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As ricas e invisibilizadas Culturas Africana e Indígena

13 de agosto de 2024
E-docente
Cultura Africana e Indígena

Não bastaram as conquistas territoriais, a exploração e dizimação dos povos originários, as riquezas arrancadas do fértil solo nacional ou qualquer outro ganho que os “conquistadores” das terras que viriam a ser denominadas brasileiras possam vir a ter tido. Não bastassem estes e outros benefícios, muitas vezes imensuráveis, eles também detiveram o mérito da apropriação do direito de contar a história. Mesmo tendo desembarcado muito depois dos que já estavam neste solo “verde, amarelo, azul e branco” e dos que foram trazidos à força. Mesmo sendo, durante muito tempo, minoria nesta vasta extensão territorial. Ainda assim, foram eles que contaram, ao longo de séculos, a história desta odisseia. O resultado é que, durante muito tempo e na maioria das instituições de ensino, as histórias das culturas dos povos indígenas ou africanos chegaram aos estudantes apenas a partir de uma ótica de escravização e/ou de apagamento. Acreditamos, portanto, que toda tentativa de exibição dessas ricas histórias e culturas é mais do que válida.

O primeiro censo demográfico

Caetano W. Galindo, em seu livro Latim em Pó, lembra que a população do Brasil inteiro em 1872, quando se realizou nosso primeiro censo, não chegava a 10 milhões de habitantes. “Destes, cerca de 20% (quase 2 milhões) seriam negros e pouco mais de 38% (3,8 milhões) seriam “pardos” (além de 38% de “brancos” e 4% de “caboclos”)”, relata. Façamos, agora, um breve cálculo: 62% da população do país nessa época era não “branca”. Imensa maioria, portanto. Como, então, não considerar e retratar sua grande influência nos mais diversos aspectos da formação desta identidade nacional? Apesar dos séculos de atraso, acreditamos que o momento atual é de caminhada voltada a esta direção, no sentido de identificar, reconhecer e valorizar o legado desses povos que nada mais são do que nós mesmos, nossos ancestrais.

Cultura Africana

O ator e escritor Lázaro Ramos, em seu livro Na Minha Pele (2017), comenta a respeito da diferenciação que costuma ocorrer quando se mencionam países pertencentes ao continente europeu e quando se fala no africano. Fala-se particularmente em Itália, França ou Alemanha, mas em África como uma unidade, sem a individualidade dos países que ela abriga. Dito isso, é preciso evitar incorrer nesse mesmo erro ao falar sobre a cultura de todo um imenso e grande continente.

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Falar em “cultura africana” significa considerar um vasto conjunto de hábitos, costumes, religiões, produtos e dispositivos artísticos com origens multifacetadas e riqueza de elementos.

É preciso analisar um pouco da sua geografia, de narrativas históricas, e tentar fugir, a todo custo, dos estereótipos que tanto prejudicam um conhecimento mais aprofundado. Da mesma forma, é importante ir além das listagens já extensamente difundidas sobre o que essas culturas deixaram para o Brasil no que se refere a alimentos, vocábulos ou danças, por exemplo. Foi tudo isso, sim, mas foi muito além disso.

Geografia

Geopoliticamente, o continente pode ser dividido em duas “Áfricas”: saariana (Norte) e subsaariana (Sul). Localizada em uma região árida, logo acima do Deserto do Saara, a primeira é composta por países como Egito, Marrocos e Líbia. Dentre outros aspectos, possui um histórico com marcas da manutenção de contatos (forçados ou espontâneos) com outros povos como turcos, gregos e romanos.

A subsaariana, por sua vez, é habitada por etnias diversas a exemplo dos Bantos, Nagô e Jeje. Os mesmos enviados para as nossas terras durante o Período Colonial e que, religiosamente, possuíam a característica de cultuarem orixás. Uma região onde conflitos religiosos costumam acontecer, em muito devido à coexistência destes cultuadores com um número expressivo de muçulmanos e cristãos.

Religiosidade

Fala-se acerca dessa temática porque várias das manifestações artísticas do continente africano, independente da região, refletem a questão da religiosidade. Na saariana, hábitos e costumes estabelecem relação com as tradições islâmicas, visto ser esta a religião predominante por lá. Já o sul, acaba por possuir uma cultura mais diversa. Em determinadas localidades dessa região, entretanto, predomina a cultura cristã, sobretudo onde o processo de colonização estabeleceu-se mais fortemente, como na África do Sul.

Manifestações artístico-culturais

Artesanato

Um exemplo da influência direta da religiosidade nos produtos culturais. Povos da África subsaariana costumam desenvolver artefatos relacionados às suas religiões, tais como máscaras, trançados de corda, estatuetas e outros, esculpidos em madeira, em pedra ou confeccionados com tecidos. Representam, sim, o sagrado, mas também o profano, ou ações que fazem parte da cultura, como a guerra e a coleta de alimentos. O marfim advindo das presas desses animais costuma ser utilizado para confecção de esculturas e adornos, como colares.

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Música e dança

Assim como a influência relativa ao artesanato, o universo espiritual africano também inspira a música e a dança. Notadamente nas culturas tribais africanas, o ritmo marcado por instrumentos de percussão acompanhado por movimentos corporais de compassos rápidos é utilizado para marcar cultos tradicionais, sendo elementos que atraem e agradam os orixás (ou os bons espíritos) e afastam os maus espíritos. São, também, símbolos integrantes de rituais festivos e de celebrações. Dentre os ritmos, muitos originaram-se com base na música africana. No Brasil, samba, axé e maracatu, por exemplo. Nos Estados Unidos, o jazz e, na Jamaica, o reggae. Dentre as danças, destaque para a capoeira (mistura de arte marcial com dança), batuque, lundu e coco.

