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Educação Financeira para crianças: a importância de aprender logo cedo

28 de setembro de 2021
E-docente

Como ensinar sobre educação financeira para crianças? Poucas vezes a simbiose entre o que ocorre em determinada instância do conhecimento e o que o momento presente realmente pede que aconteça se dá de forma orgânica e coincidente. Uma delas foi quando, desde o início de 2020, todas as escolas brasileiras precisaram estar 100% adaptadas às novas normas da Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

Dentre as determinações, a inserção da educação financeira nas instituições de ensino a partir do ensino fundamental I, ou seja, dos 6 aos 10 anos. Na época, o percentual de endividados entre os brasileiros já era assustador: 65% deles.

Pouco tempo depois do início do ano letivo, viria o agravamento da situação e a necessidade de se planejar melhor financeiramente devido à pandemia e ao consequente, e inevitável, isolamento. Afinal, apesar de totalmente imprescindível, ele trouxe consequências em um nível econômico para muitos. 

De acordo com recente Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic), realizada pela Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo, o mês de junho de 2021 teve o maior percentual de famílias endividadas no Brasil desde 2010, segundo a (CNC): 70%. A alta foi de 1,7% em relação a maio e de 2,5% em comparação a junho de 2020. Pela segunda vez seguida, houve também aumento na inadimplência.

Apesar de todos os impactos e recuos inesperados na economia advindos da situação pandêmica, para boa parte de especialistas no assunto, em muitos casos a questão do endividamento ainda está mais associada à falta de educação financeira do que, propriamente, à escassez de recursos. A infância, portanto, seria o momento ideal para começar o aprendizado.

Por que a escola deve ensinar economia no Ensino Fundamental?

Pressupõe-se que, já a partir dos três anos (sim!), há discernimento para absorver conteúdos a respeito deste assunto.

Carolina Buarque, educadora e terapeuta financeira, explica que boa parte dos conceitos e hábitos que formamos para a vida são construídos até os 7 anos de idade. “Então, é muito importante que a gente ensine, desde cedo, a importância de cuidar do próprio dinheiro, do brinquedo. A partir dos três, educação financeira já é considerada essencial para a construção de um adulto sustentável financeiramente.

É quando a criança começa a frequentar a escola e percebe que para comprar uma pipoca precisa de uma moeda. Quando entende que é necessário haver uma troca, as noções sobre dinheiro podem ser introduzidas, de forma lúdica. São várias noções que conseguimos transmitir, desde então, para que ela construa um comportamento, não só focando no dinheiro mas em uma vida realmente sustentável”, afirma. 

Sobre a inserção na grade curricular, Carolina explica que se trata de uma disciplina transversal abordada pelas escolas, geralmente, durante 50 minutos, uma vez por semana.

“Do meu ponto de vista, já é um tempo ideal. O importante é que ela seja contínua e que as escolas não apenas formalizem o que a BNCC pede. É preciso levar muito a sério estes conceitos e isso, às vezes, é difícil porque muitos professores(as) não tiveram educação financeira na base. É necessária uma formação para eles também”, acredita.

Um novo modelo mental para as próximas gerações

Implementar este conceito na cabeça das crianças é equivalente à construção de um novo modelo mental de forma para saber lidar com o dinheiro e o relacionar à realização de sonhos, embora esclareça que nem todos são, nem devem ser, materiais. “É trazer uma nova visão para tudo o que também os adultos achavam até então. A grande maioria dos brasileiros é endividado, vivendo para pagar contas, trabalhando para pagar boletos, sem realizar seus sonhos.

Fomos ensinados, há muito tempo, que a gente precisava economizar dinheiro, poupar para que quando algo ruim acontecesse tivéssemos uma reserva disponível. Ensinando educação financeira desde o ensino infantil até o médio, acredito que a gente precisa guardar dinheiro para realizar sonhos, sim. Pagar contas essenciais, sim, mas não para que algo ruim aconteça. Claro que esta reserva é necessária, mas devemos sempre priorizar nossos sonhos”, sugere.

