MENU

Uso do celular em sala de aula: Como gerenciar essa realidade?

13 de setembro de 2023
E-docente

O bom gerenciamento do uso do celular em sala de aula é um desafio cada vez maior, uma vez que essa ferramenta possui recursos diversos de interatividade e comunicação. 

Caminhando pelas ruas, indo aos cinemas, frequentando teatros, igrejas, em reuniões de trabalho, dirigindo carros e motos, assistindo aulas e palestras, enfim, em qualquer uma dessas situações podemos observar alguém conectado ao celular, mesmo que isso possa representar um risco potencial à sua própria vida.

Confesso que já cometi deslizes ao tentar acessar meu celular enquanto dirigia. Lutei muito para mudar de comportamento e hoje me controlo bastante nessa situação, apesar de ainda usá-lo mais do que deveria.

Por conta de ele ser um dos equipamentos mais utilizados por nossos alunos em salas de aulas, este texto será mais focado nesse recurso tecnológico.

Como o uso do celular em sala de aula desperta tanto nossa atenção?

O uso indiscriminado de celulares pelas pessoas é trabalhado com muita informação interessante no livro “Foco Roubado – os ladrões de atenção da vida moderna”, de Johann Hari, colaborador de importantes veículos de informação mundiais como o The New York Times, Le Monde e The Guardian, entre outros.

Nessa obra, Hari comenta a experiência dele em deixar seu celular guardado em sua casa e viajar por três meses para uma cidade pequena com livros para ler e natureza para admirar. O objetivo é tentar se desligar por algum tempo de qualquer tecnologia, incluindo o celular. 

Ao longo dessa vivência, ele relata momentos iniciais de paz e tranquilidade, liberdade de fazer o que ele quiser sem estar conectado ao seu celular. Depois de alguns dias, ele passa a se sentir ansioso, olhando as pessoas acessando seus celulares e passando a desejar isso novamente. 

O autor apresenta também resultados de pesquisas sobre o foco das pessoas, sugerindo que o espectro coletivo de atenção está encolhendo em nossa espécie há muitos anos.

Esse fato é corroborado por uma pesquisa citada por Hari em seu livro, na qual foi feito um monitoramento por mais de 130 anos em cima da seguinte questão:

Quantas semanas ou meses as pessoas levam para se cansarem de um assunto e passarem para outro?

Os resultados evidenciaram o que sentimos hoje: que os assuntos surgiam e desapareciam cada vez mais rapidamente ao longo de cada década monitorada.

Você pode responder: “mas há 130 anos não existiam celulares, Internet e muitas outras tecnologias.” Sim, e isso nos dá uma informação importante: não são apenas essas novas tecnologias que roubam o nosso foco, uma vez que esse fato está evoluindo ao longo de muitas décadas.

Existem outros fatores que atuam nesse processo e poderão ser analisados em outro momento. Os meus objetivos nesse texto são:

  1. Analisar o quanto essas novas tecnologias contribuem para piorar ainda mais a capacidade de focar no que é realmente importante e;
  2. Rever a nossa conduta, como educadores, no uso de celulares.

A Internet e o excesso de informações disponíveis

Com a chegada da Internet, passamos a ter acesso a muito mais informações em tempo real. Hari aborda em seu livro pesquisas sugerindo que o excesso de informações causa um declínio na atenção dispensada a cada uma delas.

Os celulares contribuem com isso pois são equipamentos de fácil transporte e estão evoluindo cada vez mais em:

1. Acessibilidade: possibilidade de acessar conteúdos de qualquer parte do mundo em apenas alguns toques, em tempo real.

2. Utilidade e conveniência: acesso a diversos aplicativos, plataformas de cursos, games interativos, etc.

3. Comunicação constante: recursos diversos de comunicação oral, escrita, por imagens.

4. FOMO (Fear of Missing Out): desejo de saber o que acontece em tempo real, estar por dentro de tudo, como se fosse possível e, até mesmo, saudável.

Tudo isso gera nos usuários o que se conhece por dependência tecnológica, um estado de ansiedade e desconforto quando estão desconectados e experimentam a “nomofobia”, ou seja, o medo de ficar sem celular. Essa dependência tecnológica pode levar a um uso excessivo do celular e dificuldade em se desconectar dele.

O uso do celular em sala de aula: o que podemos fazer?

Existem aqueles que defendem o uso dos celulares em sala de aula e os que acreditam que esses equipamentos mais atrapalham do que ajudam no processo de ensino-aprendizagem.

