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Itinerários formativos: o que são e como aplicá-los?

8 de abril de 2022
E-docente

Itinerários formativos? Acordo atrasado. Fico nervoso, pois preciso chegar rapidamente no meu trabalho. Antes de sair de casa, consulto os meus aplicativos Google Maps e Waze, para ver quais os melhores itinerários, com menos engarrafamentos e que me leve mais depressa ao meu objetivo.

Ao final do dia, chegando em casa cansado, quero relaxar um pouco. Pego o controle remoto de minha smartv, sintonizo em um canal de streaming e seleciono uma série ou um filme para assistir, entre as milhares de opções disponíveis. 

Claro, não vou ficar ali sem comer alguma coisa. Entro no aplicativo de entregas e vejo, entre dezenas de restaurantes, qual o que mais me agrada naquele momento para eu pedir uma comida que eu esteja desejando naquele momento. 

Ou seja, é sempre bom ter diversas opções, para que não sejamos obrigados a seguir o mesmo caminho, ver o mesmo programa, comer a mesma comida, não é mesmo? Ainda mais nos dias de hoje, em que estamos acostumados a interagir no mundo virtual e criar um mundo cada vez mais personalizado. 

Seria, então, interessante que a educação seguisse essa mesma tendência, trazendo diferentes novos caminhos, personalizados, para que os estudantes selecionassem o que melhor atendesse ao seu perfil?

Essa é a ideia contida na proposta do Novo Ensino Médio (NEM), que já começa a valer neste ano, sobre o qual começamos a conversar no primeiro texto desta trilogia sobre o tema. Os demais textos você pode ler em Novo Ensino Médio: mudanças que passam a valer em 2022.

O que são os Itinerários Formativos do Novo Ensino Médio?

Além da formação geral básica, que conta com disciplinas que completam 1800 horas, são oferecidos aos alunos os chamados “itinerários formativos”, que trazem a novidade. O menu para que os alunos optem pelo melhor caminho a seguir, com disciplinas que completam mais 1200 horas, totalizando 3000 horas ao final do Ensino Médio. 

Todas deverão estar alinhadas à Base Nacional Comum Curricular, com suas competências e habilidades listadas em suas ementas.

Quais campos do conhecimento compõem os itinerários formativos?

Como já conversamos no texto anterior, esses itinerários são compostos pelas quatro áreas do conhecimento mais a área de formação técnica e profissional:

Quais são as escolhas do novo ensino médio?

O guia de implantação do Novo Ensino Médio, que trata as disciplinas como “unidades”, traz a seguinte orientação às secretarias e escolas quanto às escolhas dos itinerários. Está em sua página 40:

As unidades ofertadas em um itinerário podem ser obrigatórias para todos os estudantes ou eletivas, no sentido de que o estudante pode optar por algumas unidades de uma lista, desde que cumpra uma carga horária mínima. Neste contexto, as redes podem escolher compor seus itinerários com unidades: i) apenas obrigatórias; ii) obrigatórias e eletivas; ou iii) apenas eletivas. O esquema abaixo ilustra algumas dessas possibilidades:

Figura 1 – Infográfico elaborado no documento citado

Pelo infográfico, percebemos que o Modelo C seria o que mais ofereceria opções aos estudantes. Mas, ao mesmo tempo, o que demandaria maior organização dos órgãos responsáveis pela oferta do Novo Ensino Médio.

Vocês que leram o primeiro texto podem até achar que algumas informações estão repetidas aqui (e vocês têm razão). Mas é que preciso retomar alguns pontos, garantindo que, mesmo os que não leram o outro artigo, sigam o raciocínio da proposta do NEM para os itinerários formativos aqui. 

Entre as novidades que surgem junto aos itinerários, estão a inclusão de uma orientação vocacional por meio da disciplina chamada de Projeto de Vida e a possibilidade da escolha de disciplinas eletivas. São as quais agregarão valor àquelas que constam como aprofundamento da área de formação escolhida pelo aluno. 