Sobre a questão do sonho, inclusive, a educadora diz que é cada vez mais difícil falar do assunto dentro da família, mas que precisa estar no debate. “Aqueles que o dinheiro não compra são, muitas vezes, mais importantes do que alguns que precisa de dinheiro para serem realizados. Este conceito também precisa de abordagem, explicação e entrega desde cedo à criança. Isto facilita o processo de construção do conceito de poupança no sentido de guardar dinheiro, de não se gastar tudo que recebe”, complementa.

Crianças e adolescentes inseridos em todas as questões

Carolina acredita que, para boa parte dos(as) estudantes, desde os Anos Iniciais do Ensino Fundamental até o Ensino Médio, uma questão é unânime: os responsáveis que pedem dinheiro emprestado aos filhos e não pagam. “Ela pode até ser supostamente ‘engraçada’ quando abordada em sala de aula, mas pode gerar um certo trauma na criança”, relata.

Uma questão que perpassa também pela necessidade de uma melhor comunicação entre responsáveis e filhos: “durante muito tempo, falar sobre dinheiro foi um tabu. A gente vivia em uma sociedade em que o homem sustentava o lar e ninguém conversava sobre isso. Ainda existe muita dificuldade a este respeito porque na falta de recursos em casa, falar a respeito gera conflitos.

Comunicar aos filhos, contudo, a real situação financeira constrói um elo de união para que a família tenha um mesmo objetivo. Ou seja, por que preciso economizar energia, além de proteger o planeta? É preciso explicar porque, às vezes, o óbvio também precisa ser dito e, muitas vezes, não existe essa relação de conversa. Ela é essencial quando a situação financeira está boa e todos usufruem dela, mas também quando não”, sugere.

Economista explica a importância de aprender cedo

O economista Edgard Leonardo, mestre em administração pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), consultor e palestrante, concorda que a questão é mais do que meramente econômica, é comportamental. Acredita, também, que a educação financeira é fundamental para desmistificar a ideia de que o consumo é, necessariamente, algo predatório. 

“No Brasil, o consumo – gastos das famílias para a aquisição de bens e serviços – responde por mais da metade do PIB. Todavia, é importante salientar que não existe fundamentação lógica para sustentar a ideia de que uma economia pode crescer somente por meio do estímulo ao consumo. O consumo é o objetivo, mas é a produção que é o meio”, explica.

A palavra-chave é equilíbrio

Ainda segundo o economista, existem fortes argumentos que implicam em apontar que vivemos em uma sociedade consumista (não confundir com “Sociedade de Consumo”, termo utilizado para designar o tipo de sociedade que se encontra em uma etapa avançada de desenvolvimento industrial capitalista).

“É fato que atualmente o consumismo é fortemente induzido pelo marketing que, em uma sociedade fragilizada, encontra o ambiente perfeito para a compulsão. Aproveitando o terreno fértil de pessoas incessantemente descontentes buscando algo que as conforte. O consumo, entretanto, é algo natural. Precisamos de bens e serviços para satisfazer nossas necessidades, porém não devemos nos escravizar pelo consumo. O consumo ostentatório (termo usado para descrever os gastos em bens e serviços adquiridos principalmente com o propósito de mostrar riqueza) está na base de muitos dos problemas de consumo, principalmente entre os mais jovens (e muitos adultos também)”, salienta Edgard.

O economista afirma que quando o consumo exagerado começa atingir a sociedade como elemento natural do sistema, surgem diversos problemas: lixo em excesso, alto consumo de recursos naturais, poluição atmosférica, desmatamento, etc. “Do ponto de vista individual, há ainda o total descontrole das finanças pessoais. Tudo passa, então, por uma mudança de comportamento das pessoas, pela maturidade de sua relação com o dinheiro e o conhecimento de ferramentas básicas de gestão das finanças pessoais”, explica.

