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Literatura: geração plural de novos autores e espaços na mídia

29 de julho de 2021
E-docente

Para muitos dos representantes da chamada nova geração da literatura, o papel em branco pode até ser, ainda, o símbolo do desafio de qualquer escritor. A tela dos principais aplicativos das redes sociais, contudo, tem sido sinônimo de convite e oportunidade.

De expressão, claro, mas também de contato e formação de outros públicos, além de publicidade e venda. Quem são, então, estas pessoas que atualmente representam este novo vigor do universo literário nacional?

São também chamarizes para leitores ávidos de uma pluralidade de estilos: dos mais regionais aos intimistas, passando por discussões de temas como racismo, brasilidade e adeptos de gêneros tão díspares como romance e terror.

Itamar Vieira Júnior e sua brasilidade manifesta

Um dos mais festejados da atualidade é o baiano Itamar Vieira Junior. Em 17 de outubro de 2018, o Prémio LeYa foi concedido, por unanimidade, ao romance Torto Arado, de sua autoria. Desde então, a publicação virou um fenômeno, sendo, inclusive, indicado por vários artistas e influenciadores. 

Itamar recebeu, ainda, o prêmio Jabuti 2020, passou a ser colunista do jornal Folha de São Paulo, concedeu entrevista ao tradicional programa de TV Roda Viva, foi denominado em matéria do Uol, como o “maior autor brasileiro” da atualidade, além de ser considerado “hit do verão 2021” pelo site Glamurama.

O júri de LeYA justificou a concessão do prêmio “pela solidez da construção, o equilíbrio da narrativa e a forma como aborda o universo rural do Brasil, colocando ênfase nas figuras femininas, na sua liberdade e na violência exercida sobre o corpo num contexto dominado pela sociedade patriarcal”.

Depois de comprada pela Todavia, a obra ainda recebeu o prêmio Oceanos, um dos mais importantes para literatura de língua portuguesa.

Qual o “segredo do sucesso” de Torto Arado? Antes de elencar uma série de possíveis justificativas, vale esclarecer do que a obra trata. A história tem como eixo central a trajetória de duas irmãs pobres e negras na Chapada Diamantina, interior da Bahia.

Ainda crianças, um acidente torna uma delas impossibilitada de falar pelo resto da vida. Durante boa parte do livro, o leitor não é informado sobre qual das duas foi a vítima. Tendo este pano de fundo (ou seria o contrário?), o autor apresenta um panorama da vida agrária da região, apresentando como pano de fundo uma fazenda em que os trabalhadores vivem em situação análoga à escravidão.

A narrativa ainda menciona temas relacionados a religiões de matriz africana e violência doméstica, com um forte denominador em comum: a presença de mulheres fortes. 

Além destes fatores, o que talvez também faça parte dos diversos componentes que confluíram para a popularidade da obra seja o fato de o livro ter sido lançado em um momento de desilusão da esquerda brasileira, trazendo à tona temas afeitos aos leitores mais afinados com a pauta progressista.

Dele, já disseram ser um romance com ares de manifesto. Tanto que sua veia mais engajada acabou rendendo uma polêmica com a jornalista Fabiana Moraes. Imbróglio que se desenrolou, adivinha por onde? As Mídias sociais. Sobre isso: (https://www.quatrocincoum.com.br/br/colunas/critica-cultural/os-ardis-da-unanimidade).

Obras:

*Dias (2012), pela Caramurê Publicações – vencedor do Concurso XI Projeto de Arte e Cultura).

*A Oração do Carrasco (2017), pela Mondrongo – finalista do Prêmio Jabuti, na categoria Contos; vencedor do Prêmio Humberto de Campos da União Brasileira de Escritores: seção Rio de Janeiro, biênio 2016-2017; e segundo lugar no Prêmio Bunkyo de Literatura, 2018.

*Torto Arado (2019), pela LeYa (edição portuguesa) e pela Todavia (edição brasileira) – vencedor do Prémio LeYa de 2018.

