Como trazer atividades sobre Proclamação da República para a sala de aula
Falemos sobre a Proclamação da República. A tradicional cultura escolar de transformar datas comemorativas em pretexto para a realização de atividades costuma estar presente, principalmente, nos anos iniciais da educação básica, tendo um lado bastante positivo nessa etapa.
Tais práticas trazem um aspecto lúdico para tópicos importantes sobre a sociedade brasileira e sua história, encaminhando reflexões de maneira mais leve entre os mais jovens.
Por outro lado, com o passar do tempo e o amadurecimento dos alunos, essas iniciativas acabam em estado de abandono ou em conversão para abordagens superficiais e pontuais daqueles mesmos eventos.
Como exemplo, há o modo como a discussão sobre a questão indígena costuma ficar restrita ao período em torno do dia 19 de abril, antigo Dia do Índio e atual Dia dos Povos Indígenas; há, ainda, o fundamental trabalho que deveria ser feito em boa parte das disciplinas, transversalmente, ao longo do ano sobre a História e Cultura Afro-Brasileira, conforme sinaliza a lei 10639/2003, mas, muitas vezes, acaba restrito ao mês de novembro e seu Dia da Consciência Negra.
Não é apenas Consciência Negra
Ainda em novembro, há outra data que pode passar como apenas mais um feriado, mas será, neste texto, problematizada na busca de possibilidades para um trabalho crítico, que não subestime a capacidade de reflexão dos alunos sobre as complexidades de nossa história nacional. Trata-se do dia 15 de novembro, Dia da Proclamação da República.
Conforme bem sabemos, principalmente se considerarmos práticas escolares de décadas passadas, os dias associados a eventos pátrios costumavam ser cercados de um ufanismo condizente com o período em que eram comemorados.
Fruto de uma cultura nacionalista, bastante incentivada no período da ditadura militar, esse modo de tratar certas datas ainda encontra terreno fértil em escolas brasileiras, sendo bem fácil comprovar tal permanência pela mesma facilidade com que se encontram inúmeras atividades para a educação infantil sobre datas, como Dia da Independência, da Bandeira ou do Soldado.
Nesses exercícios, o aluno deve pintar soldados, colar estrelinhas na bandeira ou escrever palavras que remetem, positivamente, ao país. Acompanhando essas atividades, a depender da escola, há também a execução do hino nacional e, às vezes, até do hino bandeira e da república!
Todas essas práticas, por si só, não representam nenhum problema e todas, com a devida contextualização e intencionalidade, têm seu valor pedagógico.
O que iremos refletir aqui é como podemos propor para os alunos dos Anos Finais do Ensino Fundamental e do Ensino Médio leituras mais aprofundadas sobre certos aspectos tão consolidados da história brasileira; para isso, analisaremos o que pode ser feito em torno do dia da Proclamação da República.
Um outro olhar para a Proclamação da República
Primeiro vale relembrarmos de modo bem sintético o contexto da Proclamação da República no Brasil.
Basicamente, a insatisfação com alguns posicionamentos do império fez com que o regime monárquico perdesse apoio de setores estratégicos da sociedade, como a elite agrária, a igreja e as forças armadas, o que contribuiu para o aumento da força de grupos republicanos.
Por causa disso, a manutenção do poder imperial foi ficando insustentável, o que acabou culminando, através de um golpe militar liderado por Marechal Deodoro da Fonseca, no início da república no país.
Atualmente, boa parte dos livros didáticos já traz um olhar mais crítico sobre as circunstâncias que possibilitaram esse evento, bem como as principais particularidades de seus desdobramentos, com destaque para o modo como a questão indígena e a situação da população negra foi conduzida naquele período, o que afasta o modo romantizado pelo qual tal conteúdo costumava ser tratado antigamente na escola.
A partir desse embasamento, então, podemos pensar em alguns caminhos para mediar o estudo em torno do acontecimento comemorado dia 15 de novembro, entendendo que algumas das seguintes propostas podem, na medida do possível, ser elaboradas de maneira interdisciplinar, com professores de português, história ou ainda artes.
Proposta interdisciplinar de abordagem sobre a Proclamação da República
História
Em história, mais interessante do que uma aula puramente expositiva pode ser a sugestão para que o aluno pesquise o que enfraqueceu a monarquia e criou condições para que a república ganhasse força.
Nessa pesquisa, o professor pode indicar que o aluno estabeleça uma relação entre as condições políticas daquele período com as condições políticas atuais do Brasil, questionando se os grupos descontentes com o império há mais de 120 anos ainda detêm influência nos rumos do país.
