Ensino da oralidade: de onde partimos e onde queremos chegar?
Você já deve ter promovido, enquanto professor(a), diversas situações de uso da fala na sala de aula, como aquelas em que pedimos que os estudantes contêm novidades após o fim de semana ou das férias, deem opiniões sobre assuntos variados, conversem com os colegas a respeito do tema de alguns textos, leiam textos escritos em voz alta etc.
Todos esses momentos de uso da linguagem oral são importantes estratégias de interação, mas não são suficientes para o desenvolvimento de habilidades de leitura e produção de gêneros orais.
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Saiba mais sobre o Ensino da Oralidade
Os Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998) já reconheciam a importância do trabalho com a oralidade na sala de aula.
De acordo com esse documento, “Dada a importância da linguagem na mediação do conhecimento, é atribuição de todas as áreas, e não só da de Língua Portuguesa, o trabalho com a escrita e a oralidade do aluno no que for essencial ao tratamento dos conteúdos.” (p. 41).
Os PCN ainda dedicam seções à prática de escuta e de produção de textos orais e destacam que ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral, mas de desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem escolar nas diversas áreas e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo.
Publicada 20 anos depois, a Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2018) se fundamenta em concepções que dialogam com as dos PCN, uma vez que defende que o ensino do componente Língua Portuguesa tem como ênfase “possibilitar a participação significativa e crítica nas diversas práticas sociais permeadas/constituídas pela oralidade, pela escrita e por outras linguagens” (p. 67-67).
O que diz a BNCC
No que diz respeito mais especificamente ao trabalho com a oralidade, a BNCC destaca:
O Eixo da Oralidade compreende as práticas de linguagem que ocorrem em situação oral com ou sem contato face a face, como aula dialogada, webconferência, mensagem gravada, spot de campanha, jingle, seminário, debate, programa de rádio, entrevista, declamação de poemas (com ou sem efeitos sonoros), peça teatral, apresentação de cantigas e canções, playlist comentada de músicas, vlog de game, contação de histórias, diferentes tipos de podcasts e vídeos, dentre outras.
Envolve também a oralização de textos em situações socialmente significativas e interações e discussões envolvendo temáticas e outras dimensões linguísticas do trabalho nos diferentes campos de atuação. (BRASIL, 2018, p. 78-79)
Como se vê, os documentos oficiais que orientam/normatizam o ensino no nosso país consideram a importância do trabalho com o texto oral.
No entanto, por mais que estejamos avançando nesse trabalho, ainda encontramos alguns entraves no que se refere ao tratamento sistemático dos gêneros orais como objeto de ensino nas escolas brasileiras.
De onde partimos para pensar o ensino da oralidade?
Pesquisas realizadas com professores sobre o trabalho com a oralidade na sala de aula têm apontado que a concepção predominante ainda reforça a supremacia da escrita em relação à fala, a partir da ideia de que a inserção social dos sujeitos na sociedade se dá sobretudo pelo domínio da escrita (MAGALHÃES; LACERDA, 2019).
Essa visão, reproduzida historicamente pela escola, alimentou e alimenta ainda muitas dicotomias, como aquelas que entendem a fala como implícita, não planejada, imprecisa, fragmentária; e a escrita como explícita, planejada, precisa e integrada, entre outras (MARCUSCHI; DIONÍSIO, 2007).
Além dessas dicotomias, o próprio espaço para o ensino do oral ainda tem sido uma conquista.
Se observarmos, por exemplo, o tempo pedagógico das aulas e as seções dos materiais didáticos destinados a esse eixo, perceberemos que ainda estamos em processo de construção de práticas mais sistematizadas, sobretudo no que se refere ao ensino dos gêneros orais formais públicos.
De todo modo, já rompemos a barreira das dúvidas em torno de o oral “ser ou não ser” um objeto de ensino, como nos garante Magalhães (2008, p. 139), ao afirmar que “Hoje, não há mais questionamentos sobre a importância de se trabalhar o componente oral na sala de aula.
Essa constatação se deu em decorrência das pesquisas em Linguagem, bem como das reflexões que se travaram, nas últimas décadas, no tocante ao trabalho escolar com a língua materna.”
Porém, é preciso nos debruçarmos agora sobre a natureza desse trabalho, uma vez que pesquisas apontam que a maior parte das atividades propostas se volta para a reflexão sobre a língua falada, ficando poucas delas reservadas a atividades com os gêneros orais (LUNA; GOMES, 2020).
Aonde queremos chegar com o trabalho com a oralidade em sala de aula?
Partindo do pressuposto de que nossos estudantes, ao chegarem à escola, já produzem os chamados gêneros primários, que são predominantemente orais e se relacionam com uma comunicação verbal mais espontânea (BAKHTIN, 2016), cabe à escola promover o ensino de gêneros orais formais, que são produzidos em situações comunicativas mais complexas.
Entendemos que os gêneros, conforme Bakhtin (2003), são formas relativamente estáveis de enunciados, entidades culturais que permitem estabilizar as práticas de linguagem, ou seja, são instrumentos que fundam as possibilidades de comunicação.
Nesse sentido, como destaca Marcuschi (2002), todas as nossas interações sociais se dão a partir de gêneros textuais, por isso a importância de que esses gêneros, tanto escritos quanto orais, estejam na sala de aula.