Leia também: Conheça a história do ensino de literatura no Brasil.

Jefferson Tenório e a brutalidade do racismo

Assim como Torto Arado, o livro que trouxe notoriedade ao carioca Jefferson Tenório também aborda o tema da negritude. Neste caso, entretanto, apresentando o racismo como ingrediente principal.

O Avesso da Pele, romance de estreia do autor na Companhia das Letras, fala de identidade e relações raciais complexas, violência e negritude de uma maneira um tanto incomum na literatura brasileira: a narração em terceira pessoa.

Na trama, o personagem Pedro procura resgatar o passado familiar, refazendo os caminhos seguidos pelo pai com quem não conseguiu ter muita proximidade, enquanto relata o racismo presente em relações familiares e parentais, os problemas do sistema educacional e aspectos sempre entremeados pela crítica à desigualdade.

A linguagem traz uma mistura de sensibilidade e densidade em vários momentos. Para muitos, o final vem como uma punhalada, a última gota que faz transbordar o copo já quase cheio de incredulidade, ressentimento, tristeza, dor, amargura, surpresa ou revolta. 

No mundo digitalmente globalizado, Jefferson também vem sendo festejado pelo público e por seus pares.

Geovani Martins, considerado um novo e vigoroso sopro de juventude na literatura brasileira ao lançar, em 2018, seu vanguardista livro O Sol na Cabeça, falou sobre o livro: “através de um profundo mergulho em seus personagens, O avesso da Pele consegue abordar as questões centrais da sociedade brasileira. E o mais potente nisso tudo é que, aqui, o real e as reflexões partem sempre de dentro pra fora”. 

Paulo Scott, autor do livro Marrom e Amarelo (2019), também externou sua opinião sobre Jefferson: “Não é de graça que Tenório, além de autor premiado, é tão bem acolhido pelo público e pela crítica. Estamos diante de um escritor que, correndo todos os riscos, sabe arquitetar uma boa trama e encantar o leitor.

Muitas vezes durante a leitura eu disse para mim mesmo: como ele consegue construir personagens tão reais e fáceis de serem amados? Eu agradeço, e a literatura brasileira agradece”.

Obras:

*O beijo na parede (2013), Editora Sulina, eleito o livro do ano pela Associação Gaúcha de Escritores. 

*Estela sem Deus (2018), Zouk.

*O Avesso da Pele (2020), Companhia das Letras.

Carla Madeira: sensibilidade aliada à maturidade

Carla Madeira é natural de Belo Horizonte. Ao largar o curso de matemática para concluir jornalismo e publicidade, talvez não imaginasse o quanto a troca dos números pelas letras seria algo tão intenso em sua vida e o quanto teria o poder de, com elas, impactar as pessoas.

Em seu livro de estreia, Tudo é rio (2014), Carla oferecia ao leitor uma narrativa madura, segura, precisa. Sem que, entretanto, deixe de ser um manancial de delicadeza, sentimento, ternura. Um paralelo, talvez, à prosa do sensível autor português, Valter Hugo Mãe.

Uma autora de exímia e diferenciada qualidade, com muito do merecido prestígio com a crítica especializada, mas, infelizmente, ainda não tão conhecida do grande público. 

Desde o primeiro instante em que começa a contar a história do casal Dalva e Venâncio, a partir do ponto em que ela se entrecruza com a da prostituta Lucy, o leitor já pode sentir que foi “fisgado” em uma teia forjada com o melhor do cliffhanger (recurso de roteiro utilizado em ficção, que se caracteriza pela exposição do personagem a uma situação limite, precária ou de suspense, utilizado para prender a atenção da audiência).

O “susto”, entretanto, chega apenas como um prenúncio do que ainda melhor pode advir das próximas páginas.

É da escritora Martha Medeiros o texto da orelha do livro: “Tudo é rio é uma obra-prima, e não há exagero no que afirmo.

