Campanhas Escolares: arrecadando mais do que donativos ou recursos
Em maio deste ano, uma comoção atingiu o Brasil devido à magnitude da tragédia subsequente às fortes chuvas e à falta de prevenção a este respeito, levando tristeza a centenas de pessoas e prejuízos ainda incontáveis em uma unidade federativa do país. Cerca de 90% das cidades do Rio Grande do Sul foram afetadas pelas águas que caíram sobre o Estado, segundo balanço divulgado pela Defesa Civil no dia 16 do citado mês. De acordo com o relatório, 460 das 497 cidades gaúchas foram tomadas pelas tempestades – o equivalente a 92,5% do total. Dizendo em outras palavras, somente 37 municípios em todo o Rio Grande não sofreram o impacto.
Comoção e necessidade
Como costuma acontecer em situações de grandes consequências catastróficas, a preocupação, estupor e compadecimento reverteu-se, rapidamente, em iniciativas. Por todo o país, várias campanhas coletivas ou individuais tiveram o intuito de levar ao menos um pouco a quem perdeu tudo. Prefeituras, instâncias governamentais, particulares e instituições públicas – incluindo as de ensino – viraram pontos de arrecadação de capital financeiro e insumos dos mais variados: de água a roupas passando por mantimentos. Em várias localidades, muitas vezes, todo o corpo docente das escolas/colégios esteve envolvido não só no intuito de enviar donativos e sensibilizar parentes e familiares para tal, mas também de integrarem a logística de distribuição e envio. Um movimento imprescindível em situações semelhantes, mas que, talvez, não precisassem de algo pontual para acontecer.
Necessidades prementes e constantes
Apesar da potência e da latência do fator emergencial, vários grupos de pessoas também apresentam vulnerabilidades e carências que são constantes. Exatamente por não estarem tão em evidência, entretanto, acabam sendo mais invisibilizadas. Por isso, campanhas emergenciais são válidas, mas também podem ganhar os status de durabilidade e constância sendo parte das atividades rotineiras das instituições de ensino. Além disso, os conhecimentos construídos por meio de uma ação emergencial (logística, distribuição, envio, arrecadação etc.) podem e devem ser úteis na formação não só do estudante, mas de todo o corpo escolar.
Solidariedade em ambiente escolar
Uma escola é (ou deveria ser) mais do que um espaço de formação intelectual e de desenvolvimento cognitivo. O sentido é de que ela seja complementar ao trabalho familiar na estruturação de cidadãos aptos a contribuir com a construção de uma sociedade cada vez mais justa, igualitária, democrática e empática. Desenvolver o olhar do estudante para o que está à sua volta e às necessidades alheias também é uma das atribuições dos mestres docentes preocupados com o desenvolvimento social dos indivíduos.
Mais do que o debate sobre a temática na sala de aula e a realização de campanhas esporádicas, é interessante, salutar e enriquecedor que elas estejam na rotina da comunidade escolar de forma que passe a se tornar habitual na vida não apenas dos estudantes, mas de todo o corpo docente. Uma forma eficiente e altruísta de promover trocas a respeito de conceitos como solidariedade e responsabilidade social, além de reforçar o fortalecimento dos laços entre escola e comunidade, em um ambiente de cooperação e apoio mútuos. Contudo, para que estejam inseridas no calendário anual escolar, é importante que estas campanhas e ações estejam amparadas em estratégias eficazes, pensadas com antecedência e inseridas nas atividades rotineiras. Seja mensal, bimestral, trimestral ou semestralmente, sua plena fruição depende da premissa da regularidade. Quais são, portanto, os formatos que estas campanhas podem ter?
Várias maneiras de arrecadar/conscientizar
Os tipos e formatos de uma campanha de arrecadação dependem, diretamente, do objetivo. À exceção das emergenciais, que estão intimamente relacionadas ao motivo da emergência, as rotineiras e continuadas podem ser adaptadas aos recursos disponíveis, às faixas etárias dos estudantes ou ao contexto que se quer explorar enquanto viés de aprendizado. Vejamos alguns exemplos:
- Arrecadação de itens – podem ser coletas de alimentos, roupas e/ou brinquedos destinados a crianças/idosos ou pessoas em vulnerabilidade da comunidade ou abrigos;
- Arrecadação “produtiva” – produção de desenhos, cartas ou mesmo presentes para idosos em abrigos, bem como visitação aos mesmos, esporadicamente;
- Conscientização e arrecadação de fundos para ações sociais – tanto para questões de crises humanitárias/climáticas, bem como para redução de danos globais. Válido, também, quando em prol de eventos educativos e culturais como ações contra o racismo, bullying, violência etc.
Passo a passo
Elaborar uma campanha que realmente resulte em efetividade (no caso, arrecadação de donativos e/ou capital) exige planejamento e logística, por mais simples que ela seja. Para isso, primeiramente, é preciso entender e definir claramente quais objetivos devem ser atingidos e de que forma esta causa dialogará com os valores e missões da instituição de ensino.
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Ter em mente o resultado real almejado também implica em questões como transparência da ação. Isso porque é preciso saber o momento correto de encerrar a mobilização e de parar de solicitar a colaboração de terceiros. Resumindo, entender e demonstrar, claramente, que o alcançado já é suficiente e a meta foi atingida.