Sobre esse tema, Schneuwly e Dolz (1999, p. 10) destacam que toda introdução de um gênero na escola é o resultado de uma decisão didática que visa a objetivos precisos de aprendizagem que são sempre de dois tipos: trata-se de aprender a dominar o gênero, primeiramente, para melhor conhecê-lo ou apreciá-lo, para melhor saber compreendê-lo, para melhor produzi-lo na escola ou fora dela e, em segundo lugar, para desenvolver capacidades que ultrapassam o gênero e que são transferíveis para outros gêneros próximos ou distantes.
Sabendo disso, como promover o ensino do oral na sala de aula, de modo que as atividades superem práticas já acostumadas, como as de conversação espontânea, de emissão de opiniões e de oralização de textos escritos?
Passos para promover a oralidade na sala de aula
Primeiramente, é preciso que esse ensino assuma uma concepção de língua como prática social, o que implica a proposição de situações autênticas de interlocução.
Para tanto, torna-se necessário realizar ações como preparação para a fala, estudo de gênero oral, produção, reflexão e consolidação da aprendizagem (MAGALHÃES; LACERDA, 2019).
Em segundo lugar, vale destacar, no que se refere especificamente aos gêneros orais formais, que eles precisam ser abordados de modo sistemático, considerando suas dimensões ensináveis e levando em conta suas características sociocomunicativas, definidas por composição, conteúdo temático e estilo e funcionalidade (BAKHTIN, 2003).
Em terceiro, lembramos que tais ações são realizadas na escola quase sempre através da mediação do professor.
Por isso, além desses aspectos apontados, é preciso também formar melhor o professor para o trabalho com os gêneros orais, uma vez que pesquisas apontam que “Poucas informações teóricas ou metodológicas sobre o trabalho com gêneros orais” (BUENO, 2009) e “Falta de conhecimento e de formação” (MAGALHÃES; LACERDA, 2019) são fatores que impedem/dificultam o trabalho com a oralidade.
Assim, investimentos em pesquisas e em ações de formação de professores para esse fim são cada vez mais bem-vindos.
Conclusão
Por fim, reforçamos que, conforme destacam Koch e Elias (2012), somente quando dominarmos os gêneros, seremos capazes de perceber o jogo que frequentemente se faz por meio das manobras discursivas que pressupõem esse domínio.
Assim, se queremos chegar à formação de usuários competentes da língua, o caminho é o ensino e o aprendizado dos gêneros textuais.
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Hérica Karina Cavalcanti de Lima é Doutora em Educação (UFPE), na linha de pesquisa Educação e Linguagem, com período sanduíche no Laboratório de Investigação em Ensino de Português (LEIP), da Universidade de Aveiro/Portugal. É também Mestre em Educação (UFPE), na linha de pesquisa didática de conteúdos específicos, Especialista em Língua Portuguesa e licenciada em Letras (UPE). Atua como professora adjunta do Departamento de Letras da UFRPE e como docente colaboradora do Mestrado Profissional em Letras da UFPE. Realiza pesquisas e trabalhos nas áreas de ensino de língua materna, metodologias de ensino, formação de professores e materiais didáticos de português.
Para saber mais
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Trad. Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 2003.
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tradução do russo, organização, notas e posfácio de Paulo Bezerra, notas da ed. russa Serguei Bocharov. São Paulo: Editora 34, 2016.
BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do ensino fundamental: língua portuguesa. Brasília: MEC/SEF, 1998.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular – BNCC. Brasília, DF, 2018.
BUENO, Luzia. Gêneros orais na escola: necessidades e dificuldades de um trabalho efetivo. Instrumento: R. Est. Pesq. Educ. Juiz de Fora, v. 11, n. 1, jan./jun. 2009.
SCHNEUWLY, Bernard. DOLZ, Joaquim. Os gêneros escolares: das práticas de linguagem aos objetos de ensino. Revista Brasileira de Educação, Nº 11, Mai/Jun/Jul/Ago 1999.
KOCH, I. V.; ELIAS, V. M. Ler e compreender os sentidos do texto. São Paulo: Contexto, 2012.
LUNA, Ewerton Ávila dos Anjos; GOMES, Raquel Ferreira. Oralidade e ensino: uma análise das atividades nos livros didáticos de português. Revista (Con)Textos Linguísticos, Vitória, v. 14, n. 29, p. 507-523, 2020.
MAGALHÃES, Tânia Guedes. Por uma pedagogia do oral. SIGNUM: Est. Ling., Londrina, n. 11/2, p. 137-153, dez. 2008.
MAGALHÃES, Tânia Guedes; LACERDA, Ana Paula de Oliveira. Concepções e práticas de oralidade na escola básica na perspectiva dos docentes. Periódico Horizontes, USF, Itatiba, SP, Brasil, 2019.
MARCUSCHI, L. A. Gêneros textuais: definição e funcionalidade. In: DIONÍSIO, A. P. MACHADO, A. R.; BEZERRA, M. A. (Orgs.). Gêneros textuais e ensino. Rio de Janeiro: Lucerna, 2002. p. 19-36.
MARCUSCHI, Luiz Antônio; DIONÍSIO, Ângela Paiva. Princípios gerais para o tratamento das relações entre a fala e a escrita Fala e escrita. MARCUSCHI, Luiz Antônio; DIONÍSIO, Ângela Paiva (Orgs.). Fala e escrita. 1. ed., Belo Horizonte: Autêntica, 2007.