Saúde mental pós-pandemia, neurociências e aprendizado
Qual a relação entre saúde mental pós-pandemia, neurociências e aprendizado?Por mais únicos que sejamos como indivíduos, todos nós compartilhamos de uma estrutura biológica que funciona de forma semelhante.
Nossa saúde física e mental depende diretamente do bom funcionamento dessa “máquina biológica” (cérebro-corpo).
Falar de adoecimento mental é falar sobre o sistema operacional de nossas emoções que, por sua vez, se relaciona diretamente com nosso comportamento.
Se pensamos e sentimos, só o fazemos pois temos um cérebro (e outras regiões encefálicas) que coordena tudo isso.
Mas, assim como uma máquina ligada 24h por dia e sem manutenção em algum momento quebra, nosso cérebro faz o mesmo: se o usarmos de maneira indevida, exagerada ou sem cuidado, ele adoece.
Quer saber mais sobre saúde mental pós-pandemia, neurociências e aprendizado? Confira o conteúdo que preparamos!
Qual a relação entre saúde mental pós-pandemia, neurociências e aprendizado?
Somos seres integrais, e isso significa que o biológico, o neurológico, o social e o emocional é um todo indissociável.
Sendo assim, uma questão social pode impactar diretamente na saúde, assim como um problema de saúde pode impactar no comportamento, no emocional e, por consequência, na atuação social do indivíduo. Logo, um cérebro adoecido não aprende da mesma forma que um cérebro saudável.
Nunca se falou tanto em saúde mental, principalmente depois da época mais crítica da pandemia, que foi entre 2019 e 2022.
Ficamos praticamente isolados por dois anos, mudamos a rotina da noite para o dia, tivemos que nos adaptar a uma vida totalmente remota, perdemos amigos, familiares e conhecidos para a Covid-19, entramos em luto coletivo, a economia esmoreceu, muitos perderam o emprego e, com tudo isso, a ansiedade e o medo se instalaram coletivamente.
Toda essa realidade afetou o emocional de todos nós, mas, certamente, algumas pessoas foram mais abaladas que outras, o que possivelmente abriu portas para um adoecimento mental mais grave.
Mas, o que tudo isso tem a ver com neurociências e rendimento escolar ou com o aprendizado? Saiba mais a seguir!
Neurociências, rendimento escolar e aprendizado
As neurociências já mapearam o mecanismo neurobiológico do estresse e, de acordo com as pesquisas, quando sofremos um forte impacto ou pressão emocional que gera altos níveis de estresse, nosso sistema pode sucumbir.
A equação é fácil de entender: estresse alto = excesso de cortisol em nossa corrente sanguínea = propensão para adoecimento físico como hipertensão e mental, como depressão e ansiedade.
Uma vez estressado, pelo motivo que for, regiões do sistema emocional (conhecido por sistema límbico) nos deixam em constante estado de alerta, o que faz com que o foco do cérebro se volte para tentar resolver o “iminente perigo”.
Isso faz com que o cérebro “avise” o corpo de que precisamos nos proteger. Sendo assim, para que possamos ter atenção suficiente para fugir do perigo, energia adequada para correr ou força suficiente para lutar, algumas glândulas de nosso corpo lançam em nossa corrente sanguínea cortisol, adrenalina e noradrenalina, levando nosso corpo a mudar seu estado de relaxamento para estado de alerta.
Com isso, ficamos momentaneamente mais atentos, o coração bombeia mais sangue para os músculos (para poder lutar ou correr), nossa pupila dilata, o intestino para de peristáltica, dentre outras alterações biológicas.
Esse é um mecanismo de defesa muito antigo em nosso sistema biológico e que funciona de forma automática.
Nós sobrevivemos como espécie até os dias de hoje boa parte por causa desse eficaz mecanismo de “luta-fuga”. O problema é que o correto é ele ser acionado somente quando estamos num real perigo de morte ou com um medo muito intenso.
