Flexibilização educador

Você saberia dizer, em poucas palavras, o que é e qual a importância da flexibilidade cognitiva no seu dia a dia, nas vidas profissional e pessoal? 

Na vida cotidiana, qualquer indivíduo se depara com uma infinidade de situações-problema. Para resolvê-las, é necessário pensar racionalmente sobre elas e propor soluções baseadas no conhecimento adquirido a partir da experiência.

Ao resolvê-las, é importante abordar os problemas de forma consciente, defini-los corretamente, oferecer diferentes soluções e refletir sobre a eficácia destas.

Portanto, a complexidade da vida cotidiana exige que os indivíduos sejam flexíveis na resolução dos problemas apresentados, sejam eles cognitivos, relacionais ou afetivos.

Nós, educadores, enfrentamos esse contexto diariamente, frequentemente em uma escala impressionante.

A carreira docente está entre aquelas com a maior probabilidade de envolver o encontro com pessoas de diferentes temperamentos e comportamentos, além de exigir interação direta. Por essa razão, torna-se fundamental desenvolver altos níveis de flexibilidade cognitiva.

Isso ampliará nossa capacidade de adaptação a variadas situações e nos permitirá criar soluções cada vez mais eficazes para os desafios encontrados. (Orakci)

Como a Neurociência define e explica o desenvolvimento da Flexibilidade Cognitiva?

  1. A definição

Flexibilidade cognitiva, num primeiro momento, esteve associado ao de criatividade. Guilford (1959) considerou o pensamento divergente como um tipo de pensamento flexível, definido como a capacidade de gerar um número maior e mais diversificado de ideias.

Com o tempo, as investigações sobre a flexibilidade cognitiva começaram a ganhar novos contornos, e seus estudos estão agora vinculados às funções executivas.

Funções executivas são definidas como o conjunto de habilidades que nos permitem executar ações necessárias para atingir um objetivo (Cosenza e Guerra). Tais funções estão diretamente associadas ao córtex pré-frontal do nosso cérebro, uma área do cérebro localizada logo atrás da testa.

É uma parte essencial do cérebro relacionada ao raciocínio e comportamento social que nos ajuda a planejar, tomar decisões, controlar impulsos e regular nossas emoções.

A flexibilidade cognitiva, entre as funções executivas, está frequentemente associada à capacidade do indivíduo de reestruturar o pensamento.

Um indivíduo com boa flexibilidade cognitiva é capaz de:

  • armazenar e organizar informações de formas distintas;
  • reestruturar o conhecimento e ser mais eficaz na resposta diante de novas situações.
  • Como a flexibilidade cognitiva é desenvolvida ao longo da vida?

Essa habilidade é complexa do ponto de vista neurológico e, assim como as demais funções executivas, desenvolve-se ao longo da infância e adolescência, atingindo o ápice na fase adulta, quando o cérebro alcança o seu amadurecimento máximo.

 O amadurecimento do cérebro refere-se ao processo em que as células do cérebro, chamadas neurônios, se desenvolvem completamente.

Isso acontece de duas formas principais: a primeira é a mielinização, que é como se os neurônios recebessem uma capa de proteção que os ajuda a transmitir informações mais rapidamente.

A segunda, é a poda neuronal, que corresponde a eliminação de conexões entre neurônios não muito utilizadas, favorecendo  as mais utilizadas, tornando o cérebro mais eficiente. Esses processos variam de acordo com cada fase da vida, contribuindo para o desenvolvimento cerebral.

Além disso, cada indivíduo tem sua própria história de conexões formadas pela experiência de vida. Suas experiências constroem, desfazem e reorganizam constantemente as conexões sinápticas entre os bilhões de neurônios que possuímos e isso nos faz únicos.

Portanto, não se pode esperar que crianças e adolescentes tenham a mesma flexibilidade diante de situações inesperadas ou problemas novos, e muito menos que tenham o mesmo nível de experiências ou soluções acumuladas que os adultos.

Em suma, o desenvolvimento da flexibilidade cognitiva está intimamente ligado à experiência que o indivíduo tem na solução de problemas, sejam eles cotidianos, pedagógicos, relacionais, entre outros.

Quanto mais o indivíduo é solicitado a refletir sobre um problema com o objetivo de encontrar uma solução e, caso não seja a melhor, a revisar suas possibilidades para propor novas soluções, mais esse indivíduo se torna flexível cognitivamente:

  • flexível no sentido de ter capacidade de adaptação e ajuste;
  • cognitivamente no sentido de aprender e adquirir conhecimento.

Em outras palavras, ser capaz de se adaptar a situações às quais estará sujeito, sejam elas novas ou não, requer uma boa flexibilidade cognitiva.

