Improvisação para educadores

O e-docente vai trazer no Blog uma temática diferente e que faz toda a diferença em sala de aula para a educação. Como trabalhar a improvisação para educadores?

Improvisação e Educação: como diminuir a distância entre a arte e sala de aula?

Para além da matéria intitulada Artes, é possível trazer diferentes intervenções e práticas artísticas à sala de aula como base e referência para as atividades independente da área de estudos abordada?

Esta pergunta norteia este tópico a fim de trazer reflexões acerca da prática dos educadores em sala de aula.

Para tanto, iniciamos afirmando que não é necessário fazer uma atividade artística específica – como uma peça teatral – para introduzir técnicas da linguagem ao cotidiano.

A Improvisação, enquanto uma das possíveis linguagens e práticas teatrais, se manifesta a partir de uma base técnica vocal, corporal, narrativa, que busca e estimula a expansão criativa e perceptiva daqueles que a praticam.

A Improvisação se refere à linguagem teatral que está ligada à agirmos de maneira rápida, prática e assertiva a diferentes ocasiões e acontecimentos, optando por observar o ambiente ao redor com tranquilidade e leveza e agir de maneira coerente à circunstância apresentada, tendo uma base técnica bastante apurada, mas sem um roteiro pré-determinado.

No teatro, a Improvisação se manifesta pela criação de personagens e narrativas a partir de temas e sugestões que podem ou não ser dadas pelo público, assim como novos acontecimentos que fazem com que a história possa mudar de rumo e/ou as motivações e ações dos personagens em questão.

Para improvisar, seja na vida cotidiana ou no palco, é essencial que o ator/atriz esteja presente na situação, ciente e atento às manifestações que estiverem acontecendo, agindo diante do ocorrido e sempre se mantendo fiel às próprias crenças e valores – ou às crianças e valores do personagem interpretado, que podem ser diferentes das do artista.

Para tanto, se faz necessário o trabalho técnico de aprimoramento dessa presença.

Sua correlação com a Educação

Mas daí surge a questão: sendo uma técnica/prática artística, ela tem correlação com a educação de fato? É possível que essa linguagem teatral seja uma ferramenta na sala de aula?

Essas técnicas de presença e ação diante o inesperado podem se associar e trabalhar em comunhão aos planos de aula, assim como às múltiplas atividades dentro e fora das salas, às diferentes criações já em consenso para que os estudantes compreendam as matérias e, acima de tudo, como ferramenta para resguardar a saúde do educador e possibilitar uma melhor qualidade de vida nas ações educativas.

Isso se dá pelo maior preparo em lidar com situações adversas, assim como em ter suas habilidades comunicativas aprimoradas, o que pode ser um apoio e um facilitador tanto para o docente quanto para os estudantes.

Improvisação enquanto ponte para qualidade de vida

Pensar a Improvisação não está necessariamente atrelado ao palco ou à criação de personagens e histórias.

No caso dos educadores, podemos pensar a Improvisação enquanto caminho para uma melhor qualidade de vida dentro e fora de sala de aula a partir de exercícios corporais, vocais e respiratórios baseados em práticas teatrais de maneira geral.

Essas práticas visam o aprimoramento das habilidades comunicativas, a fim de trazer maior conforto e segurança ao falar em público, assim como manter a saúde não apenas das cordas vocais mas também de todo o corpo, visto que um dos trabalhos realizados é o relaxamento e consciência corporal, auxiliando para diminuir a tensão do dia a dia.

Buscamos estimular através de exercícios e jogos o raciocínio lógico, a memória, a esquematização de linhas narrativas, a aceitação às diferentes propostas, a resposta aos acontecimentos inusitados e também ao erro – nossos e das demais pessoas ao nosso redor -, a fim de agirmos através de uma ótica resolutiva e não apenas dicotômica entre o certo e o errado, considerando o “erro” como uma possibilidade de tentar um novo caminho, como um aprendizado e não como uma falha.

Na Improvisação também buscamos trabalhar de forma assertiva com as referências pessoais de cada indivíduo, ressaltando as características singulares formadas pelas vivências socioculturais.

Aperfeiçoa-se essas singularidades por esses exercícios técnicos e nos dão uma maior segurança e assertividade, assim como mais tranquilidade e uma comunicação mais fluida, possibilitando em consequência o aprimoramento das nossas competências socioemocionais.