Eu me posiciono em um meio termo, acreditando que podemos fazer um bom uso dos celulares em momentos específicos da aula, com muito critério e por pouco tempo, valorizando mais a interação direta entre os alunos.

Existem muitas publicações sobre razões para estimularmos o uso de celulares pelos nossos estudantes. Entre essas razões, destaco as que eu, especificamente, já testei com êxito em minhas aulas: 

  1. Acesso a Recursos Educacionais: bibliotecas digitais, tutoriais em vídeo, aplicativos educativos e plataformas de aprendizado interativo.
  2. Ferramentas de Organização: agenda, lembretes e gerenciamento de tarefas.
  3. Promoção da Autonomia:  desenvolver a autonomia dos alunos em seus estudos, incentivando a pesquisa independente e a curiosidade.
  4. Desenvolvimento de Habilidades Digitais: trabalhar nos estudantes a capacidade de avaliar criticamente as informações encontradas online.
  5. Aumento da Responsabilidade: o uso responsável do celular pode ensinar aos alunos sobre limites, autocontrole e a importância da gestão do tempo.

Entretanto sabemos que, apesar de estarmos sempre inovando em estratégias que possam promover o uso responsável do celular em sala de aula, é frequente pegarmos alguns estudantes acessando conteúdos que não dizem respeito ao tema da aula, incluindo:

  • os games interativos,
  • vídeos do TIKTOK,
  • Instagram e grupos de WhatsApp, entre outros.

Muitos educadores chegam a pensar em desistir da profissão pois se sentem desrespeitados, desconsiderados por seus estudantes.

Acolho esses sentimentos, pois considerava, até pouco tempo atrás, legítimo nos sentirmos desrespeitados uma vez que nos preparamos para cada aula e é frustrante ver que uma parcela de alunos nem se quer disfarça ao pegar seus celulares durante as explicações.

Entretanto, após estudar um pouco sobre neurociência e empatia na adolescência, um texto escrito pela educadora Girlene Lopez Sismotto e publicado recentemente aqui no blog e-docente, mudei minha percepção sobre a atitude dos alunos em acessarem seus celulares durante minhas aulas, não considerando ser apenas desrespeito.

Mas também, e principalmente, falta de empatia, uma habilidade que não é muito desenvolvida na adolescência devido a diversos fatores. Entre os quais um desenvolvimento neurológico incompleto característico dessa faixa etária.

Essa situação delicada com a qual lidamos todos os dias nas salas de aulas é uma realidade que interfere muito no nosso trabalho e certamente atua em nosso equilíbrio emocional.

Ao pensar em escrever este texto, questionei alguns colegas que estão atuando em diferentes escolas como eles estariam lidando com o uso de celulares pelos seus alunos.

Uso do celular em sala de aula na vida real

Veja a seguir alguns depoimentos com publicação previamente autorizada pelos seus autores. Optei por inserir os relatos praticamente sem cortes, fazendo apenas pequenos ajustes necessários para uma melhor leitura e compreensão.