O que é o projeto de vida e qual seu papel na formação do aluno?

A disciplina de projeto de vida tem a intenção de guiar os estudantes, promovendo um autoconhecimento, de modo que eles entendam quais são as suas melhores habilidades e aptidões para seguir seu aprofundamento nos estudos. 

Propõe-se que seja oferecida logo no início do Novo Ensino Médio, enquanto ainda está cursando as disciplinas de formação geral básica. Assim, auxilia as escolhas de itinerário que o aluno fará logo a seguir.

A proposta é que tenhamos o projeto de vida realmente como um projeto (sem querer ser redundante e já sendo). Ou seja, uma disciplina não tradicional, com oficinas, palestras, em formato dinâmico, sem tarefas de avaliação por nota. O intuito é que todos se sintam à vontade para se mostrarem como são, sem receios de serem aprovados ou reprovados em suas escolhas e demonstrações de afinidades. 

Os documentos oficiais do governo trazem também a ideia de que todas as disciplinas desenvolvidas nos itinerários formativos, sejam elas de aprofundamento ou eletivas, devem levar em consideração a realidade que os estudantes virão a enfrentar, auxiliando-os a entender como os conteúdos podem fazer sentido na sua vida pós-escola.

As disciplinas eletivas 

Assim como o próprio nome já diz, as eletivas são aquelas disciplinas não obrigatórias que os alunos escolherão para compor seu currículo. E que não precisam ter uma ligação direta imediata à área (ou áreas) por eles escolhida(s). Como todos nós que já cursamos uma graduação já estamos acostumados… 

Disciplinas de aprofundamento 

Após passarem pelas disciplinas referentes à formação geral básica e escolherem o seu itinerário, os alunos cursarão as disciplinas de aprofundamento daquela área escolhida. Elas serão desenvolvidas visando ao maior detalhamento e aprofundamento daquele trajeto pelo qual optou.

Quais são os eixos estruturantes do novo ensino médio?

Outra novidade do NEM se dá quanto à organização dessas disciplinas. Elas estarão dentro dos chamados eixos estruturantes. Sobre eles, os referenciais curriculares do NEM recomendam:

Como os quatro eixos estruturantes são complementares, é recomendado que os Itinerários Formativos incorporem e integrem todos eles, a fim de garantir que os estudantes experimentem diferentes situações de aprendizagem e desenvolvam um conjunto diversificado de habilidades relevantes para sua formação integral. (p. 2)

Definição das conexões e eixos

As redes e escolas devem definir como se dará a conexão entre os eixos e a sequência a qual os alunos vão seguir. Sobre os tais eixos, os referenciais assim descrevem seus focos pedagógicos (p. 2-4):

  • Investigação científica – Neste eixo, os estudantes participam da realização de uma pesquisa científica, compreendida como procedimento privilegiado e integrador de áreas e componentes curriculares. O processo pressupõe a identificação de uma dúvida, questão ou problema; o levantamento, formulação e teste de hipóteses; a seleção de informações e de fontes confiáveis; a interpretação, elaboração e uso ético das informações coletadas; a identificação de como utilizar os conhecimentos gerados para solucionar problemas diversos; e a comunicação de conclusões com a utilização de diferentes linguagens.

  • Processos criativos – Neste eixo, os estudantes participam da realização de projetos criativos, por meio da utilização e integração de diferentes linguagens, manifestações sensoriais, vivências artísticas, culturais, midiáticas e científicas aplicadas. O processo pressupõe a identificação e o aprofundamento de um tema ou problema, que orientará a posterior elaboração, apresentação e difusão de uma ação, produto, protótipo, modelo ou solução criativa, tais como obras e espetáculos artísticos e culturais, campanhas e peças de comunicação, programas, aplicativos, jogos, robôs, circuitos, entre outros produtos analógicos e digitais.