Efeitos da ansiedade no pós-pandemia
Acontece que, se nos sentimos ansiosos, inseguros, com medo do que pode acontecer, seja esse medo real (estar com uma arma apontada para a cabeça) ou imaginário (medo de morrer de covid mesmo sem estar com a doença, por exemplo), o sistema dispara da mesma forma.
Isso significa que, se passamos por momentos de muita tensão por muito tempo, deixamos nosso sistema de alerta acionado e é aí que mora o perigo, pois, assim como um motor ligado 24h pode fundir, o sistema de alerta ligado por mais tempo do que deveria pode prejudicar nossa saúde.
O cortisol é o hormônio do estresse, que é responsável por nos ajudar a focar a atenção e reter energia para resolver um problema. Mas, caso nosso corpo libere mais cortisol do que consegue metabolizar, isso passa a ser nocivo para nós.
Leia mais: Saúde mental no trabalho da docência: em busca do equilíbrio
Nada em excesso ou em falta faz bem para nossa mente ou corpo: sal em excesso pode afetar os rins, álcool em excesso pode afetar o fígado e cortisol em excesso pode afetar o cérebro.
O importante é sempre o equilíbrio. Sendo assim, o excesso de cortisol pode, com o tempo, prejudicar nossa memória, uma vez que ele começa a “destruir” as células nervosas do hipocampo, uma região central do sistema límbico que gerencia nossas memórias conscientes.
E sem memória não há aprendizado. Se o cérebro não é capaz de registrar as informações que são importantes, não é possível consolidar o aprendizado. Somos quem somos, porque temos memória, já diria Ivan Izquierdo (2004).
Alterações
Além disso, o estresse em excesso pode levar a alterações no sono e sono alterado, além de adoecer, pode influenciar negativamente o rendimento acadêmico uma vez que as neurociências já provaram que o sono é um elemento primordial na manutenção da saúde, do bem-estar e do aprendizado.
A memória, assim como a atenção, também está ligada ao sono, como coloca Chedid (2017); dormir pouco reduz a capacidade de manter a atenção em uma tarefa, afetando o desempenho escolar; dificulta a realização de atividades cognitivas; aumenta a sonolência diurna; e altera o humor.
Consequências
Ou seja, o excesso de estresse pode produzir uma série de distúrbios orgânicos e mentais, dentre eles:
- distúrbio de aprendizagem,
- deterioração da memória,
- lentificação no desenvolvimento do raciocínio,
- alteração nas funções executivas, comprometimento das tarefas motoras,
- aumento da sensibilidade à dor,
- rebaixamento da atenção,
- declínio da força muscular,
- aumento da irritabilidade,
- e fadiga e aumento da possibilidade de desenvolvimento de distúrbios psiquiátricos, neurológicos e cognitivos.
Conclusão
Sendo assim, precisamos urgentemente pensar na saúde mental como um fator fundamental não somente para o bem-estar, mas para a vida e para o aprendizado.
A temática saúde mental precisa ser mais debatida no âmbito escolar e universitário – não somente para os estudantes, mas também para os docentes que sofrem muitas pressões. Ainda mais agora, em que estamos passando por um momento inédito de pós-pandemia mundial, o tema saúde mental é e será cada vez mais urgente e necessário.
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Prof. Dra. Viviane Louro é pianista, educadora musical e neurocientista. Docente do departamento de música da Universidade Federal de Pernambuco, onde, além de lecionar, coordena os seguintes projetos: PROBEM DO CAC (programa para saúde mental dos estudantes de música); Liga Acadêmica de Neurociências Aplicada (LIANA); Especialização em Neurociências, Música e Inclusão; e Comissão de humanização e saúde mental da UFPE. Autora de 8 livros na área de educação musical inclusiva e palestrante sobre as áreas de neurociências da música, psicomotricidade e música e educação musical inclusiva. Atualmente, está se especializando em Criminal Profile e psicologia investigativa.
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