Práticas em sala de aula: fantasiar-se ou munir-se de ferramentas?

Para muitas pessoas a prática de qualquer linguagem teatral está diretamente ligada à criação de personagens, inserção de cenários, figurinos, o “fantasiar-se” de algo que nos conecta para além da realidade ou até mesmo propor encenações com os estudantes para que compreendam melhor a matéria.

Todas essas possibilidades citadas podem sim ter referência à prática teatral, contudo, a proposta é de abraçarmos a realidade, o palpável, as situações cotidianas e lidarmos com elas de maneira mais tranquila e eficiente, com ações resolutivas e um gasto equilibrado de energia.

Para tanto, é preciso compreender que a prática de qualquer linguagem artística exige a compreensão e aprendizagem das suas técnicas e, para a Improvisação Teatral, isso não é diferente.

Essa compreensão está tanto em realizar e participar de exercícios que estimulam nossa criatividade e agilidade de pensamento e ação, quanto em praticá-los no nosso dia a dia e, inclusive, apresentá-los aos estudantes.

Não há necessidade de dissociar as matérias que estão sendo trabalhadas, seja nas áreas de humanas, biológicas, exatas ou artes, mas sim de trazer a prática como um complemento às atividades de sala de aula.

Essas ferramentas visam que o educador e a educadora se sintam mais prontos para agir diante das situações e conflitos do dia a dia, assim como o aprimoramento da criatividade facilita na criação e execução de aulas mais dinâmicas e interativas.

Também há o viés dos estudantes, que podem, a partir dessas práticas, trazerem respostas mais assertivas e autênticas, compreendendo e estimulando as singulares ao mesmo tempo que o coletivo é exercitado, visto que as dinâmicas são realizadas também convidando o grupo a trabalhar em equipe, afinal, o Teatro é a “arte do coletivo”.

Exemplos e atividades: como aplicar a Improvisação em sala de aula

As práticas e técnicas utilizadas em sala de aula precisam estar ligadas às competências propostas pela BNCC e, neste sentido, a Improvisação Teatral pode ser uma grande aliada, visto que tem potencial de compreender todas as Competências Gerais da Educação Básica.

Na Improvisação buscamos:

  1. valorizar as referências e conhecimentos a partir das vivências socioculturais individuais e coletivas;
  2. impulsionar a criatividade, a análise crítica do ambiente e das situações e estimular uma ação resolutiva; valorizar e incentivar as vivências artísticas;
  3. executar a sua prática em comunhão as demais áreas do conhecimento;
  4. ressaltar e incentivar a empatia;
  5. praticar a resolução de conflitos, o autocuidado, a autonomia e estimular uma consciência crítica em relação ao seu ambiente e contexto.

Portanto, a prática da Improvisação enquanto ferramenta artística em contexto educativo pode ser um grande aliado no fomento à essas competências e à vivência de maneira geral em sala de aula.

Chegamos agora a um ponto bastante importante: quais possíveis atividades podem ser aplicadas em sala?

Para chegar aos exercícios criativos, é interessante primeiro nos conhecermos com maior profundidade e exercitarmos nossas potências corporais.

Práticas para trabalhar a Improvisação de Educadores

Prática 1: Corpo e Voz – eu e o ambiente

  • Alongamentos espontâneos, percebendo quais as necessidades de cada corpo presente na sala;
  • Caminhada pelo espaço, buscando acordar o corpo e reconhecer o ambiente e as pessoas que o compõe;
  • Exercícios de aquecimento vocal: vibrações e trava-línguas variados;
  • Se manter imóvel, em silêncio, reconhecendo seu corpo e focando apenas na sua respiração (um desafio para muitas pessoas, tanto estudantes quanto educadores);
  • Observar em silêncio o ambiente, olhar nos olhos de cada pessoa da roda;
  • Caminhadas variadas, de frente, de costas, entre outros, buscando movimentações não cotidianas – em especial no ambiente escolar;
  • Se movimentar nos níveis alto, médio e baixo, experimentando novas formas de movimentação, explorando musculaturas pouco utilizadas.