  1.  “Depende da idade dos alunos e principalmente da dinâmica da classe. Uma estratégia que funciona bem é um “contrato” de convivência do grupo no primeiro dia de aula. Os temas e as regras vêm dos alunos. Geralmente cobre todos os temas importantes, incluindo uso de celular em sala de aula. As regras podem ficar escritas numa cartolina grande para lembrá-los quando algo está fora do combinado. O importante é ter as regras claras e consistentes. Vindas deles, melhor ainda. Outra estratégia é ter uma caixa especial para deixarem os celulares quando eles entram na sala. Se eles precisarem, eles pedem permissão para usar. Não tem como evitar 100%. Muitos alunos trazem para a sala de aula tablets ou laptops para escrever (ao invés de cadernos), ficando online de qualquer jeito. Alunos mais do que nunca, tem que estar engajados ao máximo possível para que, quem sabe, eles se esqueçam daquela necessidade de acessar o celular. Eu também tento incorporar tecnologia nas aulas quando possível. Eles podem até usar o celular. Então os alunos percebem que o problema não é a tecnologia, mas como e quando ela é usada.” (Lara Parra de Lazzari – Educadora brasileira atuante no Canadá, nas áreas de Ciências e Biologia)
  2.   “Grande desafio lidar com o celular na sala de aula, porque ao mesmo tempo que pode ser um forte aliado em pesquisas e acesso às informações, torna-se o grande vilão na manutenção do foco. Eu ainda não consegui decidir qual a melhor estratégia: proibir ou incorporar seu uso. Em situações especiais onde temos dois professores em sala de aula, o controle do uso de celulares é relativamente mais fácil pois, enquanto um apresenta o conteúdo, o outro fiscaliza os alunos.  Mesmo assim, caso algum aluno tente usar, paramos a aula e pedimos para guardar o equipamento. Outro ponto a ser considerado nessa discussão são os tablets e laptops, que também possuem acesso à Internet e os alunos muitas vezes acessam para anotar conteúdos. Além disso, em alguns momentos de aula, os alunos precisam usar o celular e o tablet/laptop para acessar atividades, fazer pesquisas, etc. É complicado gerenciar tudo isso.” (Girlene Lopez Sismotto, Educadora  do Ensino Médio nas áreas de Biologia e Convivência & Projeto de Vida, colaboradora do Profissão Educador na área da Neurociência)
  3.   “Com adultos e adolescentes em sala de aula, eu peço que deixem o celular de lado um pouco, e pela aula ser prática e ativa fisicamente (dificilmente ficarmos sentados), essa solicitação tem uma boa aceitação entre os alunos. Peço para que fiquem sem acesso ao celular em boa parte do tempo mas, em momentos específicos, tento propor algumas atividades em que precisem usá-lo, seja para algum texto ou vídeo (para ver ou fazer) e converso sobre nos mantermos na proposta da aula, pedindo para ficarem atentos a uma possível perda de foco e buscarem retomar a atividade. Às vezes eu também preciso me policiar para trazer mais tecnologia para a aula, porque eu percebo que para eles é muito mais interessante e conversa mais com o dia a dia…e eu nem sempre utilizo. Acabo perdendo boas ferramentas por causa disso também. Com as crianças eu já peço para que fiquem mais afastadas mesmo do celular e usem só em momentos de pesquisas.” (Beatriz Benvengo – Atriz, diretora e educadora no ensino de crianças, adolescentes e adultos no Brasil)
  4.   “Tentei lidar negociando diplomaticamente o não uso, mas… voltei das férias proibindo e justifiquei a medida citando o relatório da Unesco (indicado nas  referências) e as medidas adotadas em diferentes países. Argumentei o porquê de não usar o celular durante as aulas com os dados do relatório. A impressão que tenho é que grande parte dos estudantes entendeu e assimilou, mas sempre tem um ou outro que usa o celular fora de hora e peço para sair da sala. Enfim… estou gostando, até agora, mas ainda é pouco tempo.” (Regina Mara da Fonseca – Educadora do Ensino Médio na área de Geografia, coordenadora de projeto interdisciplinar)
  5.   Nas nossas aulas os celulares são proibidos. Sempre que necessário, explicamos aos alunos o porquê da proibição: em primeiro lugar, entendemos que, em uma aula de Convivência Positiva, o aluno deve estar disponível à escuta e às trocas de experiências, emoções e opiniões com os outros colegas. Além disso, são diversas as situações de aula que, se pudessem, os alunos tirariam fotos ou fariam vídeos dos colegas e professores. Entendemos que, com a proibição, conseguimos comportamentos mais espontâneos e empáticos. Os alunos se sentem mais conectados com a aula e mais à vontade de exporem suas ideias. Para tanto, somos rígidos nessa regra em todas as séries do Ensino Básico. Temos uma caixa na mesa do professor. Como parte da rotina de início de todas as aulas, pedimos que eles coloquem os celulares na caixa ou na mochila. Quando um aluno burla essa norma, avisamos e anotamos no nosso Sistema. Não há desculpas ou negociações. É um tipo de penalidade. O resultado é bom.  Desde 2016, os alunos compreendem a importância dessa regra e não a pautam como algum tipo de injustiça ou arbitrariedade. Já houve casos em que os próprios alunos sugeriram essa dinâmica para outras disciplinas, como reconhecimento de que esta proposta aumenta o engajamento durante as aulas. (Beatriz K Cury, educadora dos Ensinos Fundamental e Médio, nas áreas de Ciências, Convivência e Projeto de Vida e Biologia)
  6. “Com relação ao uso de celulares, já entendi que não tem como evitar que os alunos o façam durante a aula. Sendo assim, decidi mudar os meus planejamentos de aula para incluir a presença do mesmo. Utilizo aplicativos como kahoot para que os alunos usem o celular como forma de aprender.  Também permito que eles façam anotações no bloco de notas do celular ou que procurem vídeos e informações durante a aula. O único combinado geral é que, caso o celular esteja sendo utilizado para gravar a aula ou para outros fins que não os propostos por mim, o aluno sairá imediatamente da sala. Parece que isso fez com que eles se acalmassem um pouco com relação a essa espécie de abstinência que eles sentem ao ficarem longe dos celulares.” (Juliana Camargo Leite, atriz e educadora do Ensino Médio na área de Português, professora particular de inglês).
  7. O celular é um desafio ao educador porque, ao mesmo tempo que o seu uso é incentivado, ele permite acesso a um mundo paralelo muito sedutor para o aluno. O que costumo fazer é explicitar minha confiança neles quando eles precisam usar o equipamento para fazer pesquisas, enfatizando a importância deles se manterem dentro da proposta de atividade a ser realizada na aula. Evito muito ficar de fiscal em cima deles. (Fabiana Parra de Lazzari, educadora do Ensino Médio na área de linguagens e redação)