O resultado da pesquisa pode ser um bom ponto de partida para problematizar como algumas estruturas de poder ainda permanecem em nosso país e qual posição as camadas populares costumam ocupar nessa dinâmica.
Nesse momento inicial de incentivo à pesquisa sobre o contexto histórico do evento analisado, pode-se pedir também para que os alunos indiquem qual a relação entre a abolição da escravidão e o golpe militar que proclamou a república, sinalizando se os fatores determinantes foram majoritariamente frutos de uma demanda popular ou de um anseio da elite econômica.
Esse tipo de trabalho, novamente, pode servir para estabelecer uma relação de coesão entre o passado e o presente do país, possibilitando que o aluno compreenda as relações de poder que atravessam a sociedade brasileira há muitos anos.
Na temática “escravidão”, outra oportunidade de estudar esse período é pensar na elaboração de perfis de alguns dos abolicionistas da época, como André Rebouças, José do Patrocínio e Luiz Gama.
O perfil deste último, aliás, pode dialogar com a disciplina de literatura, já que Gama, além de advogado e jornalista, foi um grande poeta do Romantismo brasileiro, embora ainda pouco estudado na educação básica.
Uma outra forma de abordagem sobre o início da república pode ser investigar a criação dos símbolos nacionais como ferramentas de legitimação do novo sistema político.
Artes
Um estudo sobre a história da bandeira do Brasil, por exemplo, pode se desdobrar em um diálogo com o componente curricular de Artes. Ainda é muito forte a versão romantizada da criação da bandeira que diz que as cores verde, amarelo e azul representariam, respectivamente, as matas, o ouro e o céu do país.
Tal versão não se sustenta em uma rápida pesquisa, pois, na verdade, a atual bandeira é apenas uma versão atualizada da bandeira do Brasil Império, adotada em 1822, com a cor verde representando a casa dos Braganças, família de D. Pedro I, e a cor amarela representando a casa dos Habsburgos, família de D. Leopoldina.
A pesquisa sobre a verdadeira origem e motivação desse símbolo pátrio pode promover reflexões sobre quais outros elementos, além dos simbólicos, representam muito mais uma continuidade com o antigo regime de governo do que uma ruptura.
Literatura
Na disciplina literatura brasileira, a obra Esaú e Jacó, de Machado de Assis, pode ser outra maneira de discutir as descontinuidades e permanências entre o regime monárquico e republicado.
Nessa narrativa, publicada em 1904, temos dois irmãos gêmeos, Pedro e Paulo, iguais na aparência, mas totalmente diferentes nas convicções políticas, já que o primeiro é monarquista e o segundo é republicado.
A análise do livro de Machado traz possibilidades de discutir como os posicionamentos dos dois irmãos exemplificam os embates entre aqueles dois modos de defender qual seria melhor regime político para o Brasil.
Outra parte do livro que merece atenção é a famosa passagem envolvendo a reforma da tabuleta de uma confeitaria.
Nesse trecho da história, o dono da Confeitaria do Império fica receoso de manter esse nome em destaque, já que partidários da república poderiam querer atacar sua loja. Ocorre, então, todo um percalço para encontrar um nome adequado que não lhe trouxesse problemas naquele momento de transição política: Confeitaria da República, Confeitaria do Governo, Confeitaria do Catete…
Graças ao humor da prosa machadiana, esse trecho pode incentivar o interesse da turma para saber qual o desfecho da situação e, também, pode ser um forma de analisar a situação envolvendo a confeitaria como uma metáfora do Brasil, em que, muitas vezes, apenas os nomes mudam, mas a estrutura permanece.
Conclusão
Concluímos, a partir do que vimos em torno da Proclamação da República, ratificando a importância em encaminhar propostas pedagógicas que possibilitem aos alunos refletir criticamente sobre versões idealizadas da história do país.
A trajetória do Brasil é marcada por muitas contradições e continuidades ao mesmo tempo que também é permeada por lutas, resistências e avanços. Entender toda a complexidade que constitui uma nação possibilita que as novas gerações analisem com mais consistência os embates de seu tempo e possam avaliar melhor as suas decisões enquanto cidadãos comprometidos na construção de um país melhor para todos.
Referências
ASSIS, Machado de. Esaú e Jacó. Rio de Janeiro: Penguin-Companhia; 1ª edição, 2012.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2018.
BRASIL, Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1891. https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao91.htm. Acesso em 12.10.2023.
SCHWARCZ, Lilia Moritz. Brasil: uma biografia. 1ª ed. São Paulo: Companhia das Letras, 2015.