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Argumentação e competências gerais da BNCC: como se relacionam?

11 de abril de 2023
E-docente

A Base Nacional Comum Curricular (BNCC) tem como objetivo estabelecer competências e habilidades essenciais para a formação integral dos estudantes brasileiros.

Entre essas competências, destaca-se a argumentação como uma habilidade fundamental para o desenvolvimento de uma sociedade mais crítica e participativa.

Nesse contexto, surge a argumentação dialógica como uma abordagem que valoriza a troca de ideias e o diálogo como elementos centrais para a construção de argumentos consistentes e persuasivos.

Mas afinal, o que é a argumentação dialógica e como ela se integra ao desenvolvimento das demais competências gerais da BNCC? Neste artigo, vamos explorar essa questão e apresentar algumas reflexões sobre a importância dessa abordagem para a formação dos estudantes brasileiros.

Quer saber mais sobre argumentação e competências gerais da BNCC?
Então, confira o conteúdo sobre o tema!

Argumentação e competências gerais da BNCC

Argumentação e competências gerais da BNCC

Por que somos argumentativos(as)? Primeiramente, é importante frisar que não existe estar no mundo sem se posicionar ideologicamente.

Ninguém é neutro. Isso porque a natureza humana é discursiva, somos seres constituídos pela linguagem.

Como explica o filósofo Volochinov (2018), quando nascemos, deparamo-nos com um mundo social já constituído por signos que representam, refletem e refratam a realidade à nossa volta. E é na interação verbal com as pessoas que vamos nos apropriando das visões de mundo e construindo nossas próprias noções particulares desse mundo. 

Dialogia: interação e resposta

Pelo processo chamado dialogia, nossa interação verbal sempre pressupõe outra pessoa a quem dirigimos nosso discurso. E, também nessa mesma enunciação, sempre provocamos no interlocutor uma resposta ativa, concordante ou discordante, ao que lhe dissemos, seja na escrita ou na oralidade.

Essa resposta do interlocutor, em contrapartida, pode ser verbal, gestual ou mesmo um silêncio. Já reparou como, mesmo em silêncio em uma conversa, podemos provocar nos outros efeitos positivos ou negativos?

Mesmo estando calados, estamos em nosso diálogo interior elucubrando nossas opiniões, produzindo sentidos carregados de juízos de valor sobre as coisas e pessoas do mundo. E isso provoca efeitos no discurso interior ou exterior, aquele socializado com o outro.

Na cadeia de interação, a reação verbal, gestual ou multimodal dessa outra pessoa, provoca novamente atitude responsiva em nós. Esse diálogo é infinito, mesmo que não estejamos frente a frente com o interlocutor, como ocorre com os livros ou demais textos que lemos e que escrevemos.

A cada interação também vamos ampliando nosso repertório ideológico, ou seja, acessamos maneiras diferentes de perceber o mundo e trazê-las para nosso discurso, concordando ou discordando.

É por isso que nosso discurso nunca é totalmente original, sempre está povoado de outras vozes, como o discurso de integrantes da nossa família, dos autores que lemos, da mídia televisiva ou virtual, etc. Ou seja, resgatamos em nosso discurso, escrito ou falado, as vozes de pessoas com quem interagimos socialmente, processo denominado polifonia.

É nas interações verbais, via discurso, que produzimos sentido, manifestando nossas crenças, valores, nossa trajetória de vida, nossa identidade e nossos papéis e funções sociais, em dado contexto temporal e espacial.

Nem sempre essas interações são pacíficas, o que é natural, dado que estamos sempre a legitimar nosso posicionamento nas variadas experiências sociais, e isso nos faz entrar em conflito com demais visões a respeito de temas controversos. Ou seja, estamos sempre numa atividade argumentativa. Confira com mais detalhes, a seguir, como essa prática funciona.  

Argumentação na perspectiva dialógica 

Os estudos sobre a argumentação, na cultura ocidental, têm sua origem na Antiguidade Clássica. Segundo Souza (2013), esse período dá origem às perspectivas de argumentação segundo a Lógica, a Retórica e a Dialética. 

Essas áreas pensavam argumentar, respectivamente, como buscar a verdade universal de maneira racional; persuadir as pessoas; e disputar pontos de vista.

Essas concepções tiveram diferentes objetivos e foram se transformando até reconhecermos a noção contemporânea dialógica de argumentação como: 

“[…] uma atividade de natureza discursiva e social que se realiza pela defesa de pontos de vista e a consideração de objeções e perspectivas alternativas, com o objetivo último de aumentar – ou reduzir – a aceitabilidade dos pontos de vista em questão  (Van Eemeren et al, 1996)”, conforme observado no estudo realizado pela professora doutora em Psicologia Cognitiva Selma Leitão (2007, p. 454).

Segundo essa estudiosa, a argumentação dialógica dá-se tanto entre pelo menos duas pessoas quanto no diálogo interno, em que uma pessoa, sozinha, avalia os prós e contras de um tema/uma situação para resolver problemas e tomar decisões.