É daqueles que, ao ser terminado, dá vontade de começar de novo, no mesmo instante, desta vez para se demorar em cada linha, saborear cada frase, deixar-se abraçar pela poesia da prosa. Na primeira leitura, essa entrega mais lenta é quase impossível, pois a correnteza dos acontecimentos nos leva até a última página sem nos dar chance para respirar. É preciso manter-se à tona ou a gente se afoga.”

Obras:

*Tudo é Rio  (2014),  Editora Record 

*A Natureza da Mordida (2018), Quixote

Aline Bei: fenômeno digital da literatura contemporânea

Aline Bei tem conquistado o que muitos buscam durante todo o labor literário: um estilo próprio, ser referência de si mesma. Assim como Carla, é tecedora de textos repletos de aparentes antagonismos, mas que se complementam: sensíveis e fortes, densos e leves. 

Diferente da mineira, entretanto, esta jovem paulista de 34 anos possui ampla e intensa visibilidade nas mídias sociais. Seu segundo livro, Pequena Coreografia do Adeus, deste ano, já tinha longa fila de espera antes mesmo da pré-venda. 

“Sempre me interessei pela investigação da palavra na folha, as potências e as limitações de um estilo como o meu, que silencia no salto. Lutei (luto) por ele (ou pela liberdade?) desde que comecei a escrever. O mais importante pra mim: entregar uma história que só eu possa escrever”, explica a autora em entrevista ao e-docente

O estopim desta conexão com o público – arriscaria dizer que majoritariamente feminino, devido possivelmente, ao lugar de fala das suas protagonistas – aconteceu com o sucesso de O peso do pássaro morto (2017), seu primeiro livro, vencedor do prêmio São Paulo de Literatura e do prêmio Toca, além de finalista do Prêmio Rio de Literatura. Aline passou a ser considerada, inclusive, uma das grandes revelações deste universo literato contemporâneo.

Como já dito, nas duas obras, Aline dá voz a recônditos do universo feminino. No primeiro, a narrativa se estende ao longo da vida de uma mulher, dos 8 aos 52 anos. Literatura densa e leve, violenta e poética, início da construção dos já típicos e belos antagonismos de Aline. 

No segundo livro, ela constrói um retrato sensível, e ao mesmo tempo brutal, sobre família, amor e abandono. Na trama, Julia é filha de pais separados: sua mãe não suporta a ideia de ter sido abandonada pelo marido. Seu pai, a de ter sido casado. Sufocada por esta atmosfera de brigas constantes e falta de afeto, a protagonista tenta reconhecer sua individualidade buscando se desvencilhar desses traumas.

Traumas que não passam ao largo da própria autora que conta a sensação de escrever Pequena Coreografia do Adeus com a expectativa do próximo livro, após o sucesso da estreia. “Fiquei com medo de não ter mais histórias para contar. Isso porque eu não sabia que me sentia devastada depois de escrever um livro. Agora que sei, cuido da Terra”, revela.

Intensa no manuseio das redes sociais e no contato com seu público, Aline ainda conta de que forma consegue tempo para tanta dedicação e o que acha que este movimento representa para seu alcance, publicidade e, até mesmo, vendas. “Tento dividir meu dia em atos. Sinto que a divulgação e o contato com os leitores é muito importante para a vida útil de um livro. Então, tento equilibrar os estudos, a escrita e as redes da melhor maneira possível”, finaliza.

Obras:

*O Peso do Pássaro Morto (2017), Companhia das Letras.
* Pequena Coreografia do Adeus (2021), Companhia das Letras.

Leia também: Escola como cenário na literatura.

Raphael Montes: suspense, terror e obras adaptadas

Outro que vem conquistando cada vez mais espaço é o jovem mestre do suspense e terror, Raphael Montes, com obras adaptadas, inclusive, para a Netflix, como a minissérie Bom Dia, Verônica.

Aos 22 anos, impressionou a crítica e público com Suicidas (2012), suspense policial finalista do Prêmio Benvirá de Literatura 2010, do Prêmio Machado de Assis 2012 da Biblioteca Nacional e do Prêmio São Paulo de Literatura 2013. 

