário como um objeto de prazer aos leitores, que serão nossos estudantes e poderão realizar leituras com a poesia, considerada um gênero desejante, embora os professores destacam, muitas vezes, apenas os gêneros narrativos ou informativos, principalmente no Ensino Médio.
A linguagem poética é provedora de prazer no texto
Ao longo deste último ano, transformados pela pandemia vivida por todos nós, a linguagem poética assume o papel de elucidar significativas reflexões sobre a elaboração de textos e de como ocorre o processo mental de apreensão do mundo nas atuais circunstâncias.
O docente precisa estimular a leitura de poesia como aspecto de compreensão da linguagem literária a qual se caracteriza pelo emprego sistemático da metáfora, carregada de subjetividade (MASSAUD MOISÉS, 2012).
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O gênero Poesia como proposta a ser abordada nos projetos e oficinas dos itinerários formativos
Na parte diversificada do Novo Ensino Médio, que corresponde aos Itinerários Formativos, é possível desenvolver trabalhos pedagógicos com o gênero poesia a partir de uma série de temas, enquanto eixos estruturantes, como “violência da mulher”, “o preconceito e as desigualdades sociais”, “as consequências da pandemia na saúde mental dos indivíduos”, “o mercado de trabalho para os jovens”, entre muitos outros; assim, evita-se que sua utilização fique restrita à datas comemorativas.
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Sabe-se que a poesia de caráter social, com temáticas atuais, já foi tratada por grandes poetas e com esse olhar diferenciado e profundo das problemáticas da sociedade, este gênero é explorado num lugar mais vasto na escola, durante a realização de projetos que combinem observação imaginativa, capacidade criativa e iluminadora dos produtores de textos, ou seja, os estudantes em relação à narratividade e à poesia, incluindo a prosa poética, com seus jogos e adivinhações.
O poema alarga experiências humanas
Como se trata de uso de vocábulos polivalentes, o poeta não irá narrar o que realmente acontece, mas representa o que poderia acontecer, o que é verossímil, o que é possível. Observemos, por exemplo, o poema de João Cabral de Melo Neto (1976) sobre uma criança raquítica:
Sua formosura
eis aqui descrita
É uma criança pequena,
enclenque e setemesinha
Mas as mãos que criam coisas
Nas suas já se adivinha.
O poeta busca um contraste entre os aspectos físicos e a vida futura da criança, trazendo para o leitor uma perspectiva de esperança na vida que nasce, seja ela, vida severina como tantas outras. O leitor deste fragmento, embora se pressuponha que já conheça o texto de João Cabral de Melo Neto, identificará elementos que alargam o horizonte de experiências humanas, segundo Amarilha (1997).
Era uma vez um professor | Poema de Bráulio Bessa | e-docente
Refletir sobre características do gênero poesia é essencial para as atividades lúdicas nos projetos e oficinas
- Quanto aos aspectos de referencialidade, o texto poético tem a capacidade de ver a realidade representada nos vocábulos, portanto é mediata, isto é, não se executa diretamente, precisa de interpretação; quanto ao texto em prosa, é imediata, sem interrupções.
- Diferentemente da modalidade narrativa, que organiza ações em sequência, o poema pode ser um círculo ou esfera, algo que se fecha sobre si mesmo.
- O caráter figurativo é mais acentuado, detém em uma situação, ideia, ou sentimento, imagens, busca causar um impacto.
- Transfiguração do sentimento, a poesia não pode ser reduzida a soluções específicas, de natureza fonética, morfológica, sintática, semântica e, por isso, às vezes se embaraça e não tem tanta clareza.
Explorando a temática da Pandemia na produção textual de poemas: exemplo de oficina textual
A partir dos elementos de caracterização do gênero poesia, num contexto real de produção textual, a colega da área de linguagem, professora Marly Melo (do IF SERTÃO PE – Campus Petrolina Zona Rural) realizou, por meio dos recursos digitais de acesso à internet durante as aulas remotas, uma atividade de fruição poética, na qual os estudantes deveriam acessar e selecionar leituras de textos jornalísticos, blogs e páginas da internet que apresentassem matérias sobre a situação pandêmica no mundo e, principalmente no Brasil.
Houve discussão da temática e, em seguida, os estudantes escreveram sobre os sentimentos despertados durante as leituras. Num trabalho interdisciplinar, a professora convidou os estudantes a postarem seus próprios textos no espaço do blog/site Tempo da Palavra numa articulação da prática docente.
