Saúde mental dos alunos nas escolas públicas: dados e desafios
Você já deve ter ouvido bastante sobre a saúde mental das pessoas e o que nos afeta diariamente: Vida corrida; estresse; problemas familiares; falta de dinheiro; violência.
Quando entramos em uma sala de aula, carregamos conosco não apenas o conhecimento, o conteúdo da aula. Somos a soma de nossas virtudes, de nossas conquistas, mas também de nossos problemas diários, os quais nem sempre estão estampados em nossos rostos.
Esses problemas são comuns também entre muitos de nossos alunos (às vezes até maiores) e nós, professores e toda a equipe diretiva, precisamos estar atentos para auxiliá-los, já que esse também é um papel do Estado. Mas será que, apesar de sabermos de tudo isso, a saúde mental recebe a atenção devida nas escolas públicas?
No parágrafo oitavo, artigo quarto, a LDB (1996) ressalta que o “dever do Estado com educação escolar pública será efetivado mediante a garantia de: ‘atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didático-escolar, transporte, alimentação e assistência à saúde’”.
A palavra “saúde” merece destaque por mim aqui, já que não podemos nos esquecer que é a própria lei de diretrizes e bases que estabelece como obrigação do Estado a oferta dessa assistência.
Saúde mental nas escolas públicas: Como deve ser
É interessante pensar, ainda, que vivemos atualmente em uma sociedade em que a exposição pública é cada vez mais comum, principalmente em redes sociais. Na mesma medida, pressões sociais se intensificam para que sigamos tendências, na maioria das vezes inalcançáveis, que partem de grupos totalmente diversos dos nossos.
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Mais suscetíveis a essas pressões e frágeis socialmente, jovens de escolas públicas são acometidos por transtornos mentais silenciosos, já que também faz parte do jogo “parecer feliz”.
Mas, claro, quando falamos de saúde mental nas escolas públicas, não podemos nos atentar somente aos jovens alunos, mas também a toda a equipe, já que todo o ambiente escolar, devido a inúmeros problemas, acaba gerando dificuldades que potencializam distúrbios que podem nem ter surgido ali.
Temos, então, uma relação em que todos se afetam mutuamente, já que se relacionam diariamente. Mas, então, o que fazer? O que pretendemos com este texto?
Trazemos aqui alguns importantes pontos que ligam um sinal de alerta e nos fazem refletir sobre nosso entorno nas escolas públicas e na relação geral que temos na construção do processo educacional nos tempos atuais, ao indicar caminhos a serem seguidos a partir de dados coletados em pesquisas que trazem a saúde mental como tema principal. Sigamos juntos nessa importante leitura!
Os sinais estão cada vez mais claros
Como você costuma tratar aquele aluno que se mostra desanimado, desinteressado e que pouco interage com os amigos em sala?
E aquele que se mostra ativo, sempre atento às aulas, solidário aos problemas dos outros? E os que brigam, sempre criam problemas com as atividades e buscam chamar a sua atenção com brincadeiras de mau gosto?
Provavelmente uns são tidos como problemáticos; outros, como exemplares; e outros podem acabar sem atenção alguma porque não enriquecem, mas também não atrapalham as aulas. Mas você já parou para pensar que todos esses alunos podem, cada qual do seu jeito, estar mascarando problemas de saúde mental?
O período pós-pandêmico vem nos trazendo desafios ainda maiores, já que problemas que já existiam acabaram sendo potencializados com o isolamento forçado que todos vivenciamos.
O que dizem as pesquisas
Iniciemos nossa discussão trazendo alguns dados de uma pesquisa realizada no Estado de São Paulo no período pós-pandemia. Apesar de serem apenas recortes, valem a pena para entendermos alguns desses problemas e ficarmos atentos ao nosso entorno, já que podemos estar vivenciando casos semelhantes sem percebermos. Vejamos:
Atenção aos sinais
Como nossos alunos estão chegando à sala de aula? Em nossa posição de professores, conseguimos perceber algo que indique uma necessária intervenção?
Um mapeamento da Secretaria de Educação do Estado de São Paulo em 2022 mostra que 70% dos alunos dos estudantes da rede estadual relataram sintomas de depressão e ansiedade.
Esse número significa que dois em cada três jovens passam por esse problema e não é algo que possamos ignorar. Será que um número tão grande de alunos ansiosos ou depressivos são invisíveis aos olhos de quem busca educá-los?