Depois, Dias Perfeitos (2014) teve seus direitos de tradução vendidos para 22 países. No exterior, o livro ganhou resenhas em jornais como The Guardian e Chicago Tribune, além de ter recebido elogios de autores internacionais. Raphael escreveu também O Vilarejo (2015), Jardim Secreto (2016) e Uma Mulher no Escuro (2019).

Todas as suas obras tiveram os direitos de adaptação vendidos para o cinema e estão em produção. Entre 2015 e 2018, Raphael assinou uma coluna semanal em O Globo. 

Com os cinco livros anteriores classificados no gênero terror/horror, o mais recente envereda por uma vertente que não deixa de se avizinhar com estas, o suspense. O thriller psicológico tem, entretanto, uma inversão à narrativa comum de Raphael: em vez de protagonistas masculinos, é a voz, ineditamente feminina da personagem Victória que conduz a trama.

E com uma potencialidade ainda mais forte de fazer com que seus leitores não cessem de querer ouvi-la até o desenlace final. Nele, o autor abre mão de uma quantidade maior de violência física em favor do suspense, da expectativa e premia os amantes do gênero com reviravoltas inesperadas e de, literalmente, deixá-los ofegantes.

Já os fiéis leitores adeptos do estilo mais cru das obras anteriores também não se decepcionarão com as partes iniciais e finais.

Obras:

Livros

*Suicidas (romance, 2012) – Companhia das Letras.

*Dias Perfeitos (romance, 2014) – Companhia das Letras.

*O Vilarejo (contos, 2015) – Suma das Letras.

*Jantar Secreto (romance, 2016) – Companhia das Letras.

*Uma Mulher no Escuro (romance, 2019) – Companhia das Letras.

Participações em antologias de contos

*Assassinos S/A (2009) – participação com o conto “A professora”.

*Beco do Crime (2009) – participação com o conto “O amor por Esther”..

*Rio Noir (2014) – participação com o conto “A história de Georges Fullar”.

*Heróis urbanos (2016) – participação com o conto “Volnei”.

*Criaturas e criadores (2017) – participação com o conto “O sorriso do homem mau, uma releitura de O médico e o monstro”.

*Um ótimo dia para morrer (2018) – participação com o conto “Depoimento N”.

*A resistência dos vagalumes (2019) – participação com o conto “Você se lembra?”.

Como roteirista colaborador

Séries e/ou novelas

*Espinoza (2015).

*Supermax (2016).

*Regra do Jogo (telenovela, 2015-16).

*Bom Dia, Verônica (2020).

Filmes

* Praça Paris (2018).

Sob o pseudônimo Andrea Killmore (autor fictício criado em parceria com Ilana Casoy)

Livros

* Bom Dia, Verônica (2016).

Participações em antologias de contos

*Antologia dark (2020) – participação com o conto “Miséria”.

Outros autores da chamada nova geração

Além desses autores com obras vivas e aclamadas pelo público nos últimos anos, muitos outros têm movimentado a cena literária com pluralidade de estilos, diversidade de temas, produção volumosa e talento. 

O gaúcho Daniel Galera, por exemplo, teve, em 2012, seu livro Barba Ensopada de Sangue recebido com bastante e justificado entusiasmo. Autor de outras obras, Galera tem uma escrita marcada por uma voz mais masculina, urbana e universal.

Em 2018, um jovem autor (com 27 anos) arrancou ruidosos e contundentes elogios de nomes como Chico Buarque e Marcelo Rubens Paiva: o carioca Geovani Martins, autor de O Sol na Cabeça, da Companhia das Letras (2018).

Os treze contos do livro trouxeram, na época, um frescor poucas vezes tão celebrado. Neles, relatos de infância e adolescência de moradores de favelas – o prazer dos banhos de mar, das brincadeiras de rua, das paqueras e dos baseados –, moduladas pela violência e pela discriminação racial.

Patrícia Monteiro de Santana 

Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diário de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.

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