Muitas vezes, o problema não é escassez de recursos

Estudiosos costumam argumentar que não é, necessariamente, a escassez de recursos a grande responsável pelos endividamentos e inadimplências, e sim a falta de educação financeira. Edgard afirma que é muito mais fácil ter as finanças pessoais em ordem com um bom salário, um emprego estável e patrimônio. Alerta, entretanto, que se fosse esta a condição sine qua non, os mais ricos ou com melhores empregos não teriam problemas financeiros. “Não é o que acontece.

A chave é uma mudança de comportamento, e o equilíbrio das ações. Consumir é necessário para sobreviver e, mais do que isso, para viver com  plenitude, porém não pode ser válvula de escape para frustrações ou compensações. E, claro, precisamos compatibilizar os gastos da família com as receitas, preferencialmente de maneira conjunta e madura, envolvendo todos os membros da família”, enfatiza.

O papel da escola e dos responsáveis na construção de um novo comportamento

O economista destaca que ambos possuem um papel fundamental, até em relação a coisas simples. “Mesmo o uso de farda torna os(as) estudantes não diferenciáveis pela grife que vestem ou pelas marcas que ostentam. Isto cria uma cultura de consumo consciente.

Além disso, certamente, aulas de finanças pessoais podem ajudar. Em casa é que tudo tem início, entretanto. Uma família que cresce em um ambiente saudável com equilíbrio nas decisões de consumo e transparência, envolvendo as crianças (que já tenham idade para isso) nas decisões, certamente ajudará a formar adultos conscientes”, conclui.

Uma nova realidade/oportunidade para responsáveis e filhos

Na pesquisa para a elaboração do presente texto, muitos responsáveis responderam negativamente quanto ao fato de seus filhos terem aulas de educação financeira nas escolas, a despeito do que preconiza a BNCC. Mais um exemplo, provavelmente, daquele velho clichê tão característicamente brasileiro das leis, diretrizes ou certames que “não pegam”. 

A jornalista Nathalia Duprat é mãe de Helena e Manoel, 8 e 6 anos, respectivamente. Estudantes do terceiro e do primeiro ano do Ensino Fundamental da rede particular, as crianças começaram a estudar a disciplina a partir deste ano, uma vez por semana. Ambos já demonstram discernimento a respeito de alguns aspectos da questão, como consciência de diferenças entre os preços. Um dos próximos passos dos responsáveis é estipular uma mesada.

“A gente ainda não começou porque meio que tínhamos atrelado a comportamento, mas sei que não pode ser assim. Eles precisam ter a coerência e a constância do dinheiro e decidir entre economizar ou gastar. Então, pretendemos começar agora. Algo que, na prática, entretanto, eles já fazem quando deixam de escolher um ganho imediato visando algo melhor nas datas comerciais ou aniversário”, relata. 

Antes mesmo das aulas, as crianças já detinham algum conceito de economia doméstica. “Não era algo, entretanto, muito atrelado ao dinheiro. Não gastar muita água, luz e reciclar o lixo era mais relacionado a questões da natureza, de sustentabilidade”, conta Nathália.

Ela acredita, entretanto, que a conversa sobre o assunto é muito válida e, na prática, já os orienta. “Se eles sujam o sofá, explico que o dinheiro que vou gastar para lavá-lo vai deixar de ser utilizado em outras coisas que eles gostariam. Eles precisam entender que o recurso é limitado, né?”, lembra. 

A jornalista ainda destaca a importância do consumo consciente. “A ideia é não demonizá-lo, mas mostrar que é melhor consumir mais com experiências e menos com coisas, pois estas se acabam. Minha filha mais velha está começando a se interessar por roupas.

Outro dia, em uma loja, desejou um moletom do Mickey, que era muito caro. Sugeri que entrássemos na internet. Fiz isso e achei um muito parecido por aproximadamente um terço do preço. Além disso, quando eles ficam com preguiça de estudar, falo que estudei para conquistar o que tenho a liberdade de comprar hoje”, finaliza.

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Patrícia Monteiro de Santana

Jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diario de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.

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