O passo seguinte à elaboração dos marcos e diretrizes da campanha é organizar a logística que determinará ações de coleta, armazenação e distribuição do material arrecadado. Feito isso, é o momento de comunicar e mobilizar estudantes, responsáveis e funcionários para auxiliar na organização e na execução, cada qual com seu papel e sua responsabilidade.
Como engajar a comunidade escolar e do entorno
O que é uma campanha solidária, seja de qualquer teor, sem o engajamento do público a quem se destina? Uma iniciativa vazia e frustrada. Não é opcional em uma ação desse segmento a participação dos envolvidos (alunos, responsáveis e colaboradores) e da sociedade, de forma geral. Como, então, garantir esta presença?
1. Diálogo e Sensibilização
Preceitos que possuem ligação direta com a comunicação. Não basta que as pessoas estejam cientes da existência da campanha. Elas precisam também estar inteiradas do seu propósito, detalhes e abrangência, compreendendo a causa e a importância de sua contribuição. Se o mote é uma tragédia a exemplo da ocorrida no Rio Grande do Sul, debates sobre situações climáticas, papel das instituições públicas nos protocolos ecológicos globais/estaduais e atenção às demandas da natureza, além de cidadania e de solidariedade podem ser muito válidos. Se versa sobre coleta de alimentos, temáticas como insegurança alimentar e desigualdade social podem ser abordadas.
2. Para além da arrecadação
Cartazes, folders, panfletos, divulgação nas mídias sociais. Além dessas, sempre há outras maneiras de buscar engajamento para as campanhas. Alguns exemplos: gincanas solidárias com atividades lúdicas que envolvam a captação de itens ou oficinas criativas nas quais os participantes podem criar itens artesanais para comercialização. Em ambas as situações, o lucro deve, forçosamente, ser destinado à causa da campanha.
3. A campanha não termina ao final
Engana-se quem pensa que a campanha termina com o fim do prazo de recolhimento de donativos. Como forma de demonstrar respeitabilidade e confiabilidade aos doadores, é importante uma espécie de prestação de contas. O que também funciona como agradecimento, importante ferramenta motivacional. Portanto, além da informação a respeito do montante arrecadado, vale a pena destacar as contribuições da equipe durante tudo o processo, seja por meio de boletins informativos, assembleias escolares e/ou plataformas de comunicação.
Comunicação eficiente
Perceberam um ponto em comum a vários dos tópicos abordados acima? Comunicação. Não há campanha de arrecadação sem a utilização intensa e eficaz dessa ferramenta. Ela é o meio através do qual os fins se justificam. Por isso, antes do lançamento da campanha, é imprescindível a criação de um plano comunicacional composto de todas as etapas do processo.
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É preciso, claro, ser objetivo a respeito de informações como mensagem central e objetivo da campanha, prazos e formas de contribuição. Durante sua realização, o compartilhamento de fotos e vídeos das atividades e ações, bem como dos itens coletados e beneficiados (com o devido cuidado e consentimento) podem servir como estímulos e respaldo de transparência e credibilidade. Ao longo do prazo de vigência da campanha, essa comunicação, inclusive, deve ser constante até o final e, como já vimos, também depois dele.
Arrecadação em benefício próprio
Nem sempre, necessariamente, as campanhas de arrecadação precisam ser em prol da comunidade do entorno ou visando a temas de interesse coletivo em nível macro. Dependendo da faixa etária dos estudantes, podem visar à coleta de fundos para viagens ou mesmo ao evento comemorativo de conclusão de curso, a dita formatura.
Quanto às viagens, podem ser pedagógicas, integrando de forma diferenciada a grade curricular ou mesmo de lazer, meramente celebrativas. Para quaisquer dos formatos ou objetivos, arrecadar fundos para custear o evento pode ter a campanha como potente impulsionadora. Nesses casos, ela pode ser ainda mais diversa e flexível, indo desde o estímulo às adesões até as vendas de produtos e a organização de eventos. Vamos a algumas sugestões?
Sugestões para formandos/viajantes
1 – Comissão e Gestão financeira
Gerenciar recursos coletivos requer uma série de cuidados e pressupostos a exemplo de responsabilidade, transparência e organização. É importante, então, organizar uma comissão composta por pessoas capazes de arcar com a missão a partir das características mencionadas acima.
2 – Seja criativo
Festas de formatura ou campanhas para captação de recursos para viagens escolares não são, necessariamente, algo como inventar a roda, né? Invista, então, em ações menos previsíveis para gerar mais engajamento e colaborações.
3 – Seja estratégico
É importante que os eventos realizados com o intuito da arrecadação (sejam festas, jogos e competições, bingos ou bazares) aconteçam com o máximo de presentes. Para isso, é importante que as datas escolhidas sejam propícias à participação em grande escala como fins de semana ou feriados.
Biografia do autor
Patrícia Monteiro de Santana é jornalista formada pela Universidade Federal de Pernambuco em 2000. Com atuações em veículos como TV Globo, Revista Veja e Diário de Pernambuco, além de atuante em assessoria de comunicação empresarial, cultural e política.