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O ensino de Física pelo viés da BNCC

23 de março de 2021,
E-docente

Como podemos reformatar nossas aulas de Física pelo viés integrador das Ciências da Natureza, tendo toda nossa formação e experiência de sala de aula (seja como professores, seja como alunos) compartimentada em disciplinas que, por vezes, não dialogavam entre si?

Somado a isso, temos o desafio de trabalhar, simultaneamente, com muitas dificuldades matemáticas dos alunos – que, na perspectiva do ensino e da aprendizagem da Física, aparece na resolução de situações-problema de muitos passos e pensamento abstrato.

Ainda que o desenvolvimento do pensamento abstrato e da elaboração de argumentos lógicos sejam alguns dos produtos que se almeja atingir – mesmo que parcialmente – nos anos finais do Ensino Fundamental, a realidade que encontramos na sala de aula destoa disso.

E uma particularidade das desigualdades do nosso quadro educacional é que o desenvolvimento desse raciocínio lógico e abstrato vai depender do contexto socioeconômico que o professor atua. 

Portanto, ainda que a BNCC (Base Nacional Comum Curricular) abra espaço para contemplar especificidades do cotidiano dos alunos, o direcionamento curricular que encontramos ali pode, sim, parecer impraticável para muitas realidades no ensino de Física.

A área de Ciências da Natureza

Na BNCC, a Física, a Biologia e a Química encontram-se agregadas na área de Ciências da Natureza. O rol de competências e suas habilidades fundamentam-se nas temáticas Matéria e Energia, Vida e Evolução e Terra e Universo.

Ora, todos os professores que atuam hoje na escola – e que atuarão nos próximos anos – em sua maioria (e, talvez, até totalidade) – tiveram uma formação em que as disciplinas estavam dissociadas entre si, e até os vestibulares seguiam essa linha compartimentada. 

Portanto, seguir a proposta da BNCC não é simplesmente realizar uma adequação metodológica. É necessário mudar a maneira de pensar, ensinar, aprender e comunicar Ciência.

Logo, olhar para essas temáticas e quebrá-las naquelas competências e habilidades que serão da responsabilidade do professor de Física, naquelas que serão responsabilidade do professor de Química e naquelas que serão do professor de Biologia, não contemplará a aprendizagem integradora de Ciências da Natureza que se quer atingir. Então, em termos práticos, como atuar?

Leia também: A construção do conhecimento científico na educação básica.

Possibilidades didáticas e um novo olhar sobre a Física

A primeira coisa a se considerar é que a área de Ciências da Natureza não é multidisciplinar. Ou seja, no documento, não temos Física, Química e Biologia sendo tratadas, isoladamente, sob um mesmo tópico. Essa diferenciação não ocorre.

Portanto, não devemos mais planejar a aula de Física tentando contemplar um currículo independente. Esse planejamento deve ser feito em conjunto, com os professores dessas três disciplinas. 

Ainda que, nesse primeiro momento, deve-se visar a interdisciplinaridade, temos que atingir, a longo prazo, uma relação transdisciplinar, em que, portanto, deverá transpor o diálogo entre essas disciplinas para uma aprendizagem em que não haja qualquer demarcação disciplinar.

A escolha dos temas não deve contemplar, única e exclusivamente, conteúdos conceituais, como Gravitação, Cinemática, Calorimetria etc., e sim, assuntos e situações-problema que contemplem o conteúdo que se quer ensinar, a metodologia pensada em termos das habilidades a se desenvolver e a integração entre as três disciplinas.

Exemplo prático

Por exemplo, compreender que reações químicas estão presentes na respiração celular, que é um sistema complexo termodinâmico, é essencial para se trabalhar o conceito de Energia. E isso vai além de conexões conceituais. Os métodos e abordagens são diferentes – e, por isso, vinculados a formações diferentes: 

  • porque, sim, o professor de Física estudou outros tipos de sistemas termodinâmicos em sua formação; 
  • o professor de Química sente-se mais confortável no trabalho independente da físico-química e o de Biologia, em trabalhar com a respiração celular. 

Porém, essas especificidades de formação devem ser vistas como olhares diferentes para uma mesma fonte: a Natureza. Um outro exemplo: origem da Vida. Temática antes vinculada à disciplina de Biologia e que hoje faz parte da grande área de Ciências da Natureza. 

E o que nós, como professores de Física, temos a contribuir nessa discussão? Lembre-se que o bloco da matéria continua sendo o átomo, independentemente dela ser animada ou não.

A junção desses pequeníssimos blocos em grupos moleculares maiores (e aqui já aparecem as reações químicas) transpôs, em algum momento do nosso distante passado, essa existência abiótica para o nosso mais antigo ancestral autorreplicante. 

Não é à toa que um dos físicos mais importantes na fundamentação da Mecânica Quântica, Erwin Schrödinger, dedicou toda uma obra a essa discussão (1). Analisar as condições ambientais que permitiram a origem da Vida – portanto, o contexto físico-químico do planeta –, possibilitam inferir sobre as possibilidades de vida em outros sistemas planetários –, cujas condições podem ser traçadas a partir de todo um conjunto de premissas que temos sobre a origem do Universo.

Leia também: Experimentos na escola: seu papel de educar para a ciência.

A importância dos eixos temáticos

Perceba como os três eixos temáticos (Matéria e Energia; Vida e Evolução; Terra e Universo) foram conectados às três disciplinas, pensando simplesmente na beleza e complexidade da nossa existência. Esse é um grande desafio, porque temos que reaprender a olhar a Natureza e a nossa própria formação. Mas temos que encarar isso como uma jornada de enriquecimento intelectual e de encantamento, pois, mais do que nunca, não estamos sozinhos. 

Sejam nossos colegas de outra formação acadêmica, sejam nossos alunos, todos, estamos trilhando o caminho do conhecimento. E a cooperação de diferentes olhares e bagagens intelectuais – que tanto tentamos colocar em prática entre nossos alunos – deve, agora, ser posto em prática entre nós, professores de Ciências da Natureza.

Referências

(1) SCHRÖDINGER, E. O que é vida? O aspecto físico da célula viva. São Paulo: Fundação Editora UNESP, 1997.

Mariana Carolina de Assis 

Possui mestrado em Engenharia Elétrica pelo Departamento de Telecomunicações da Unicamp; graduação em Matemática e Física; ambos pela Unicamp. Atualmente é professora nos cursos de Física e Matemática da Universidade Metropolitana de Santos (nas modalidades presencial e EaD) e professora de Matemática do Ensino Médio e Fundamental na Escola Verde Que Te Quero Verde.

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