Produção escrita em avaliação: concepções e estratégias avaliativas
A produção escrita no âmbito da reflexão dentro na escola, diversas perguntas logo vêm à tona.
Que textos são produzidos no espaço escolar? Eles respondem a quais situações de interação? Qual(is) o(s) objetivo(s) dessas atividades de escrita? Quais as concepções de língua, texto e escrita que as fundamentam? Elas abrem espaço para o que os alunos têm a dizer?
Por isso, se você quer saber mais sobre avaliação da produção escrita, confira o conteúdo a seguir!
Saiba mais sobre a avaliação da produção escrita!
As questões, frutos da reflexão sobre a produção da escrita na escola, surgem pelo fato de entendermos que o ensino da escrita não deve se dar de forma desarticulada da realidade social: se produzimos textos o tempo todo na nossa vida diária para atender a nossas demandas sociais, a escola não deve desconsiderar esse fato no momento de propor atividades de escrita.
Esse entendimento se afasta da ideia de escrita como dom, inspiração ou habilidade de alguns poucos privilegiados, recorrente no senso comum, e se ancora na concepção de escrita como espaço de dizer; mais ainda, na concepção de escrita como trabalho, como bem definem Koch e Elias (2017, p. 36): “a escrita é um trabalho no qual o sujeito tem algo a dizer e o faz sempre em relação ao outro com um propósito”.
Para as autoras, em razão do objetivo pretendido, do interlocutor/leitor e do suporte onde o texto será veiculado, o produtor do texto elabora um “projeto de dizer”.
Assim, a concepção de escrita como trabalho, por ser um “projeto de dizer”, considera o processo, o percurso realizado pelo aluno até chegar ao texto, pois, como também destacam Gasparotto e Menegassi (2016), não há como olhar para o texto produzido sem considerá-lo uma resposta, no sentido bakhtiniano do termo, a outras práticas já vivenciadas pelo aluno.
Condições para o texto como processo interlocutivo
A produção de texto enquanto processo interlocutivo é orientada a partir de algumas condições de produção, as quais, conforme Geraldi (2001), precisam estar claras para o aluno:
- o que se tem a dizer (qual é o assunto, o tema?);
- para que se quer dizer (qual é a função do texto?);
- a quem se pretende dizer (quem é o leitor ao qual se destina o texto?);
- em que situação se diz (quais são as relações entre quem escreve e quem lê? Quais são as expectativas contextuais?).
As respostas a essas questões conduzem ao uso de determinada variedade de língua, de determinado modo de dizer, de determinado gênero textual.
Pensar a escrita dessa forma corresponde a pensar a língua como interação social (BAKHTIN, 2011), o texto como evento comunicativo (MARCUSCHI, 2016) e o sujeito, por sua vez, como ator/construtor social ativo que, dialogicamente, se constrói e é construído no texto (KOCH; ELIAS, 2017).
É a partir dessas concepções que promovemos nossas reflexões sobre avaliação da produção de texto escrito na escola.
Como avaliar a produção escrita do aluno?
Por muito tempo, a escola corrigiu os textos dos alunos do ponto de vista da “higienização”, da “limpeza”. Ou seja, o professor marcava os erros encontrados, e o aluno “passava a limpo”, corrigindo aquelas marcações quase sempre sem refletir sobre elas.
Esse tipo de avaliação não levava à refacção do texto, a uma reescrita que, de fato, levasse à revisão dos modos de dizer e, consequentemente, não favorecia o desenvolvimento das habilidades de escrita.
Com base na concepção de escrita como trabalho (GERALDI, 2001; MENEGASSI, 2010 e outros), essas práticas de higienização dão lugar a práticas de revisão textual, realizadas ou orientadas pelo professor, que se dão como etapas de um processo: ao produzir seu texto e entregar ao professor, o aluno finaliza a primeira etapa de sua construção.