Um exercício prático interessante para potencializar a flexibilidade cognitiva é analisar um problema ou situação complexa quebrando a tarefa em etapas sequenciais claras e gerenciáveis, como fazemos ao planejar uma sequência didática complexa.

Veja uma sugestão de quebra de tarefa frequente, nesse caso:

  1. Definição de Objetivos de Aprendizagem.
  2. Desenvolvimento de Recursos.
  3. Divisão do Conteúdo.
  4. Planeamento das Atividades.
  5. Adaptação às Necessidades dos Alunos.
  6. Preparação para Perguntas e Dúvidas.
  7. Avaliação e Feedback.
  8. Reflexão e Ajuste.

Ao fazer essa quebra, é possível enxergar diferentes soluções e alternativas  ao  abordar a questão de maneira ordenada. Essa proposta pode ser aplicada em várias outras situações profissionais ou pessoais, como:

  • Preparação para processos de seleção para empregos
  • Desenvolvimento de um Novo Produto
  • Implementação de uma Nova Rotina de Exercícios
  • Criação de uma Peça de Arte ou Artesanato
  • Planejamento de uma Viagem

A importância da Flexibilidade Cognitiva na Educação para os dias de hoje

Você já parou para pensar em quantas situações nós educadores somos colocados diariamente onde ter flexibilidade é uma qualidade essencial, não apenas desejável?

Veja alguns exemplos simples onde isso ocorre!

  • Quantas aulas sobre o mesmo tema você já deu em uma semana? Elas são ministradas sempre da mesma maneira, não variando de turma para turma? As turmas trazem as mesmas dúvidas? E o ambiente interpessoal das salas, é o mesmo?
  • E quando testamos uma nova prática pedagógica, tudo sai como planejado? Se não funcionar bem, temos que remodelar a atividade para a aula seguinte, em alguns casos nos próximos 50 minutos, para que na outra sala a dinâmica seja melhor.
  • E nas negociações entre pares, nas regras entre professor e alunos, na troca de informações com pais, quantas vezes tivemos que negociar espaço de trabalho, atenção dos alunos, formas de avaliação? Neste contexto, é fato que a Flexibilidade Cognitiva, uma das funções executivas do nosso cérebro, é de extrema importância.
  • O aluno como protagonista: levando em consideração a evolução dos processos educativos baseados no desenvolvimento da neurociência, da psicologia do desenvolvimento humano e da psicologia da educação, a transição de alunos ouvintes passivos para participantes ativos no processo de aprendizagem, que constroem conhecimento interagindo com o ambiente, é cada vez mais valorizada e apoiada por subsídios pedagógicos. Sendo assim, cada vez mais, espera-se que os professores criem situações em que os alunos estejam ativamente envolvidos e não sejam meros receptores de informações. O desenvolvimento dessas situações exige dos profissionais da educação maior criatividade, o que, sem dúvida, está associado ao desenvolvimento de maior flexibilidade cognitiva tanto no professor quanto no aluno.
  • Curadoria e uso de conteúdos disponibilizados na Internet: nos últimos anos, as relações de aprendizagem têm ganhado novos contornos; a relação tradicionalmente polarizada entre professor e aluno, que poderia ser complementada pelo livro didático, agora é ampliada por uma vasta rede de conexões propiciadas pela internet. Com isso, a disponibilidade de conteúdo é vasta e os eventos são atualizados em tempo real, o que traz uma riqueza de informações significativa. Trabalhar com essa diversidade de opções pode ser muito enriquecedor para o professor, mas exige dele uma grande capacidade de flexibilizar o que deve e pode ser utilizado em cada momento e para cada faixa etária de alunos.

Esses são apenas alguns exemplos que demonstram como, na educação atual, somos constantemente desafiados a utilizar nossa flexibilidade cognitiva e, embora possamos sentir certo cansaço devido a essa demanda constante, é crucial compreender que, ao utilizar essa habilidade a nosso favor, a aprendizagem dos alunos e o nosso dia a dia serão significativamente melhores.

Bibliografia utilizada

Carvalho, Ana A. A.- A representação do conhecimento segundo  a Teoria da Flexibilidade Cognitiva .-Revista Portuguesa de Educação, 2000, 13(1), pp. 169-184 © 2000, CEEP – Universidade do Minho

Cosenza, R.M.;Guerra, L.B. -Neurociência e educação- Como o cérebro aprende.Artmed,2011

Guerra, M.C. A. G. – Flexibilidade Cognitiva: Estudos de conceptualização e operacionalização do construto – Tese apresentada à Universidade de Évora, 2013- obtido em : capa (uevora.pt)

Guildford, J.P. (1959). Three faces of intellect. American Psychologist, 14, 469-479.

Orakci, S.- Exploring the relationships between cognitive flexibility, learner autonomy, and reflective thinking –  Thinking Skills and Creativity -Vol.41, Sep,2021, 100838