O que é a Educação Inclusiva: conceitos fundamentais
Para pensar em inclusão, é preciso considerar que há o seu oposto: exclusão. Debates, propostas, interesses relacionados a qualquer perspectiva de inclusão se desenvolvem à luz de práticas sociais de exclusão.
Algumas questões conduzem a reflexão sobre isso: por que há pessoas que estão fora de onde deveriam estar por direito? Como promover a participação social de toda pessoa, com suas diferenças, possibilidades e limites?
Parece que esse desconforto e a necessidade de compreensão levam o tema a ocupar muitas pautas em variados contextos. Por isso, então, estamos aqui agora a pensar sobre isso e porque há espaços, atitudes e ações excludentes.
É o caso, por exemplo, da escola, como instituição, que já excluiu mulheres (em alguns lugares do mundo ainda exclui), já excluiu e separou pessoas pela cor da pele, separou pessoas com deficiência.
Sendo o contexto educacional o foco da presente conversa, educação inclusiva é o assunto que vamos abordar. Lembrando, no entanto, que inclusão “é uma prática social que se aplica no trabalho, na arquitetura, no lazer, na educação, na cultura, mas, principalmente, na atitude e no perceber das coisas, de si e do outrem” (CAMARGO, 2017).[2]
Primeiro, vamos ver o que não é educação inclusiva?
Não é modalidade de atendimento educacional, não é metodologia de ensino, não é um “tipo” de escola ou modelo educativo. Educação Inclusiva é uma concepção, um paradigma educacional que envolve conceitos fundamentais como diferença, igualdade, equidade, diversidade, acessibilidade.
A partir de debates mundiais sobre diversidade, com destaque para uma conferência ocorrida em 1994, promovida pelo governo da Espanha e pela UNESCO, que resultou no emblemático documento conhecido como Declaração de Salamanca[3], ocorreram diálogos, reflexões, ações governamentais em muitos lugares do mundo, inclusive no Brasil, que é signatário da Declaração.
Ela traz em seu texto o seguinte princípio:
escolas deveriam acomodar todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras. Aquelas deveriam incluir crianças deficientes e superdotadas, crianças de rua e que trabalham, crianças de origem remota ou de população nômade, crianças pertencentes a minorias linguísticas, étnicas ou culturais, e crianças de outros grupos desavantajados ou marginalizados.
A Declaração discute também o papel da escola e de sua estrutura, reconhece que é um desafio acomodar todas as pessoas de modo que estejam confortáveis e aprendendo no processo educativo. Aponta que os sistemas de ensino é que precisam mudar, se reestruturar, buscar alternativas para que todos aprendam juntos.
São quase 30 anos da Declaração, já andamos um pouco, mas temos que continuar caminhando… para que todos e cada um ganhem, se humanizem, convivam com as diferenças, transformem e sejam transformados.
A inclusão é um paradigma que se aplica aos mais variados espaços físicos e simbólicos. Os grupos de pessoas, nos contextos inclusivos, têm suas características idiossincráticas reconhecidas e valorizadas. Por isto, participam efetivamente. Segundo o referido paradigma, identidade, diferença e diversidade representam vantagens sociais que favorecem o surgimento e o estabelecimento de relações de solidariedade e de colaboração. Nos contextos sociais inclusivos, tais grupos não são passivos, respondendo à sua mudança e agindo sobre ela. Assim, em relação dialética com o objeto sociocultural, transformam-no e são transformados por ele (CAMARGO, 2017).
Educação inclusiva é o quê, afinal?
Vamos recorrer a um documento, ainda vigente, norteador de políticas públicas do nosso país, que é a Política Nacional de Educação Especial na perspectiva da Educação Inclusiva (2008) [4], logo em sua introdução, traz o seguinte conceito:
A educação inclusiva constitui um paradigma educacional fundamentado na concepção de direitos humanos, que conjuga igualdade e diferença como valores indissociáveis, e que avança em relação à ideia de equidade formal ao contextualizar as circunstâncias históricas da produção da exclusão dentro e fora da escola.
Igualdade e diferença precisam ser compreendidas como valores fundamentais que sustentam a concepção de educação inclusiva. Diferença não se mede, é característica, não serve para mensurar se é melhor ou pior, se é mais ou se é menos, é diferente, só isso. Podemos ser diferentes na nossa identidade e constituição individual, e podemos ser iguais em direitos e oportunidades.
Educação Inclusiva é para quem? Para todos aqueles que estão excluídos, o que envolve variadas minorias. Mas é sabido que há uma recorrência da vinculação do termo com a Educação Especial de modo mais evidenciado, o que associa a expressão ‘educação inclusiva’ diretamente ao trabalho realizado junto às pessoas com deficiência.
Não há um problema nisso, só é importante reconhecer que educação inclusiva é mais ampla, não se aplicando exclusivamente ao público da educação especial, que no Brasil está delimitado pelas pessoas com deficiências, com altas habilidades e com Transtorno do Espectro do Autismo (TEA).
Vale uma pausa para lembrar aqui de um aspecto que chama atenção no cotidiano escolar, é o uso inadequado de alguns termos, aplicados de modo equivocado como “alunos incluídos”, como se outros da turma não o fossem, ou “turma de inclusão”, “sala de inclusão”, “escola de inclusão” – são alunos, turmas, salas e escolas, só isso.