O professor, por sua vez, faz uma revisão de caráter mediador: auxilia o aluno no processo que dará origem a outro processo, que é a reescrita (MENEGASSI, 1998). Nessa perspectiva, o trabalho não se encerra com a produção do texto pelo aluno ou com a avaliação do professor.
Propondo algumas estratégias…
Considerando essas diferentes perspectivas, há muitas formas de abordagem do texto do aluno. Serafini (2004), por exemplo, identificou três estratégias de correção mais voltadas à estrutura textual:
- a correção resolutiva, mais comumente utilizada em desvios estruturais, é aquela na qual o professor identifica no texto o problema a ser corrigido sem que o aluno precise refletir sobre o seu erro. Diante de uma correção assim, o trabalho a ser realizado pelo aluno limita-se a copiar as respostas já dadas pelo professor;
2. a correção indicativa é a correção que consiste em indicar para o aluno, por meio de marcas, como linhas, círculos, setas etc., onde há problemas no texto. Nesse caso, o aluno precisa reler o trecho para tentar compreender qual é o problema e, na sequência, buscar uma forma de solucioná-lo;
3. a correção classificatória, por sua vez, remete à criação, pelo professor e pelos alunos, de uma espécie de código para ser usado no momento da revisão. Assim, o professor identifica o desvio, sinaliza com o código e o aluno, reconhecendo-o, realiza a correção.
A essas estratégias, Ruiz (2010) acrescentou a abordagem textual-interativa, que, voltada para aspectos mais globais do texto, propõe o “bilhete textual”, que tem como base o diálogo. A ideia é apontar para o aluno, em forma de bilhetes, quais são os problemas que o texto apresenta.
Essa proposta se afasta das correções estruturais tradicionais por focar em aspectos relacionados ao conteúdo do texto, não só à sua estrutura. E os bilhetes também podem ser utilizados para incentivar o aluno!
Gasparotto e Menegassi (2016), expandindo a proposta de revisão textual-interativa, mostram estratégias específicas de desenvolvimento dessa abordagem por meio de questionamentos, apontamentos e comentários.
Bilhete de Questionamento
No bilhete de questionamento, o professor faz perguntas, chama a atenção do aluno para um problema específico, instiga o acréscimo de informações, faz reflexões sobre aspectos discursivos e estruturais do texto, motiva o término da produção textual (em caso de estar incompleta) etc., demonstrando interesse pela escrita do aluno e despertando a atenção deste para pequenos deslizes cometidos durante a escrita, de modo que possa materializar as sugestões propostas e reescrever o texto de maneira adequada.
No exemplo a seguir, temos um exemplo pontual de bilhete de questionamento:
Fonte: GASPAROTTO, Denise Moreira; MENEGASSI, Renilson José. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, vol. 10, n.3, jul./set. 2016.
No bilhete de apontamento, que é explicativo, o professor pode fazer uma asserção breve e objetiva, apontando a existência do problema no texto e indicando a sua resolução, como vemos a seguir:
Fonte: GASPAROTTO, Denise Moreira; MENEGASSI, Renilson José. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, vol. 10, n.3, jul./set. 2016
Bilhete de Comentário
No bilhete de comentário, por sua vez, temos uma proposta de revisão textual mais completa, uma vez que o professor pode fazer, ao mesmo tempo, questionamentos e apontamentos ou ainda utilizar outros recursos discursivos, como apresentar sugestões, orientar sobre mais de um problema ao mesmo tempo, levar o aluno à reflexão sobre os problemas apontados etc., encaminhando-os para a melhoria do texto.
Segundo Gasparotto e Menegassi (2016), essa intervenção mostra-se mais compreensível ao aluno, uma vez que pode, ao mesmo tempo, apresentar os problemas de escrita, localizá-los na primeira versão do texto, apresentar o contexto em que se encontram e apontar diretrizes para a reformulação desses problemas, motivando a reescrita e incentivando o aluno a desenvolver suas habilidades discursivas.
