Os desafios da formação do professor de Ensino Médio
Dentre todos os desafios que envolvem a Educação Básica brasileira, a etapa do Ensino Médio é, sem dúvidas, um dos maiores gargalos.
Poderíamos dizer que há também, entre os obstáculos para garantir educação de qualidade, a desatualização em diversos cursos de licenciaturas, a insuficiência dos espaços físicos das escolas, a sobrecarga docente ou a inadequação de muitas propostas curriculares, e tudo estaria correto.
Entretanto, se formos destacar uma etapa em que boa parte desses apontamentos convergem e se potencializam devido aos novos interesses do aluno “quase adulto”, certamente, o Ensino Médio acaba se tornando um importante foco de atenção.
Enquanto o aluno ainda é uma criança, com suas ações limitadas pelas vontades dos familiares e com interesses ainda voltados para aspectos lúdicos do mundo que o cerca, a escola passa a ocupar um lugar afetuoso, ponto de encontro com os amigos, espaço de descobertas, de construção de identidade e de entendimento das dinâmicas sociais.
Conforme o tempo passa, no entanto, os interesses vão se modificando e, a depender do contexto socioeconômico do discente, se tornando mais urgentes.
O mercado de trabalho passa a ser não só uma possibilidade futura, mas uma demanda imediata que garantirá ajuda na subsistência familiar, logo, no desleal embate entre permanecer na escola e concluir os últimos anos de estudo ou arranjar um emprego, por mais precário que este seja, a escolha fica óbvia.
Em recente estudo realizado pela FIRJAN-SESI[1], concluiu-se que apenas seis em cada dez alunos concluem o Ensino Médio no Brasil, o que coloca a taxa de evasão escolar do nosso país acima de Costa Rica, Colômbia ou Chile.
Ainda conforme a pesquisa, 500 mil estudantes com mais de 16 anos deixam a escola todo ano, com agravamento, como era de se esperar, entre alunos mais pobres.
Razões do problema
Há muitas causas, além dos fatores econômicos, que contribuem para que o estudante do Ensino Médio abandone a escola; tentar encontrar um único motivo ou apontar qual o mais significativo seria, além de tarefa impossível, um objetivo leviano.
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Vamos, então, neste breve texto, escolher um deles para direcionar nossa atenção, um fator que interfere diretamente na qualidade das aulas, na motivação dos estudantes, na autoestima docente, na organização curricular e nas justificativas pedagógicas em torno das práticas escolares: a formação do professor.
Professor de Ensino Médio: Uma vocação desafiadora!
Como dito anteriormente, é claro que a formação inicial de qualidade, por si só, não consegue sanar todos os obstáculos educacionais nem traz respostas para todas as inquietações discentes, mas é um tópico sobre o qual vale a pena refletir mais detidamente.
Os desafios na formação do professor de Ensino Médio passam pelas especificidades em torno do público-alvo que, nem sempre, são consideradas nas formações iniciais.
Costuma-se partir de uma ideia abstrata de aluno da Educação Básica, como se a aula em escola particular ou pública, localizada em área central ou periférica, para crianças, jovens ou adultos, fosse sempre ser a mesma, desde que o ano de escolaridade seja igual.
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Além de uma certa homogeneização dos saberes, é possível reconhecer, em muitos contextos, um descolamento da realidade social dos alunos através de uma desconsideração dos seus interesses profissionais, como se falar em “mercado de trabalho” na escola fosse algo menor, de pouca importância ou, ainda pior, algo contra a formação intelectual discente.
Posicionamento, aliás, totalmente contrário ao que boa parte dos próprios alunos pensa, conforme indica recente pesquisa de opinião realizada pelo Datafolha com estudantes do Ensino Médio.
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Nessa pesquisa, de abril de 2022, constatou-se que “98% dos estudantes concordam (totalmente ou em parte) que deveria haver opções de formações voltadas para o mercado de trabalho.”[2]
A realidade do professor e aluno
Isso não significa menosprezar os saberes historicamente consolidados nem afirmar que uma disciplina só será importante se estiver sempre vinculada ao presente histórico e imediato; significa, vale reforçar, que um dos desafios da escola é partir da realidade do aluno e possibilitar que ele amplie seu repertório, sem com isso desconsiderar seus saberes e vontades.
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Entendendo que “partir da realidade do aluno” não é o mesmo que se limitar a essa realidade, mas, como diria Paulo Freire, buscar uma prática dialógica que leve em conta a concretude material de seu ponto de partida:
“o pensar do educador somente ganha autenticidade na autenticidade do pensar dos educandos, mediatizados ambos pela realidade, portanto, na intercomunicação” (FREIRE, 2013, p. 80).
Quando o diálogo não é priorizado, seja com o aluno, seja com o docente, ocorrem casos semelhantes ao da desastrosa reforma curricular do Ensino Médio, que, de modo impositivo, modificou a organização de conteúdos disciplinares de várias redes de ensino, gerando distorções na aprendizagem de uma grande quantidade de jovens[3].
Outro ponto que merece atenção na formação do professor desse segmento é a valorização da formação continuada.
Como valorizar a formação do professor de Ensino Médio
Nem sempre é possível ao docente dedicar tempo a uma pós-graduação ou curso de formação complementar, entretanto é possível que a rede de ensino garanta a permanência de espaços formativos na rotina escolar, entendendo tais momentos não só como a oferta de uma palestra ou diálogo com algum formador externo, mas a garantia de tempos exclusivos para planejamento e trocas entre os pares de uma instituição.
Enquanto professores, nós nos formamos ao longo da vida, não só através de ambientes formais de ensino, como universidades, de leituras feitas recorrentemente, das próprias aulas, pelas quais adquirimos experiência e domínio sobre determinados saberes, mas também na troca constante com outros colegas professores.
Infelizmente, tais trocas costumam ocorrer em conversas rápidas durante o recreio ou em breves momentos durante as reuniões bimestrais.
Logo, se estamos pensando em como superar as lacunas formativas do professor, em especial do Ensino Médio, é importante garantir que haja um momento específico e fixo em sua grade horária para que as experiências de sala de aula, boas e ruins, sejam compartilhadas, que as leituras sejam divididas e que projetos sejam desenvolvidos.
Tão importante quanto a formação continuada mais sistematizada oferecida pelas redes de ensino são as formações colaborativas tecidas cotidianamente no ambiente escolar.
Conclusão
Enfim, são vários os desafios em torno da última etapa da educação básica, mas, pontualmente, é significativo reconhecer que quaisquer que sejam as propostas de solução, o aperfeiçoamento da formação, tanto inicial quando continuada, do professor precisa ser uma das prioridades.
Formações que não abram mão do rigor acadêmico, mas que também não desmereçam as demandas do contexto em que os alunos estão.
Referências
FREIRE, P. Pedagogia do Oprimido [1974]. São Paulo: Paz e Terra, 2013. Versão digital.
Jovens que não concluem o ensino médio ganham salário mais baixos e vivem menos, diz estudo in G1. Fonte: Fonte: https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2023/04/18/jovens-que-nao-concluem-o-ensino-medio-ganham-salario-mais-baixos-e-vivem-menos-diz-estudo.ghtml Acesso em 03.10.2023
Pesquisa de opinião com estudantes do ensino médio. Instituto de Pesquisa Datafolha. Fonte: https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2022/08/br-pesquisa-de-opiniao-com-estudantes-do-ensino-medio-todos-ftv-in-isg.pdf Acesso em 03.10.2023
Reforma na grade deixa Ensino Médio desconectado da realidade. Fonte: https://istoe.com.br/ensino-medio-desconectado-da-realidade/. Acesso em 03.10.2023
[1] https://g1.globo.com/bom-dia-brasil/noticia/2023/04/18/jovens-que-nao-concluem-o-ensino-medio-ganham-salario-mais-baixos-e-vivem-menos-diz-estudo.ghtml Acesso em 03.10.2023
[2] https://todospelaeducacao.org.br/wordpress/wp-content/uploads/2022/08/br-pesquisa-de-opiniao-com-estudantes-do-ensino-medio-todos-ftv-in-isg.pdf Acesso em 03.10.2023
[3] https://istoe.com.br/ensino-medio-desconectado-da-realidade/. Acesso em 03.10.2023