Vamos nos deter aqui e pensar a educação inclusiva, neste breve comentário, com foco nesse público da educação especial, sem, no entanto, esquecer que há tantos outros em situação de exclusão.
Equidade para a Educação Inclusiva
Além do reconhecimento das diferenças e da igualdade de direitos, a equidade se estabelece como princípio para a educação inclusiva.
Equidade é fazer diferente para garantir a igualdade. Por exemplo, quando, numa turma, todos recebem, igualmente, um texto impresso e um dos estudantes é cego, há desigualdade nisso.
De modo equânime, uma diferenciação precisa ser estabelecida, seja por um texto em braile, pela ação de um ledor, ou usando o mesmo texto de modo digital com um leitor de tela. A ação é diferenciada para que todos tenham acesso ao conteúdo do texto.
Sendo assim, equidade pode ser promovida a partir de diferenciações positivas na escola, que são mudanças e variações necessárias, por meio de estratégias e recursos que têm por objetivo viabilizar o acesso ao currículo.
Atrelado a esse, outro conceito fundamental para a educação inclusiva é o de acessibilidade. Há acessibilidade física, por meio da arquitetura, como rampas e portas alargadas, só como pequeno exemplo. Há acessibilidade de comunicação, com uso de variadas linguagens, como a língua brasileira de sinais, leitura fácil, uso de cartões de comunicação.
Acessibilidade é ponto chave para a inclusão e envolve outro conceito, o de remoção de barreiras, que nos alerta a olhar para além da pessoa e de sua condição de desenvolvimento, e perguntar: o que é barreira para a sua participação? O que está fora que atrapalha sua autonomia e que pode ser removido e modificado?
Tripé da Inclusão na Escola
Com relação especificamente à escola, falamos de inclusão escolar, que se apoia em um tripé: acesso, permanência/participação e aprendizagem.
- Acesso é o direito à matrícula numa escola comum, é poder chegar na escola e entrar nela, envolve o transporte, a estrutura física, por exemplo;
- permanência/participação é a garantia de frequência à escola com recursos e estratégias que garantam a maior participação do estudante;
- aprendizagem é o cumprimento do papel da escola, é a promoção de acessibilidade curricular para que cada estudante tenha seu potencial aproveitado da melhor maneira, no reconhecimento de suas possibilidades e de seus limites, de modo a promover seu desenvolvimento com os apoios necessários.
A posição aqui defendida em relação à inclusão é de uma escolarização que promova o desenvolvimento de cada um, conhecendo e valorizando seu potencial de aprendizagem, com estratégias adequadas para tal empreitada. Logo, a busca por uma educação de qualidade é pela via das possibilidades, tanto do sujeito – compreendendo o que ele pode fazer sozinho e com ajuda, saber dos seus interesses e habilidades; quanto do meio social – o que favorece a aprendizagem, quais são as barreiras e quais os recursos disponíveis, que estratégias podem ser (re)elaboradas para favorecer o melhor desenvolvimento de cada estudante (MARIN, 2019) [5].
Educação inclusiva como direito humano é a garantia de ser e estar em espaços sociais os mais variados, sem restrições impostas pela condição de cada um, seja por seu desenvolvimento peculiar, por seu gênero, por sua cultura ou religião, por sua condição econômica, pela cor da pele ou tipo de cabelo.
A partir desse paradigma, as escolas podem impulsionar a formação de comunidades solidárias e a construção de uma sociedade inclusiva, pautada pela humanização.
Se a educação sozinha não transforma a sociedade, sem ela tampouco a sociedade muda. Se a nossa opção é progressista, se estamos a favor da vida e não da morte, da equidade e não da injustiça, do direito e não do arbítrio, da convivência com o diferente e não de sua negação, não temos outro caminho senão viver plenamente nossa opção. Encarná-la, diminuindo assim a distância entre o que dizemos e o que fazemos. (PAULO FREIRE) [6]
Conclusão
Para finalizar sem concluir, caminhemos com coragem para diminuir “a distância entre o que dizemos e o que fazemos”.
Referências
[1] UNESCO. Relatório de monitoramento global da educação, 2020: Inclusão e educação: todos, sem exceção. UNESCO, 2020. Disponível em: https://unesdoc.unesco.org/ark:/48223/pf0000373721_por
[2] CAMARGO, E. P. de. Inclusão social, educação inclusiva e educação especial: enlaces e desenlaces. Ciência & Educação (Bauru), v. 23, n. 1, p. 1–6, jan. 2017. Acesso em: https://www.scielo.br/j/ciedu/a/HN3hD6w466F9LdcZqHhMmVq/?lang=pt#
[3] Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/salamanca.pdf
[4] Disponível em: http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf.
[5] MARIN, Márcia. A diferença incluiu! Práticas de ensino em tempos de inclusão. Rio de Janeiro: Imperial Editora, 2019. Disponível em: https://www.cp2.g12.br/blog/imperialeditora/?p=190
[6] FREIRE, Paulo. Pedagogia da indignação: cartas pedagógicas e outros escritos. São Paulo: UNESP, 2000.