  • Mediação e intervenção sociocultural – Neste eixo, privilegia-se o envolvimento dos estudantes em campos de atuação da vida pública, por meio do seu engajamento em projetos de mobilização e intervenção sociocultural e ambiental que os levem a promover transformações positivas na comunidade. O processo pressupõe o diagnóstico da realidade sobre a qual se pretende atuar, incluindo a busca de dados oficiais e a escuta da comunidade local; a ampliação de conhecimentos sobre o problema a ser enfrentado; o planejamento, execução e avaliação de uma ação social e/ou ambiental que responda às necessidades e interesses do contexto; a superação de situações de estranheza, resistência, conflitos interculturais, dentre outros possíveis obstáculos, com necessários ajustes de rota. 

  • Empreendedorismo – Neste eixo, os estudantes são estimulados a criar empreendimentos pessoais ou produtivos articulados com seus projetos de vida, que fortaleçam a sua atuação como protagonistas da sua própria trajetória. Para tanto, busca desenvolver autonomia, foco e determinação para que consigam planejar e conquistar objetivos pessoais ou criar empreendimentos voltados à geração de renda via oferta de produtos e serviços, com ou sem uso de tecnologias. O processo pressupõe a identificação de potenciais, desafios, interesses e aspirações pessoais; a análise do contexto externo, inclusive em relação ao mundo do trabalho; a elaboração de um projeto pessoal ou produtivo; a realização de ações-piloto para testagem e aprimoramento do projeto elaborado; o desenvolvimento ou aprimoramento do projeto de vida dos estudantes. 

Ou seja, o aluno, orientado pela equipe de ensino por meio do projeto de vida, compreenderá melhor quais disciplinas serão mais úteis no decorrer de sua vida escolar e profissional. 

Como montar o currículo

Assim, deverá escolher aquelas relacionadas a pelo menos um desses eixos, mas, sempre que possível, montando seu currículo com disciplinas de mais de um eixo, que são complementares, como podemos perceber lendo seus focos pedagógicos.

A ideia da reestruturação do Ensino Médio é que as escolas deverão oferecer diversas dessas opções, proporcionando ao aluno a possibilidade de escolha.

O planejamento para a oferta dos itinerários

Uma das propostas contidas nos documentos norteadores de implementação do NEM é que instituições públicas e privadas, juntamente com diversos órgãos da área da educação e a comunidade escolar como um todo, devem montar um planejamento que atenda às demandas do entorno de cada escola, as quais seriam constatadas após detalhadas pesquisas e debates públicos, a fim de diversificar ao máximo as opções de itinerários para os alunos.

Ou seja, se tal bairro em que se encontra a escola demanda formações técnicas, por ter indústrias no seu entorno, seria priorizado o itinerário com a formação técnica e profissional; caso tal pesquisa mostre que os alunos daquela região têm mais habilidades artísticas, o itinerário priorizado seria o de Linguagens e suas tecnologias, com foco nas disciplinas de Artes. E assim sucessivamente.

As orientações do NEM também trazem recomendações para que possíveis problemas de alocação de alunos que surjam em sua implementação sejam resolvidos. As parcerias entre escolas são um caminho para que os alunos tenham mais opções, caso suas instituições de origem não tenham conseguido ofertar muitas opções no NEM.

Essas parcerias podem ser realizadas até mesmo entre escolas de diferentes cidades e estados, com a possibilidade de implementação do ensino híbrido.

Para isso, o aluno poderá frequentar até 20% do curso de forma remota no caso dos alunos do diurno; e 30% no caso do noturno. 

Um exemplo de implementação do Novo Ensino Médio

Para que toda essa (longa) explanação ganhe ares mais práticos, veremos aqui um exemplo rápido de como uma rede estadual vem lidando com as novidades do NEM.

A secretaria estadual do Espírito Santo traz em seu catálogo de itinerários formativos opções já predeterminadas para os alunos, com encaminhamentos que buscam atender às suas demandas. Para que compreendamos melhor, todo esse catálogo pode ser acessado, clicando aqui

Podemos perceber que a rede capixaba nomeia cada itinerário da área do conhecimento de acordo com o foco que cada um terá. Por exemplo, se alguém tem interesse pela área de Linguagens e suas tecnologias, seguirá o itinerário Mídias digitais: linguagens em ação.

