Qual a importância do Dia da Consciência Negra na escola? – Entrevista com Luana Tolentino
Foto por: Daniela Paoliello
O Dia da Consciência Negra, comemorado no dia 20 de novembro, é uma data muito importante no calendário escolar. Convidamos a professora de História Luana Tolentino para elucidar alguns aspectos da data, principalmente no que diz respeito às instituições de ensino.
Mestre em Educação pela Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP) e autora do livro Outra educação é possível, Luana está há mais de 10 anos lutando pela educação comprometida com a igualdade e justiça.
Neste post confira como celebrar o Dia da Consciência Negra em meio escolar e veja por que comemorar a data é importante mesmo para alunos que não são negros.
1. Por que é importante celebrar o Dia da Consciência Negra na escola?
Antes de qualquer coisa, é importante lembrar que a legislação educacional brasileira, por meio da Lei n. 10.639/03, exige a inserção do Dia da Consciência Negra no calendário escolar.
Sendo assim, promover atividades pedagógicas que celebrem e valorizem as contribuições dos ex-escravizados e de seus descendentes na construção do país é um compromisso, é uma obrigação que escolas públicas e privadas devem ter.
Além das festividades, as práticas devem evidenciar também as desigualdades e as violências resultantes do racismo, que têm impelido à população negra dificuldades de acesso aos direitos básicos, como também menor expectativa de vida.
Inserir de fato o Dia da Consciência Negra nas atividades escolares é um imperativo para a construção de uma educação antirracista, comprometida com a igualdade e com a justiça.
2. O dia era comemorado na sua escola quando você era estudante?
Como eu disse anteriormente, a inserção do Dia da Consciência Negra no calendário escolar é algo recente. Resulta das ações e reivindicações do Movimento Negro.
Ao longo da minha trajetória escolar, era comemorado o 13 de maio, data da abolição da escravidão. Exaltava-se a figura da princesa Isabel, tida como a única responsável pelo fim dos quase quatro séculos de trabalho compulsório a que os negros foram impelidos. Essa visão histórica não corresponde com a realidade.
A abolição é resultante também das muitas lutas empreendidas por negros e negras. Nessa data, escolhia-se sempre uma aluna branca, loira para representar a princesa Isabel.
Ao passo que nós, negros, éramos “fantasiados” de escravizados, com direito a correntes nos punhos e tudo mais. Tudo isso minava a nossa autoestima. É certo que várias gerações experimentaram essa prática extremamente equivocada.
3. A comemoração é válida para os alunos que não são negros?
O Dia da Consciência Negra, o combate ao racismo e à discriminação racial não beneficia somente estudantes negros e negras, mas toda a comunidade escolar. Fazemos parte de uma sociedade plurirracial. Desse modo, o conhecimento da História e da Cultura produzida pelos africanos e pelos afro-brasileiros é um direito que todos nós temos, independente da cor da nossa pele.
4. Como a cultura negra pode ser inserida no planejamento das aulas?
É importante ressaltar que a cultura negra, as reflexões em torno das trajetórias dos sujeitos negros devem se fazer presente no cotidiano escolar ao longo do ano inteiro, em todos as disciplinas. Os conteúdos escolares têm sido ensinados sobretudo a partir de uma perspectiva branco-europeia.
É urgente, é necessário ensinar também a partir de matrizes afrocentradas. Não se trata de excluir um conhecimento e substituir por outro, mas sim fomentar uma pluralidade de saberes.
Cabe aos professores de Português, Matemática, Ciências, História, Literatura, Geografia, Química, Física, Educação Física, Sociologia, Arte, Filosofia e demais disciplinas que compõem a matriz curricular pensar de que modo apresentar essas áreas de conhecimento também sob um prisma africano e afro-brasileiro.
Cabe a eles também refletir sobre o que têm sido ensinado. Quando um professor dá aula de Literatura, quais são autores que são apresentados aos alunos? Os escritores e as escritoras negras se fazem presentes?
Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo são duas das maiores escritoras desse país. São negras. Elas estão nos livros didáticos? Elas norteiam as aulas de Literatura, são objeto de estudo e de discussões? Nas aulas de Filosofia há espaço para filósofos e filosófas negras? Ressalta-se a filosofia produzida no continente africano?
Os estudantes conhecem a obra de Sueli Carneiro, mulher negra e a maior filósofa desse país? E nas aulas de História? De que modo os fatos são contados? Do ponto de vista dos oprimidos e silenciados ou do colonizador?