Prática 2: O Outro – brincadeiras em conjunto

Neste tópico cabe colocar algumas brincadeiras e jogos base para as práticas mais avançadas e complexas. São exemplos de ações que darão início à essa construção técnica que será aplicada no dia a dia.

  • Jogo do Espelho: de frente para um colega, uma das pessoas deve fazer o exato movimento que a outra, como se ela fosse o seu reflexo;
  • Isso Me Lembra: em roda, cada pessoa deve dizer a primeira coisa que vier a sua mente a partir da palavra dita pela pessoa anterior. Sempre a primeira associação que fizer, independente do que levou a pessoa a dizer aquilo (importante que seja sempre uma palavra associada);
  • Contação em Conjunto: em roda, cada pessoa deve contar um pedaço de uma história inédita, criada naquele momento em coletivo, sendo que cada um tem apenas de 15 a 30 segundos para completar seu trecho;
  • Criação de cenas: em duplas ou em grupos de até quatro pessoas, os estudantes farão uma cena a partir de um objeto, profissão ou lugar dado pelo público ou orientador da atividade. Esse grupo deve criar a história enquanto a encena, sempre levando em consideração a temática escolhida.

Importante ressaltar que essas atividades/jogos/cenas comumente são vistas e realizadas no gênero da comédia, que é de fato muito forte dentro da Improvisação.

Utilização na prática

Contudo, não é a única possibilidade de realização, podendo percorrer e acessar todos os gêneros, visto que todos os exercícios são baseados no nosso cotidiano e, como a vida, circulam e atravessam do romance à tragédia.

Esses e outros jogos podem ser realizados para inserir o grupo às práticas e estimular o trabalho e criação coletivas. Toda temática pode e deve ser direcionada pelo educador para que contemple seu material de estudo, assim como alterada de acordo com a necessidade.

A partir da base, é possível avançar para regras específicas em cada um desses mesmos jogos, tornando-os mais desafiadores.

Aos educadores, a prática da Improvisação pode ser feita junto aos estudantes, mas também é interessante que o mesmo tenha um espaço para si, onde se sinta acolhido e estimulado e possa, sem temer, permitir que a sua vulnerabilidade e suas ideias apareçam e se desenvolvam.

O Teatro acessa muitas vezes vertentes muito sensíveis de cada indivíduo, sendo importante procurar profissionais com quem se sinta seguro, podendo ser fora do ambiente de trabalho.

Benefícios da Improvisação para Educadores

De acordo com o que refletimos nos tópicos anteriores, podemos destacar os seguintes benefícios da prática da Improvisação para os educadores:

  • Aprimoramento das habilidades comunicativas: auxiliando o educador a se sentir mais seguro e confiante ao falar em público;
  • Raciocínio lógico apurado: permitindo que tenha respostas assertivas e práticas para as diferentes situações;
  • Corpomente presente: atribui ferramentas para que o educador se sinta mais atento e presente às situações do seu dia a dia;
  • Criação de narrativas: auxilia a construir uma sequência lógica de fatos para que o seu público tenha uma maior compreensão da história que deseja transmitir;
  • Saúde e bem-estar: atribui ferramentas para relaxamento das tensões musculares e possibilita uma maior fluidez dos pensamentos;
  • Diversão: a aplicação dos jogos pode ser um momento de descontração e entrosamento da turma de alunos, assim como pode ser um momento de relaxamento particular do educador;
  • Ressignificação do “erro”: maior leveza ao lidar com o “erro”, compreendendo que não é uma falha, mas uma possibilidade de procurar novos caminhos e reconhecer qual o mais eficiente;
  • Valorização das singularidades: compreender quais são as potências criativas de cada indivíduo e explorá-las;
  • Para os estudantes: quando aplicado de forma constante para os alunos, traz as mesmas reverberações no que diz respeito ao reconhecimento da potência das singularidades, da ressignificação do erro, na saúde e bem-estar e em uma maior segurança e tranquilidade ao expressar suas ideias e se colocar em público.

Referências Bibliográficas

ACHATKIN, Vera. C. O Teatro-Esporte de Keith Johnstone: o ator, a criação e o público. 2010. 239 f.Tese (Doutorado) – Departamento de Artes Cênicas/Escola de Comunicação e Artes/USP, São Paulo, 2010.

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