E aqui, vale ressaltar: não podemos responsabilizar apenas o professor, já que toda a estrutura pública precisa estar voltada a atender um problema tão recorrente.
Porém, sabemos que é raro que as escolas (ainda mais as públicas) contem com um apoio psicológico consistente que possa atender tanto os discentes quanto seus familiares, o que faz com que toda a equipe docente e administrativa se sinta impotente, mesmo quando esses casos são identificados.
Violência psicológica e física
As origens dos alunos que frequentam escolas públicas são diversas, desde as famílias mais remediadas até aquelas que passam por situações de extrema pobreza.
Apesar de as violências, tanto físicas quanto psicológicas, acontecerem em todos os tipos de lares no Brasil, a falta de recursos e de perspectivas de melhorias em seu entorno familiar podem propiciar mais situações que levam a problemas psicológicos. Vale ressaltar alguns dados da mesma pesquisa relatada anteriormente:
5,7% dos estudantes relataram presenciar violência psicológica com muita frequência e outros 3,8% afirmaram presenciar violência física em casa com muita frequência.
Ou seja, esses números já são elevados, ainda mais se levarmos em consideração que muitos podem omitir tais problemas ao responderem à pesquisa.
Outro dado: neste contexto, 67% dos estudantes se declararam nada ou pouco capazes de exercitar a competência “Tolerância à Frustração”.
Aqui, entram também em jogo o imediatismo e a velocidade com que vivemos atualmente, que, somados a situações de violência, acabam por levar os jovens a terem dificuldades de aceitar o fracasso como parte do processo de aprendizagem.
Impacto da pandemia e a sensação de isolamento
A pandemia trouxe para muitos de nós, pais, desafios ainda maiores no que diz respeito à manutenção da saúde mental, tanto nossa quanto de nossos filhos.
Tornou-se comum o termo “bebê da pandemia”, referindo-se às crianças que tiveram sua primeira socialização prejudicada por conta do isolamento causado pela crise global.
No caso de alunos de escolas públicas, as dificuldades se mostraram ainda maiores, já que muitas famílias não tinham recursos para garantirem acesso às aulas remotas emergenciais dos jovens. Muitos deles, na verdade, não tinham mais nem uma alimentação adequada, pois dependiam das refeições ofertadas pelas escolas para sobreviverem.
Mesmo alguns dos que conseguiam condições mínimas de conexão para estudar em casa passaram a ter de vivenciar continuamente violências domésticas, já que não tinham mais o refúgio da escola e de outros ambientes que os levavam para fora das influências tóxicas dessa moradia.
O mundo atual, a dificuldade de concentração e a autoavaliação negativa
A exigência de que sejamos eficientes, de que respondamos rapidamente a tudo que nos é exigido, a quantidade enorme de pessoas com que lidamos e a exposição de falsas alegrias nas redes são fatores que também acabam influenciando na saúde mental desses jovens alunos.
Parece que vivemos em constante pressão em meio a áudios acelerados, carros acelerados, textos acelerados, relações aceleradas. Não conseguimos mais apreciar o desenrolar do tempo, curtir coisas que só são possíveis quando não estamos correndo, tendo de resolver muitas coisas ao mesmo tempo.
Conseguir reter nossa concentração está cada vez mais difícil. Vale dar uma lida (atenta) no meu artigo O mundo digital e a nossa dificuldade de concentração, disponível aqui no blog. Essa sensação de que as coisas estão sempre por fazer e nada pode ser finalizado também traz angústia e ansiedade.
Muitos dos nossos alunos das escolas públicas estão ainda mais imersos nesse mundo. Como vivem em um momento da vida em que tudo já é naturalmente mais intenso, as redes sociais acabam tendo um impacto ainda maior.
Pessoas felizes, com muitos amigos, com corpos perfeitos, em constantes aventuras, acabam por trazer a sensação de que somos diferentes, incapazes, menores, gerando um isolamento e uma autoavaliação sempre negativa, já que parece que os outros estão sempre em melhor condição, numa realidade perfeita. Sabemos que não é bem assim…
Como lidar com essa realidade?
Bom, são muitos os pontos aos quais precisamos estar atentos, mas não podemos apenas contemplá-los, precisamos buscar soluções que mudem esse cenário, que acaba por trazer consequências bastante negativas para a relação ensino-aprendizagem nas escolas públicas. O que fazer, então?
Investimento em políticas públicas
Para que tenhamos uma educação pública que realmente ofereça assistência aos alunos que passam por problemas de saúde mental, não há outra saída que não seja um maior investimento em políticas públicas que garantam esse atendimento dentro e fora das escolas.