Tomando de empréstimo as palavras da educadora afro-americana bell hooks (em minúsculo mesmo!), lembro que não inserir o debate racial no currículo escolar é uma escolha, é uma decisão política de cada professor, que contribui para a manutenção do racismo e para a perpetuação das desigualdades.
5. Quais atividades de celebração podem ser realizadas na escola no Dia da Consciência Negra?
Em geral, as escolas optam pelas atividades festivas, como apresentações de grupos de capoeira, de música e de dança. Gosto muito dos desfiles da beleza negra, da exaltação dos cabelos crespos e cacheados.
É um momento de reconhecimento, de protagonismo e de afirmação da identidade negra, profundamente marcada pela violência racista.
Vejo esse desfile como uma possibilidade de se criar outros olhares a respeito dos sujeitos negros, de evidenciar a necessidade da construção de outros padrões de beleza.
Contudo, penso que o 20 de novembro precisa ser um dia também para expor as mazelas criadas pelo racismo.
Nos últimos dias, pesquisas revelaram que os trabalhadores negros recebem um salário 74% inferior se comparado aos rendimentos recebidos pelos brancos. Revelaram também que na última década, 71% das pessoas assassinadas nesse país eram negras.
A cada 23 minutos um jovem negro é assassinado nesse país. Essas questões também precisam ser discutidas no Dia da Consciência Negra. Não podemos mais naturalizar, achar que esses dados são fruto da vontade divina. A luta contra o racismo deve ser de todas e todos. A escola tem um papel fundamental nesse processo.
6. Quando você realiza atividades de empoderamento negro, como é a recepção dos alunos e das alunas?
Em geral, os estudantes estão muito abertos para o trato dessas questões. Anseiam que o racismo, o feminismo negro, o genocídio da população negras sejam discutidos em sala de aula. A juventude quer falar, quer ter voz.
A juventude quer um currículo alinhado com o mundo que está a sua volta. Gostaria de acrescentar que as práticas e os discursos empreendidos pelas feministas negras nas redes sociais têm exercido um papel importante para o interesse dos jovens por esses temas.
7. Qual mensagem você dá para seus colegas de profissão na luta antirracista?
É urgente, é fundamental que nós educadores tenhamos como premissa o combate ao racismo que se faz presente nas escolas e na sociedade como um todo. Esse compromisso não pode ser somente dos professores e das professoras negras.
O combate às práticas discriminatórias é um dever moral que todos devem ter. O racismo praticado ora de forma sutil, ora de forma violenta nas escolas têm sido responsável por exclusões, pela baixa autoestima dos alunos negros, pelo alto índice de “evasão” e de repetência escolar por parte desse grupo. Tudo isso redunda na sociedade preconceituosa e extremamente desigual em que vivemos.
É preciso fazer uma escolha: ser conivente com o racismo e com todos os males que ele provoca ou trabalhar para a construção de uma educação plural, democrática e inclusiva. Receber uma educação antirracista é um direito garantido pela legislação educacional desse país.
8. Pode indicar produções que você considera essenciais no Dia da Consciência Negra?
Para as crianças, gosto muito do filme Kiriku e a Feiticeira. Há anos passo esse filme. Amo! As crianças amam também. Para os adolescentes, gosto de dois filmes recentes: Doze anos de escravidão e Pantera Negra.
Embora o primeiro seja bastante pesado, julgo importante assisti-lo para que os professores e os estudantes tenham em mente o horror que foi a escravidão. Gosto do Pantera Negra, pois ele traz a possibilidade de construir novas narrativas dos sujeitos negros.
Narrativas marcadas pela afirmação, pelo protagonismo e pelo empoderamento. Um apelo que eu faço: Professores e professoras: levem Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus para a sala de aula!
Conclusão
O Dia da Consciência Negra representa uma excelente data para memorar a riquíssima cultura negra. Além do lado voltado às festividades, a data também proporciona a implementação de uma cultura antirracista na escola, visto que debater e combater o preconceito são ações fundamentais dentro das instituições educativas.
Quando promovida pela escola, a postura antirracista faz com que as atividades pedagógicas levem os estudantes à justiça e ao respeito.
Inserir a produção negra — seja literária, acadêmica, filosófica, artística… — no ambiente escolar é uma necessidade e uma tarefa dos profissionais da educação. Na data, uma ótima atividade pode envolver uma visita a um museu ou uma exposição de arte africana ou até mesmo uma apresentação musical de um grupo de dança negra.
Quer ver como realizar uma excursão que, além de divertir, educa? Baixe gratuitamente o guia para Excursão escolar efetiva.