Instrumentos musicais

Desta região do mundo, herdamos, dentre outros: atabaque (fabricado com madeira e couro de animais); berimbau (possui origem angolana e é composto por um arco de madeira, uma corda de arame e uma caixa de cabaça); agogô (fabricado com metal e dotado de duas ou mais campânulas) e afoxé (espécie de chocalho feito com uma cabaça e uma rede trançada com linhas e sementes).

Cultura afrodescendente no Brasil

Além da tradicional cultura original dos povos africanos, sua fusão com elementos diversos que coabitaram o nosso solo nacional deu origem a diversas composições tipicamente brasileiras: da religião à culinária. Quanto ao universo espiritual, o sincretismo levou, inclusive, à nomenclatura de algumas religiões como afro-brasileiras, a exemplo do candomblé e da umbanda. Sem querer incorrer em clichês ou obviedades, é inegável o fato de a nossa culinária ser repleta de receitas e ingredientes originários da cultura africana ou criados por africanos no Brasil. Dentre os mais comuns, acarajé, o vatapá, o abará e o caruru. Aqui, uma curiosidade: apesar da crença corriqueira de que a feijoada tem sua raiz na cultura dos africanos escravizados no Brasil, a sua origem incerta parece apontar que, ao menos como é feita hoje, não foi uma criação delas.

Cultura Indígena

Homens e mulheres nus com cocar na cabeça chamando chuva. Assim como acontece no tocante à cultura africana, também a indígena chega à nossa mente repleta de clichês e lugares-comuns. Assim como ela, chegou até nós com um grande nível de desconstrução, deformação e incompletude. De onde podemos concluir que ela é, sim, muito mais vasta e diversificada do que imagina o senso comum.

História

Quando da dita “descoberta” do Brasil, em 1500, havia aproximadamente quatro milhões de indígenas habitando essas terras. Neste início de século XVI, eram quatro agrupamentos linguísticos principais: tupi-guarani, jê, caribe e aruaque. Famílias que compartilhavam mais do que o idioma, mas também uma semelhança entre as suas culturas. Mas, e antes da colonização? O que se presume é que os ocupantes do território, hoje, denominado Brasil, apresentavam algumas similaridades entre si, a exemplo da organização social baseada no coletivismo; da ausência de escrita, de política, Estado e governo; em comum, ainda, religiões politeístas baseadas em elementos da natureza. Os portugueses que aqui chegaram, com sua visão etnocêntrica, desconsideraram tais características. Apesar do genocídio praticado contra nossos ancestrais desde a sua chegada, entretanto, inúmeros elementos das suas culturas resistiram até os dias atuais.

Religião

Embora houvesse variados conjuntos de mitos, entre os povos originários, havia o entendimento homogêneo sobre entidades espirituais habitando o mundo material bem como a possibilidade de comunicação entre essas instâncias. Eram adeptos das religiões animistas (que conferem poderes sobrenaturais e divinos a elementos da natureza como sol, mar, lua etc.).

Música e Dança

Elementos como dança e música tiveram e ainda possuem um papel importante dentro da cultura indígena e, em grande medida, relacionados a rituais e festividades religiosas. Os pajés, por exemplo, utilizavam a sabedoria aprendida com os espíritos para aconselhar as pessoas e fazer rituais de cura, denominados pajelanças.

Dança

Assim como outros componentes da cultura indígena, as danças também costumam parecer cercadas de clichês e elementos lugares-comuns. Elas possuem, entretanto, aspectos muito mais diversificados do que se imagina, a princípio. Podendo ser individuais, em dupla ou grupo, costumam ser executados por integrantes com o corpo pintado. Além disso, algumas de rituais xamânicos entoadas por índios de tribos amazônicas utilizam máscaras.

Artesanato

Os variados rituais tradicionais indígenas também incluem adornos como colares de peças naturais, além de botoques com base na arte plumária (que utiliza plumas e penas de aves). Peças que são, além de materiais decorativos, dotados de simbologias referentes a características como idade, gênero, a aldeia e a posição social. Além do artesanato enquanto adorno pessoal, também faz parte dessas manifestações culturais a produção de artesanatos no formato de utensílios, (cestas de palha e cuias) além de arcos, flechas e lanças (nas tribos mais antigas). Destaque, ainda, para a fabricação de utensílios religiosos e de decoração com base em argila, madeira e bambu. Sobre esta produção, costumava haver uma diferenciação por gênero: homens adultos fabricavam os utensílios de caça, pesca e guerra, além de canoas. Já as mulheres adultas eram as responsáveis pela fabricação de utensílios domésticos.

Legados

A despeito de toda a invisibilidade, e mesmo violência, que sempre cercou, de certa forma, a cultura indígena, houve, e ainda há, tentativas de resgate. Uma personalidade fundamental nesse sentido foi Darcy Ribeiro, antropólogo a indigenista brasileiro que atuou por quase 10 anos no Serviço de Proteção ao Índio, atual Fundação Nacional de Amparo aos Povos Indígenas (Funai). Ajudou, ainda, a fundar o Museu do Índio, instituição sediada no Rio de Janeiro e com polos em Cuiabá (Centro Cultural Ikuiapá) e em Goiânia (Centro Audiovisual do Museu do Índio). O Museu do Índio contém, inclusive, o maior acervo de artefatos indígenas do Brasil. Além dele, destaque para Claude Lévi-Strauss, antropólogo belga que desenvolveu trabalhos de observação da cultura indígena brasileira por décadas e lecionou Antropologia na Universidade de São Paulo (USP).

Breve Resumo do Autor

Patrícia Monteiro de Santana é jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diário de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.

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