Os textos produzidos em versos poderiam ser livres ou com rimas e trocadilhos como o da aluna Maria Angélica Oliveira (“Covid”), o texto de Thiago Campos (“Vírus”) ou fragmento do poema de Kayky Dias (“Mais que realidade?”), os quais foram publicados no blog Tempo da Palavra. Os textos exploraram os sentimentos, bem como traduziram o paradoxo da situação com o uso de tempos fortes dos verbos. Ouçam as poesias:
1. Covid
Estamos em quarentena
veja que problema…
O mundo em crise
logo um deslize.
Uso de máscara e sem abraço
Onde vamos parar?
precisamos nos curar.
Cuide da saúde
Mude de atitude
Um futuro devemos ter
basta crer.
(Maria Angélica Oliveira)
2. Vírus
Varria o vento as vozes das vias
Que vazias já não são vocalizadas
Daquela vivaz vivência visível
Tão vulnerável
Vaga agora um vulto:
a vasta lista das vítimas
de um viral vilão
Que vorazmente
devora vidas em vão
Façam-se votos de que velozmente
vingue virtuosa vacina
Para que voemos
o vitorioso voo
de vibração vital
Nessa volátil volúpia que é a vida
Vivamos um dia de cada vez
Por enquanto virtual.
(Thiago Campos)
3. Mais que realidade?
O que dizer?
O que falar?
Que sentimentos expressar!
É refletir no que há de vir.
Será que vai demorar
Tudo isso acabar
Essa dúvida! Infernal
Que veio nos amedrontar. (…)
Oficinas de produção textual mobilizam a função catalisadora de prazer e interesse
As oficinas de produção de texto literário desempenham uma função catalisadora de prazer e interesse. Além de permitir que os estudantes adquiram mais autoestima, identidade cultural e capacidade para lidar com o mundo, mesmo nas circunstâncias exigidas agora com o ensino híbrido.
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Nunca é demais insistir e lutar contra o preconceito de ser a poesia uma modalidade de literatura intrigante e ‘chata’ de ler, mesmo no caso dos poetas mais modernos, de expressão complexa que, às vezes, tornam-se incompreensíveis.
Dessa forma, é o professor o principal articulador dessa mudança de postura, ao propor saraus e declamações de textos.
A biblioteca escolar como parceira das atividades com o gênero poesia
No desenvolvimento do hábito de leitura do gênero poesia, a biblioteca escolar é hoje um foco de incentivo cultural e uma significativa aliada das aulas lúdicas, quando a bibliotecária permite trazer os acervos de textos poéticos para a sala de aula, com o objetivo de realizar leituras livres de autores nacionais.
Isso desencadeia diversos sentimentos, inclusive fruição poética, quando os estudantes declamam alguns poemas, mostrando com isso que tenham lido repetidas vezes, num exercício de releitura, de percepção de uma prática apropriada aos textos literários.
Os professores são os principais articuladores para o sucesso de atividades lúdicas e artístico-culturais.
Quando os professores se mobilizam em desenvolver atividades lúdicas e artístico-culturais com o gênero poesia em sala de aula, eles possibilitam o contato dos estudantes com o simbólico, o impacto pelo diferente por meio de releitura e refacção do texto, identificação de ideias principais que levam a novas reconstruções de versos.
Tudo isso proporcionará o discernimento, as atividades em grupo, bem como novas elaborações de textos a partir da escuta prazerosa dos poemas em sala de aula.
Referências
AMARILHA, Marly. Estão mortas as fadas? Literatura infantil e prática pedagógica. Prefácio de Eliana. Yunes Petrópolis: Vozes/ Natal: EDUERN. NETO, João Cabral de Melo Neto. Morte e vida Severina e outros poemas. Rio de Janeiro: José Olímpio, 1976
MASSAUD, Moisés. A Criação Literária: poesia e prosa. São Paulo: Cultirix, 2012.
PAES, José Paulo. Poemas para brincar. São Paulo: Ática, 1990.
Antonise Coelho de Aquino
Mestra em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), especialista em Letras – Metodologia do Ensino de Língua Portuguesa, pela Universidade de Pernambuco (UPE), professora aposentada de Língua Portuguesa no Instituto Federal de Pernambuco (IFPE – Sertão) e revisora textual acadêmica. Tem experiência na atuação como assessora pedagógica em Literatura Infanto-juvenil.