PNLD Literário 2023: o que é uma crônica?
Tradicionalmente, o gênero literário crônica é definido como “um texto curto que comenta sobre assuntos do cotidiano”, tendo como principal suporte, durante boa parte de sua trajetória em solo brasileiro, os veículos impressos de massa, como jornais e revistas. Nesses meios, grandes nomes da literatura nacional se destacaram justamente pelas belas crônicas que passearam por todo tipo de tema, indo de relatos contundentes sobre as mazelas nacionais até comentários bem-humorados sobre o futebol, um dia na praia, um passeio pelo bairro ou algum evento curioso na própria família. Confira a seguir o que é uma crônica e dica de um livro do especialista Kamil Giglio:
O que é uma crônica e a sua importância na literatura brasileira?
Se, por um lado, a crônica é um gênero incontornável quando falamos da história da literatura brasileira, por outro, não podemos perder de vista que esse tipo de produção não ficou restrita a um período distante do nosso tempo atual, muito pelo contrário. A crônica, provavelmente, é um dos gêneros literários mais dinâmicos e populares que temos; em boa parte, pelo modo como muitos autores(as) souberam ressignificá-la nas plataformas digitais e nas redes sociais.
No compartilhamento, a todo instante, de conteúdos gerados por aqueles que desejam, justamente, comentar sobre o próprio cotidiano, a crônica foi tomando diferentes formas, incorporando novas linguagens e se fazendo presente em múltiplos suportes, o que, longe de descaracterizá-la, amplia seu campo de alcance e torna a relação com seus leitores ainda mais próxima.
Se a crônica já ocupou espaço nas rádios, hoje ela também ocupa os podcasts; se os jornais já foram seu principal meio de divulgação, hoje temos blogs, sites e perfis de jovens escritores(as) em redes sociais que buscam compartilhar seus textos com os seguidores interessados em modos de narrar o cotidiano de maneira inventiva. Tudo isso, sem desconsiderar a publicação de livros, que seguem com seu espaço consolidado, geralmente reunindo uma seleção das melhores crônicas de determinado(a) autor(a) ou apresentando textos inéditos para o público de leitores.
Sendo, então, um gênero tão popular e multifacetado, as crônicas representam uma grande oportunidade de trabalhar práticas de letramento em boa parte da educação básica, podendo aparecer desde os primeiros momentos de alfabetização até o restante do percurso de consolidação de produção escrita e das habilidades de leitura. Nesse texto, direcionaremos nosso olhar, especificamente, para práticas mais voltadas ao Ensino Fundamental.
Já que a crônica não se limita a temáticas específicas, transitando de assuntos mais sérios de nossa sociedade até situações mais bem-humoradas; é possível, inicialmente, pensar em práticas de letramento que envolvam a leitura coletiva de crônicas sobre assuntos comuns ao universo infantil e adolescente. Tanto autores do cânone nacional quanto os mais contemporâneos têm produções que podem dialogar com os mais jovens, compartilhando a curiosidade do olhar da criança diante de alguma situação comum ou até o espanto perante um fato inédito em sua vida.
Uma vez que os alunos reconhecem que seus cotidianos também podem ser matéria-prima para a produção literária; pode-se propor que a turma produza crônicas sobre assuntos de seu interesse. Dependendo da etapa de escolaridade, essa produção pode ser individual, com cada um desenvolvendo sua própria narrativa, ou coletiva, com o(a) docente registrando por escrito a narração produzida pelos alunos.
Em um segundo momento, após leitura, interpretação e produção de crônicas, os textos dos alunos podem ser compartilhados com o restante do colégio, o que incentiva a integração do corpo escolar em torno das práticas produzidas em cada sala de aula. Esse compartilhamento pode ser feito no mural de algum espaço de grande circulação da escola ou até mesmo virtualmente, com a digitalização dos textos e posterior divulgação.
Uma outra oportunidade para trabalhar crônicas, além de narrativas sobre o cotidiano específico dos alunos, pode ser tomar como ponto de partida alguma demanda da cidade ou do bairro no qual a escola está situada. A crônica argumentativa é uma vertente bastante produtiva desse gênero, situada em uma fronteira muito mais estreita entre os textos jornalísticos e os textos literários.
Nesse gênero, os alunos podem escolher alguma reivindicação que acham que merece atenção e argumentar por que ela deve ser atendida com mais celeridade. Esse tipo de produção, além de aprimorar habilidades de escrita mais específicas em torno da defesa de um ponto de vista, também contribui para desenvolver a cidadania dos jovens e seu interesse pela realidade local em que estão inseridos.
Como vimos, portanto, ao transformar os eventos mais corriqueiros em narrativas que prendem a atenção, provocam humor, emocionam e podem até provocar reflexões sobre dilemas sociais, as crônicas continuam reafirmando sua importância como um gênero que atravessou o tempo, cativando leitores de todas as idades, sendo atualizada a cada nova geração de escritores, sem, com isso, perder a dinamicidade do seu potente e inestimável diálogo com o presente.
Quais são os autores de livros de crônica?
Dentre todos esses autores, podemos destacar aqueles que ficaram notadamente famosos por suas crônicas, como Fernando Sabino, Luís Fernando Veríssimo, Rubem Braga ou João do Rio, e aqueles que se destacaram em outros gêneros, mas também produziram crônicas de grande destaque, como é o caso de Carlos Drummond de Andrade, Clarice Lispector ou Nelson Rodrigues.
Dica de Especialista
Kamil Giglio: “Em “O frio pode ser quente”, a autora Jandira Mansur nos convida a buscar diferentes maneiras de olhar para as coisas, utilizando antônimos para nos ajudar a entender e explicar muitas situações. Se a existência de palavras que expressam sentidos opostos nos ajuda a classificar as coisas, essa obra propõe justamente refletir e questionar a maneira como percebemos tudo ao nosso redor. Nela, as verdades que conhecemos viram dúvidas, e descobrimos que há muitas maneiras de olhar para uma mesma coisa. Como o livro estimula a reflexão sobre as diferentes possiblidades de análise, pontos de vista, após a leitura é possível realizar um experimento interessante com os estudantes. Faça desenhos no papel branco com uma caneta hidrográfica (uma seta, um barco etc.). Em seguida, em um pote de vidro cilíndrico ou esférico, limpo, cheio de água e com tampa (pote de balas ou de conserva) apresente os desenhos, passando-os por trás do vidro. A ilusão de ótica mostrará as figuras no sentido contrário. Use o experimento para retomar situações do livro e trabalhar importantes aspectos socioemocionais e de convivência de forma lúdica.”
Confira a obra aqui
Minibio do especialista
Kamil Giglio é doutor e mestre em Engenharia e Gestão do Conhecimento (UFSC/Brasil – Hochschule RheinMain/Alemanha). Professor de Ensino Superior (instituições nacionais e internacionais) com ampla experiência na formação de professores da rede básica de educação pública brasileira. Possui experiência em Pesquisa, Desenvolvimento e Inovação com projetos nacionais e internacionais (União europeia, África e América do Sul) e trabalha, atualmente, no Núcleo de Produção de Conteúdo e Formação das editoras Ática, Saraiva e Scipione para a rede pública.
Minibio do autor
Diego Domingues é graduado em Letras Português – Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela mesma instituição e Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP); e Doutor em Linguística Aplicada pela UFRJ. Atualmente, é professor de Língua Portuguesa e Literatura em turmas do Ensino Médio do Colégio Pedro II e integrante do grupo Práticas de Letramentos no Ensino de Línguas e Literaturas (PLELL).