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Como praticar o protagonismo juvenil refletindo sobre identidades e vivências?

5 de agosto de 2021
E-docente

O sujeito pós-moderno é constituído de modo instável e provisório, como nos explica Stuart Hall. A identidade se constrói, portanto, no cotidiano, sendo oportuno não apenas repensar as práticas escolares, mas organizá-las de modo a contribuir para a formação e o fortalecimento de diferentes identidades juvenis, tomando como exercício as vivências desse público e assumindo o protagonismo juvenil.

Nesse contexto, se tem uma concepção mais social do sujeito, a qual é atravessada pela ideia de descentramento, ou seja, pela formação múltipla dos sujeitos no mundo. Penso, assim, que as narrativas são fundamentais e úteis ao entendimento de que somos constituídos também na diferença. 

As identidades são produzidas tanto a partir de uma subjetividade, ou seja, do sujeito consigo mesmo, quanto na coletividade, quando exercitamos uma identidade social, relacionada ao outro. Torna-se urgente discutir e entender as representações de si e do outro para compreendermos os jogos de poder que são estabelecidos de modo a nos atribuir determinadas identidades no mundo.

Cabe ainda, nos questionarmos sobre a quem interessa tais identificações do sujeito. É central nesse debate repensar as juventudes que são formadas num contexto de mudanças, sobretudo no espaço escolar.

Qual o objetivo do protagonismo juvenil?

O protagonismo juvenil na prática escolar exige a compreensão de que o jovem não representa apenas o futuro do país; mais que isso, ele é o presente, sua ação interfere na realidade atual. Nesse quadro, a escola precisa favorecer a constituição da autonomia, buscando atuar na formação de cidadãos comprometidos, éticos e solidários. 

Proponho que façamos um exercício para compreender o protagonismo juvenil com base no filme “Escritores da Liberdade”, dirigido por Richard LaGravenese. A narrativa retrata o método de ensino “revolucionário” da professora estadunidense Erin Gruwell, que levou mais de 150 alunos a mudarem não somente suas vidas, mas a vida no entorno, valendo-se da competência escrita.

Nessa história, a professora supera a apatia e o desinteresse de uma turma diversa quando reconhece no coletivo o poder que cada subjetividade ali presente guarda. A docente é estratégica ao levar os alunos a perceberem que, mesmo diferentes uns dos outros, possuem afinidades, interesses em comum, principalmente o de se manterem vivos e de serem importantes para alguém. 

Leia também: O protagonismo no processo de aprendizagem da infância.

O reconhecimento do potencial de cada aluno leva, no filme, à redução de conflitos a partir do momento em que esses alunos se reconhecem na dor, no sofrimento alheio. A empatia se estabelece e contribui para a construção de laços e solidariedade.

São esses novos laços que levam aquela juventude a agir de modo diferente em casa, na escola e na sociedade em geral. Cada um consegue pôr em cena outros modos de conhecer a si e ao mundo.

A influência do Rap e da cultura afrodescendente

Considerando seriamente o ensinamento do mestre Paulo Freire, que nos alertou para o entendimento de que os alunos não são tábulas rasas, relacionamos a história da professora Erin Gruwell aos versos do rapper brasileiro Emicida, na letra “Ubuntu fristili”.

Aquela docente pôs em prática o protagonismo dos estudantes, quando se colocou para ouvi-los. Já o rapper, nos versos “Eles não vão entender o que são riscos e nem que nossos livros de história foram discos”, nos permite lembrar que os discentes têm uma vida fora da escola e já chegam a esse espaço com múltiplos saberes, construídos de modos também diversos.

O rapper apresenta os MCs como griots, ou seja, contadores de histórias de África. Exalta na letra os afrodescendentes que, superando a morte em solo brasileiro, mantêm suas religiões, estilos de vida e, através da música, criam outras possibilidades de SER e ESTAR no mundo.