O estado também traz opções de itinerários que cruzam mais de uma área, como O esporte, a ciência e suas linguagens, que engloba as áreas de Linguagens e suas tecnologias e Ciências da natureza e suas tecnologias. 

Temos, ainda, uma opção de itinerário que engloba todas as áreas do conhecimento, intitulada Energias renováveis e eficiência energética.

O site do governo do referido estado também traz um mapeamento das escolas do estado e quais itinerários são ofertados em cada uma delas, como podemos ver aqui.

As eletivas ofertadas também podem ser acessadas, clicando aqui

Não estão ainda disponíveis para consulta no site as disciplinas de aprofundamento que compõem cada itinerário. Seria importante essa divulgação para que pudéssemos perceber como cada uma delas se alinha aos eixos estruturantes. 

Conclusão

Pelo que podemos analisar, o ES segue o modelo B de construção de itinerários mostrado no infográfico exposto no início deste artigo, em que o aluno pode escolher o itinerário mais as unidades (disciplinas) eletivas que irá cursar.

Ou seja, vemos que, na prática, por mais que tenhamos diversas opções a seguir, o aluno não está com seu smartphone à mão, podendo escolher livremente a refeição que prefere, o filme ou série de que mais gosta, o caminho mais rápido até o seu destino. 

Assim como nós na escolha de comida, transporte e entretenimento, nem sempre há recursos para escolhermos entre muitas opções… Cada secretaria, cada estado, terá de se adequar às suas realidades, tão diversas em um país como o nosso. 

Será, então, que conseguiremos promover uma educação que garanta a todos, seja de uma escola particular ou pública; numa grande metrópole ou no interior; condições de cidadania e igualdade? Ou todas essas novidades acabarão ampliando ainda mais o abismo social que já vemos a nossa volta? Trataremos dessas preocupações no nosso terceiro texto, que fechará esta saga!

Encerramos aqui o segundo artigo sobre o Novo Ensino Médio. Mesmo organizando o tema em três artigos, muitas discussões, muitas dúvidas ainda podem surgir. É normal, já que tratamos de um assunto novo e que continua deixando diversos especialistas ainda muito preocupados. 

Mas, acalmem-se, acredito que, mesmo escolhendo itinerários diferentes, estamos juntos em busca de um mesmo destino: uma educação de mais qualidade e que promova justiça social em nosso país.

Gostou de saber mais sobre itinerários formativos? Então, aproveite para saber mais sobre a Educação 4.0!

Sobre o autor

Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua Portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês.                  

Recentemente, organizou, junto à professora Tania Chalhub, o livro “Reflexões de um mundo em pandemia: educação, comunicação e acessibilidade”, disponível gratuitamente no site da Editora Ayvu, no link https://4c940ada-a8f2-4241-ab73-4171a11a5dc8.usrfiles.com/ugd/4c940a_7dd2bd65b600437aa48cd765d9bec7b4.pdf 

Referências

BRASIL. Lei n 13.415 de 16 de fevereiro de 2017. Brasília, 2017. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/l13415.htm. Acesso em 03 mar. 2022.

_____. Portaria n 1.432, de 28 de dezembro de 2018. Brasília, 2018. Disponível em: https://www.in.gov.br/materia/-/asset_publisher/Kujrw0TZC2Mb/content/id/70268199. Acesso em 03 mar. 2022.

_____. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – Ensino médio. Brasília, 2018. Disponível em: http:/basenacionalcomum.mec.gov.br/images/historico/BNCC_EnsinoMedio_embaixa_site_110518.pdf. Acesso em 03 mar. 2022.

GUIA de implementação do novo ensino médio. Brasília, 2017. Disponível em: https://anec.org.br/wp-

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