Abaixo, temos um exemplo do bilhete de comentário:
Fonte: GASPAROTTO, Denise Moreira; MENEGASSI, Renilson José. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, vol. 10, n.3, jul./set. 2016
Conclusão
A partir dessas possibilidades de revisão realizadas pelo professor, que podem ser combinadas ao longo do texto, o estudante tem condições de compreender o que precisa ser feito para que o texto alcance o seu propósito comunicativo. Depois, estará apto a efetivar a etapa de reescrita, indissociável da etapa de revisão.
Nessas ações sobre o texto há, de acordo com Gasparotto e Menegassi (2013), “uma relação dialógica entre autor e leitor, sendo a reescrita a atitude responsiva do autor diante da revisão do outroleitor”.
Assim, para além da correção, os bilhetes textual-interativos atendem à proposta de revisão textual na concepção de escrita como trabalho.
Pensar a produção escrita como trabalho não é apenas reconhecer que escrever é um estabelecimento de interlocução, já que escrevemos porque temos o que dizer; é também entender que aprender a escrever é um direito, porque significa também aprender a dizer.
Gostou de saber mais sobre avaliação e produção escrita? Então, confira o nosso artigo sobre escolhas linguísticas e a produção de sentidos!
Hérica Karina Cavalcanti de Lima é Doutora em Educação (UFPE), na linha de pesquisa Educação e Linguagem, com período sanduíche no Laboratório de Investigação em Ensino de Português (LEIP), da Universidade de Aveiro/Portugal. É também Mestra em Educação (UFPE), na linha de pesquisa Didática de conteúdos específicos, Especialista em Língua Portuguesa e licenciada em Letras (UPE). Atua como professora adjunta do Departamento de Letras da UFRPE e como docente colaboradora do Mestrado Profissional em Letras da UFPE. Realiza pesquisas e trabalhos nas áreas de ensino de língua materna, metodologias de ensino, formação de professores e materiais didáticos de Português.
Para saber mais
BAKHTIN, M. Estética da criação verbal. Tradução: Paulo Bezerra. 6ª. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
GASPAROTTO, Denise Moreira; MENEGASSI, Renilson José. A mediação do professor na revisão e reescrita de textos de aluno de Ensino Médio. Calidoscópio, Vol. 11, n. 1, p. 29-43, jan/abr 2013.
GASPAROTTO, Denise Moreira; MENEGASSI, Renilson José. Revisão textual-interativa: aspectos teórico-metodológicos. Domínios de Lingu@gem, Uberlândia, vol. 10, n.3, jul./set. 2016.
GERALDI, J. W. Da redação à produção de textos. In: GERALDI, J. W.; CITELLI, B. (Orgs.) Aprender e ensinar com textos de alunos. Vol. I. São Paulo: Cortez, 2001, p. 17-23.
KOCH, Ingedore G. Villaça; ELIAS, Vanda Maria. Ler e escrever: estratégias de produção textual. 2. ed., 4. reimp. São Paulo: Contexto, 2017.
MARCUSCHI, Luiz Antônio. O papel da Linguística no ensino de línguas. Diadorim, Rio de Janeiro, Revista 18 volume 2, p.12-31, Jul-Dez 2016.
MENEGASSI, Renilsson José. Da revisão à reescrita: operações e níveis linguísticos na construção do texto. Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Letras de Assis, Universidade Estadual Paulista, Assis, SP: 1998.
MENEGASSI, R. O processo de produção textual. In: SANTOS, A. R.; GREGO, E. A.; GUIMARÃES, T. B. (Org.). A produção textual e o ensino. Maringá, PR: Eduem, 2010, p. 75-102.
SERAFINI, M. T. Como escrever textos. Trad. Maria Augusta de Matos; Adap. Ana Maria Marcondes Garcia. 12. ed. São Paulo, Globo, 2004.
RUIZ, E. D. Como corrigir redações na escola. São Paulo, Contexto, 2010.