Para além de reconhecer as violências sofridas e identificadas como únicas opções para o povo negro, Emicida mostra o potencial dos saberes ancestrais guardados pela população negra e protegidos nas comunidades periféricas. 

A música do Emicida vem nos mostrar que, para além de livros, outros são/podem ser os objetos de conhecimento. Sobretudo quando se trata de populações que precisaram se fazer, se constituir fora do espaço escolar, como é o caso dos negros no Brasil.

O rapper exige respeito a si e aos seus, mostrando como cada elemento, desde o cabelo ao estar no mundo, é símbolo para SER nesse mesmo mundo que precisa se tornar menos injusto e menos desigual.

Ademais, é fundamental ter em mente que uma educação como prática de liberdade precisa ser libertadora para todos, estudantes e professores(as).

Identidade e política

A identidade é desse modo uma construção política, que se estabelece nas práticas sociais de linguagem. Portanto, o espaço escolar, enquanto agente institucional, deve atuar de modo a reconhecer, legitimar e valorizar as identidades dos discentes.

Também o docente precisa ter seu reconhecimento nesse lugar de mediador entre tais saberes e os estudantes. Cobrar para si mesmo o status de sujeito social com uma história de vida que pode ser trazida à sala de aula, onde todos se coloquem engajados em outro fazer histórico e político.

Enquanto construtos plurais, as identidades são constantemente reconfiguradas. As marcas identitárias são responsáveis por posicionar temporariamente falantes e ouvintes.

Assim é que podemos entender com tranquilidade como a professora Erin Gruwell podia ser a mulher branca de classe média, filha, esposa, professora, colega de trabalho e como cada identidade exigia dela determinadas atitudes que terminavam expondo suas contradições e incoerências, gestos tão comuns em um mundo em constantes mudanças sociais, econômicas, culturais e tecnológicas.

A mesma reflexão sobre a temporariedade identitária precisa ser posta a todos nós. O sujeito enunciador na letra do rapper Emicida também reclama para si diferentes posicionamentos, todos temporários e em fluxo.

Embora seja um contador de história que exige respeito, é um aprendiz frente aos saberes ancestrais que o constituem. Esse aprendiz também se forma pelas opressões a que está exposto. Essa é a sabedoria que o faz se manter vivo. Faz-se na tensão com o outro. 

Para concluir

A escola é assim um espaço privilegiado para o exercício do protagonismo juvenil. É na escola que os jovens podem mostrar as suas ideias sobre o mundo, para além do núcleo familiar, e como esse mundo pode ser melhor para todos.

É na escola que uma prática emancipatória pode ser iniciada, uma vez que, tensionadas as relações identitárias, pode aflorar e se sedimentar o conhecimento sobre os papéis dos sujeitos na superação das desigualdades.

Pensando concretamente na organização dos oprimidos, lembrando, sobretudo, que nós voltamos à escola pública, é que insisto em práticas educacionais capazes de atuar para além de uma essencialização dos indivíduos.

Desse modo, longe de colocar um povo contra outro, como é próprio do capitalismo, a prática emancipatória visa evidenciar tais fissuras na sociedade, analisando a situação concreta, potencializando a compreensão dos indivíduos no mundo.

Leia também: Culturas e protagonismos juvenis contemporâneos.

Nesse percurso, não se trata de mostrar a Erin Gruwell como salvadora dos múltiplos povos que compõem os seus alunos (latino-americanos, sul-africanos…). Também não se trata de colocar a música de Emicida como potencial na sobreposição de negros contra brancos.

Pelo contrário, recorremos às duas obras para pensarmos em modos de, ao evidenciarmos injustiças e desigualdades no mundo, podemos potencializar formas de superação por meio de ações educativas concretas que possam não apenas identificar as múltiplas explorações, mas principalmente construir caminhos para compreendê-las e superá-las. 

Jaciara Gomes 

Professora adjunta na UPE/ Campus Garanhuns, atuando nos cursos de Graduação em Letras e no Mestrado PROFLETRAS/CAPES.

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