Sabemos que não é fácil, que uma ação como essa depende de instâncias superiores, mas, por isso mesmo, precisamos agir dentro de nossas possibilidades, promovendo debates sobre o tema da saúde mental com alunos, familiares, gestores, comunidade escolar como um todo.
Exposto o problema e com mais pessoas cientes de sua importância, teremos mais força para traçar novas estratégias que mobilizem o poder público a tratar a saúde mental nas escolas de maneira mais séria e prioritária.
Formação de professores e gestores
Ainda dentro da questão das políticas públicas e como parte da luta, após a exposição e a conscientização do problema, é necessário que reivindiquemos mais cursos que promovam uma formação adequada a professores, para que saibamos lidar melhor com os casos que encontrarmos em nossas salas de aula.
Mas, claro, vale sempre lembrar que tais formações precisam ser voltadas a todos os membros da equipe escolar, não apenas aos professores, para que ações sejam desenvolvidas de maneira conjunta e eficaz.
Ações preventivas
Como em todo caso em que buscamos cuidar de determinadas doenças, ainda mais em níveis quase epidêmicos como no caso da saúde mental, precisamos estar atentos não só às soluções após o aparecimento dos problemas, mas também à prevenção deles.
Desenvolver ações e atividades que possam mapear e detectar potenciais situações de riscos para a saúde mental de alunos da escola pública é possível e essencial nesse caso.
As escolas podem e devem acompanhar caso a caso, por meio de pesquisas constantes sobre o que ocorre no seio familiar dos alunos, a fim de que soluções sejam oferecidas, dentro de cada possibilidade, antes que os problemas se tornem ainda maiores.
Atividades lúdicas que integrem a comunidade escolar são exemplos de possíveis ações que auxiliarão no diagnóstico e acompanhamento sobre como anda a saúde mental desses jovens.
Sempre, em qualquer ocasião, a participação de todos os atores do processo educacional no planejamento e nas atividades escolares será proveitosa na caminhada pedagógica dos alunos.
Conclusão
Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), a saúde é “um estado de completo bem-estar físico, mental e social, e não consiste apenas na ausência de doença ou de enfermidade”.
Será que essa saúde de que fala a OMS é possível em um contexto como o nosso, de um país com tantas mazelas, que ainda não enxerga a importância de se olhar para a saúde mental dos alunos das escolas públicas?
Apesar do grande desafio (qual não é em se tratando da educação pública?), vemos que há saídas, caminhos a seguir para buscar um melhor cenário futuro. Porém, todos passam por uma maior empatia, uma sensibilização sobre o sofrimento do outro, a condição do outro.
Essa é uma condição que deveria ser básica para quem trabalha com a educação pública, mas, infelizmente, sabemos que não é.
Agir e lutar para que os entes responsáveis ajam é essencial. O verbo “correr” precisa ser mais explorado no sentido de se exercitar fisicamente, a fim de promover nossas saúdes física e mental.
Mas, ao mesmo tempo, é preciso desacelerar e, em alguns momentos, parar. Parar para olhar ao nosso redor e passar a enxergar melhor o que não é visível quando se está correndo demais.
Referências
BRASIL. Lei n.º 9.394: estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. 20 dez. 96, art. 4º, VIII. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9394.htm?. Acesso em: 18 mar. 2024.
GOVERNO do Estado de São Paulo. Em mapeamento, 70% dos estudantes avaliados relatam sintomas de depressão e ansiedade. 01 abr. 2022. Disponível em: https://www.educacao.sp.gov.br/em-mapeamento-70-dos-estudantes-avaliados-relatam-sintomas-de-depressao-e-ansiedade/. Acesso em: 15 mar. 2024.
ORGANIZAÇÃO Mundial da Saúde. Constituição da Organização Mundial da Saúde (OMS/WHO) – 1946. 2017. Disponível em: https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/5733496/mod_resource/content/0/Constitui%C3%A7%C3%A3o%20da%20Organiza%C3%A7%C3%A3o%20Mundial%20da%20Sa%C3%BAde%20%28WHO%29%20-%201946%20-%20OMS.pdf. Acesso em: 18 mar. 2024.
RIBEIRO, Tiago. O mundo digital e nossa dificuldade de concentração, Blog do E-docente, 2021. Disponível em: https://www.edocente.com.br/dificuldade-concentracao-mundo-digital/. Acesso em: 18 mar. 2024.