Podemos ver, pelos relatos anteriores, que alguns recursos e atitudes frente à presença dos celulares e demais equipamentos de acessibilidade à Internet e comunicação são comuns entre os educadores.

Mas, em todos eles, fica clara a necessidade de nos revermos em nossas propostas e planejamentos de aulas uma vez que é impossível evitar que 100% dos alunos não acessem seus celulares e percam a conexão com o processo de ensino-aprendizagem.

Por outro lado, nossa conduta também pode estar influenciando os alunos quanto ao uso excessivo dos celulares. Vamos pensar sobre isso?

Como nós educadores utilizamos os celulares no ambiente de trabalho?

Para finalizar essa reflexão, proponho fazermos uma autoavaliação! Pense se você faz alguma dessas coisas…

  1. Nos intervalos de aulas, você aproveita para acessar “rapidinho” o celular ou prefere interagir com colegas e alunos?
  2. Quando almoça na escola, você se isola com frequência em um canto e acessa o celular enquanto se alimenta?
  3. Você deixa o celular no bolso e, caso chegue alguma mensagem durante a aula, dá uma olhada rápida enquanto os alunos fazem alguma atividade?
  4. Você acredita que pode usar o celular em qualquer momento pois sabe se controlar e está na fase adulta, com responsabilidades além da sala de aula, o que justifica o uso dentro e fora da sala de aula?

Todas essas opções são observadas pelos alunos e passam uma mensagem que, em sala de aula, acaba atrapalhando o trabalho do educador:

“Se o(a) professor(a) acessa sempre seu celular, por que eu não posso fazer o mesmo?” ; “Os professores vivem falando que faz mal usar o celular o tempo todo mas eles também fazem isso….”

Termino com a mensagem que eu escutava de meu pai, um grande educador que trabalhou em salas de aulas universitárias até seus 84 anos de idade:

“As palavras movem e os exemplos arrastam!” (José B de Camargo – educador aposentado).

A autoria da frase não é dele. Mas esse era um conceito norteador do que ensinava e praticava. A coerência entre palavras e atitudes muito provavelmente foi um dos principais fatores que garantiram tanta longevidade ao mestre e motivação à filha dele para também se tornar educadora.

Sobre o Autor

Referências

  1. HARI, Johann. Foco Roubado: Os ladrões de atenção da vida moderna. / Johann Hari; tradução Luis Reyes Gil. – São Paulo: Vestígio, 2023.   

Essa obra aborda a perda progressiva de foco, o uso excessivo de celulares e efeitos no foco, o aumento de exaustão física e mental, o colapso da leitura sustentada, o aumento do TDAH, entre outros temas relevantes para educadores.

Esse vídeo apresenta uma resenha animada sobre o livro de Johann Hari, com outros conteúdos que não foram abordados nesse texto.

Este vídeo mostra o alerta da UNESCO quanto ao uso excessivo de celulares em salas de aulas.

       4 .Relatório de monitoramento global da educação, resumo, 2023: a tecnologia na educação: uma ferramenta a serviço de quem? – UNESCO Digital Library (acesso em 29/08/2023). Esse relatório da UNESCO trás informações sobre a falta de evidências relevantes sobre impactos positivos de uso de tecnologias na educação e alerta sobre o uso de celulares em salas de aula, entre outros recursos.

Compartilhar: