PNLD literário 2023: o que são lendas e mitos
O que são lendas e mitos? São histórias transmitidas oralmente ao longo das gerações, carregadas de simbolismo e mistério, que buscam explicar fenômenos naturais, a origem do mundo e da humanidade, e os comportamentos humanos. Essas narrativas, presentes em todas as culturas, misturam fatos históricos com elementos fantásticos, moldando a identidade e os valores de um povo.
Neste texto, vamos explorar as diferenças entre lendas e mitos, seus elementos comuns e a importância que essas narrativas têm para a cultura e a identidade.
Quer saber mais sobre o fascinante mundo das lendas e mitos? Continue lendo!
O que são lendas e mitos?
Pelo seu grande potencial lúdico, as lendas e os mitos costumam ser gêneros textuais bastante presentes nas práticas de letramento escolar, principalmente no Ensino Fundamental, provocando maravilhamento, curiosidade e interesse por partes dos jovens. Mas, afinal, o que exatamente constitui um texto para ser considerado uma lenda ou um mito?
Muitas vezes tratados como sinônimos, os mitos e as lendas realmente trazem características semelhantes, que os aproximam e, às vezes, podem até gerar dúvidas na hora de classificar os textos. Ambos os gêneros provêm de uma forte tradição oral, desenvolvidos com o intuito de organizar a compreensão sobre o mundo e transmitir saberes para novas gerações. Mitos e lendas também podem se basear em elementos fantásticos, sobrenaturais, que desafiam a lógica da vida corriqueira e podem subverter expectativas diante de um evento inexplicável. Ainda assim, mesmo com tantas semelhanças, os mitos e as lendas guardam algumas particularidades.
Começando pelos mitos, podemos dizer que esses gêneros são estratégias ancestrais para buscar respostas que expliquem a complexidade do mundo. Em um contexto em que fenômenos da natureza ocorriam sem, aparentemente, nenhuma explicação lógica ou em que a humanidade atravessava eventos difíceis de antecipar, os mitos surgiram como justamente uma tentativa de organizar o entendimento sobre uma existência caótica e imprevisível. É a partir dos mitos que a humanidade tentou entender, por exemplo, a motivação das chuvas, as mudanças climáticas, a origem das doenças, o que acontece depois da morte ou antes do surgimento da vida.
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As lendas, por sua vez, não costumam ser desenvolvidas tendo como objetivo principal a busca por alguma explicação envolvendo o mundo natural. Elas são muito mais narrativas que partem de algum relato ou fato surpreendente e, à medida que são contadas e recontadas, vão sendo enriquecidas pela subjetividade de seus narradores. No folclore brasileiro, há uma pluralidade de lendas permeadas por personagens fantásticos que remetem à fauna, à flora e a práticas culturais regionais, o que reforça essa relação intrínseca entre as lendas e a cultura dos povos que as transmitem.
Vale salientar, como dito anteriormente, que nem sempre é fácil marcar uma distinção clara entre lendas e mitos, já que, nas mesmas histórias, podemos notar a mistura das características básicas dos dois gêneros. Ainda assim, independentemente do modo como são categorizadas, essas narrativas oferecem muitas possibilidades para que possamos entender melhor a história e a cultura de diversos povos, reconhecendo tanto suas primeiras compreensões sobre a vida, quanto o modo atual como representam e transmitem seus saberes.
Por todos esses modos de conhecimento é que lendas e mitos são excelentes gêneros para se trabalhar em sala de aula. Concentrando nossa atenção no Ensino Fundamental, podemos começar pensando na importância das atividades que envolvem a oralidade.
Etapa fundamental tanto do processo inicial de alfabetização quanto do posterior processo de desenvolvimento do letramento, a oralidade pode ir muito além do que uma simples leitura em voz alta. Pode ser um momento para comentar as expectativas sobre uma lenda ou um mito que o(a) professor(a) irá ler, levantar hipóteses sobre o desenvolvimento da narrativa, antecipar o desfecho, propor novos finais, compartilhar opiniões sobre o enredo ou relacionar os eventos da narrativa com fatos da vida cotidiana.
Conclusão
Todas essas práticas, realizadas oralmente, são uma oportunidade para que o aluno possa organizar mentalmente seu discurso antes de proferi-lo, aprender a respeitar o turno de fala do colega, prestando atenção na fala do outro para que, a partir dela, desenvolva seus argumentos. Em um momento seguinte, dependendo da etapa da escolaridade, o(a) docente pode orientar que todas essas ações sejam sistematizadas por escrito, possivelmente através da produção de uma resenha sobre a lenda ou o mito explorados em sala de aula, o que contribuiria ainda mais para o processo de letramento.
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Os mitos e lendas são gêneros que também proporcionam trabalhos interdisciplinares com muito proveito. O diálogo com o componente curricular de Arte permite que os alunos explorem múltiplas representações visuais dos enredos vistos em aula através de diferentes técnicas, podendo ser uma oportunidade para estudar como, historicamente, foi a representação de lendas e mitos por povos de diferentes culturas. No diálogo com os componentes curriculares de História e Geografia, há a chance de realizar pesquisas sobre a origem de famosos mitos e lendas, investigando, por exemplo, como essas histórias oriundas de outras civilizações chegaram ao Brasil, ou ainda, quais as narrativas mais comuns em cada região geográfica do nosso país e quais as características de uma mesma história variam de região para região.
Além de todas essas atividades, há a possibilidade de integrar os familiares, através de entrevistas realizadas pelos alunos em que devem pesquisar com seus parentes, pais, mães e avós, quais lendas ou mitos eles conheceram quando crianças, se gostavam dessas histórias, se sentiam medo, se tinham alguma preferida. Nesse movimento, há uma oportunidade de reconhecimento do repertório cultural da família, o que pode incentivar o respeito e a valorização dos saberes dos parentes de outras gerações.
São muitas as formas do trabalho pedagógico a partir dos gêneros mitos e lendas. Sendo eles alguns dos mais antigos gêneros literários produzidos pela humanidade, tais histórias trazem elaborações muito particulares e inventivas sobre o modo como antigos povos se relacionavam com sua realidade, o que nos permite, também, desenvolver um olhar mais atento para o modo como interpretamos, atualmente, o mundo em que vivemos.
DICA DE ESPECIALISTA
Por Nadiana Lima
Capulana – um pano estampado de histórias
“Desde que me entendo por gente”. Você já ouviu essa expressão? Normalmente, ela aponta para um movimento temporal, de retorno ao que já foi, mas guarda algo precioso em seu cerne: é o marco pelo qual nos entendemos como sujeitos no mundo. E isso pressupõe a relação com nossas histórias, com as personagens de nossa vida. No entanto, mais do que já foi, esse é um movimento de vai-e-vem, em que conhecemos um pouco mais de nós mesmos nesta ciranda dos tempos.
É de mãos dadas com essa ideia que se constrói fabulosamente a história deste livro que enaltece o valor ancestral das Capulanas, um pano cujas estampas e usos sociais fundamentam a cultura moçambicana. E isso é realizado também como um elogio à união das diferenças, no diálogo do aqui e do acolá, de São Paulo e Maputo, de Brasil e Moçambique, de mim e você, simbolizados na amizade entre Dandara e Tulany.
Dandara recebe uma capulana como presente (“o primeiro presente do presente não é a alegria?”) de Tulany e, a partir disso, relata a maneira como as histórias são contadas por seu amigo, em um eco de sua cultura: todas as histórias são introduzidas por cantos que antecipam um pouco do que será dito.
Esse já seria um aspecto importante a ser observado na leitura: como o uso da tipografia vai interferindo na produção de sentidos. Há momentos em que o tipo de fonte, as cores, o formato etc. revelam um movimento ondular, aludindo ao balançar das capulanas. Em outro, a tipografia remete aos tambores e sons de batuques. E mais: ela pode colaborar com a identificação dos momentos de leitura: quando se trata do relato de Dandara? Quando são as histórias de Tulany?
Vale ressaltar que as ilustrações da artista argentina Vanina Starkoff desempenham um papel fundamental nesta delicada obra de Heloísa Pires Lima e de Mário Lemos (brasileira e moçambicano, assim como seus personagens): a cada história contada verbalmente, há uma contrapartida estampada na ilustração que, de maneira metalinguística, demonstra como isso ocorre com as capulanas reais. Por isso, um trabalho pedagógico que promova uma leitura orientada para atenção aos aspectos multimodais (tão fortes em livros da Educação Infantil) que compõe toda a narrativa é bastante salutar. “Como a história verbal está estampada na capulana?”.
Por fim, associar o livro com outros recursos, como trechos do documentário “Na dobra da Capulana” (2014) podem favorecer o contato com outros relatos, com a variante linguística, com a observação de capulanas reais etc.
Excelente oportunidade para aguçar o interesse de quiçá futuros leitores de Paulina Chiziane, Mia Couto e tantos outros autores moçambicanos.
Saiba mais da obra!
Minicurrículos
Diego Domingues
Graduado em Letras Português – Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela mesma instituição e Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP); e Doutor em Linguística Aplicada pela UFRJ. Atualmente, é professor de Língua Portuguesa e Literatura em turmas do Ensino Médio do Colégio Pedro II e integrante do grupo Práticas de Letramentos no Ensino de Línguas e Literaturas (PLELL).
Nadiana Lima
Doutora e mestra em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), onde também cursou a graduação em Letras (Licenciatura em Língua Portuguesa). Atualmente, é editora sênior no Núcleo de Produção e Formação das editoras Ática, Saraiva e Scipione (vinculado à Saber Educação/Cogna Educação), elaborando recursos didáticos de natureza diversa para auxiliar professores da rede pública.