Os mecanismos cognitivos-discursivos da argumentação (ou da auto argumentação) são:

Argumentação na perspectiva dialógica

Pontos de vista na perspectiva dialógica

Leitão (2007, p. 457) explica que esses movimentos contribuem para o pensamento auto reflexivo, ou seja, os argumentadores (ou o auto argumentador) colocam o próprio pensamento como objeto de reflexão:

  • A justificação do ponto de vista demanda que o argumentador analise as bases em que estão apoiadas as suas afirmações sobre o tema em questão. 
  • A consideração de alternativas e a resposta à oposição exige a análise da sustentabilidade e os limites de suas afirmações, momento evidenciado na contra-argumentação.

Esses movimentos resultam numa diferenciação do pensamento inicial de cada argumentador, uma vez que, refletindo sobre seu próprio pensamento e sobre o do outro, podem ampliar ou reduzir as chances de adesão ao argumento do outro criando objetos de reflexão.

Por isso, o pensamento reflexivo implicado evidencia a dimensão epistêmica e, não meramente embativa, da argumentação, como tradicionalmente se pensa que seja. 

As pesquisadoras Isabel Azevedo e Glícia Tinoco também evidenciam as várias nuances da argumentação dialógica:

Box Argumentação e competências gerais da BNCC

Todo o exposto ajuda-nos a perceber como o trabalho com a competência argumentativa na perspectiva dialógica pode articular-se ao trabalho com as demais competências gerais para a Educação Básica, conforme a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Confira a seguir.

Diálogo entre a competência argumentativa e as demais competências gerais da BNCC

Conforme a BNCC (BRASIL, 2018), ao longo e em cada etapa da Educação Básica, os(as) estudantes precisam desenvolver um conjunto de 10 competências gerais, de modo lhes oferecer uma formação humana integral que os prepare a construção de uma sociedade mais justa, democrática e inclusiva.

As competências são definidas como a mobilização de conhecimentos (conceitos e procedimentos), habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), atitudes e valores para resolver demandas complexas da vida cotidiana, do pleno exercício da cidadania e do mundo do trabalho.

A argumentação é uma das competências, sua aprendizagem levará o aluno a argumentar com base em fatos, dados e informações confiáveis, para formular, negociar e defender ideias, pontos de vista e decisões comuns, que respeitem e promovam os direitos humanos e a consciência socioambiental, consumo responsável e ética.

Como pudemos observar, a perspectiva dialógica de argumentação, relaciona-se à noção de competência defendida pela base, além de relacionar-se às demais competências pelos seguintes motivos: 

Competências Conhecimento; Pensamento Científico, Crítico e Criativo; e Repertório Cultural

Os mecanismos cognitivo-discursivos de justificação, consideração de ideias alternativas e resposta à oposição da argumentação dialógica exigem que o aluno evidencie em seu discurso: sua capacidade crítica e sua criatividade em articular conhecimentos de vários âmbitos (científico, familiar, comunitário, religioso, artístico, etc.), social e historicamente reconhecidos como legítimos, demonstrando a confiabilidade das fontes e revelando assim seu repertório cultural. 

Como vimos, a reflexividade inerente à (re)construção dos argumentos na interação verbal contribui para que o(a) aluno(a) não só evidencie esse bloco de competências como também produza novos conhecimentos/objetos de reflexão a partir da experiência com as visões de mundo da(s) pessoa(s) com quem interage. 

Competências Comunicação; Cultura Digital; e Trabalho e Projeto de Vida

Também para esse bloco de competências a argumentação na abordagem dialógica serve de base, uma vez que argumentar, isto é, interagir verbalmente de modo a expor um ponto de vista particular pressupõe considerar o outro, o interlocutor. 

Isso quer dizer que nos dirigimos ao outro considerando o contexto histórico e espacial, as funções e posições sociais ocupadas por nós e pelo outro nessa interação, os meios e ferramentas/recursos mais convenientes para expressarmos nossos argumentos. 

Assim, de maneira inteligível e ética, o(a) aluno(a) tem mais condições de alinhar seus interesses particulares aos seus interesses como cidadão(ã), de modo a ampliar a aceitabilidade dos seus argumentos pelas pessoas em diferentes instâncias, entre elas a do trabalho. 

Competências Autoconhecimento e Autocuidado; Empatia e Cooperação; e Responsabilidade e Cidadania

Por fim, este bloco de competências está diretamente relacionado ao fato de que nossos argumentos evidenciam nossas crenças, valores, nossas identidades, bem como as do outro.

Portanto, no mecanismo cognitivo-discursivo, a reflexividade sobre seu próprio pensamento dará ao aluno mais condições de se autoconhecer à medida em que se relaciona com o outro, quando é desafiado a rever suas crenças, valores, os sentidos que quer produzir ao construir seus argumentos e contra-argumentos.

Também nesse processo, a empatia para com a trajetória cultural do outro, a cooperação em reconhecê-lo como cidadão que também tem direito de se expressar, dá mais condições de o(a) aluno(a) perceber-se como responsável pelo impacto social de seus argumentos. 

Conclusão Argumentação e competências gerais da BNCC

Conclusão

Espero tê-lo(á) estimulado a perceber a importância da argumentação como ação cognitiva, discursiva e social. Fique de olho no e-docente e confira como trabalhá-la com seus(as) alunos(as).

Para saber mais

AZEVEDO, Isabel Cristina Michelan de; TINOCO, Glícia Marili Azevedo de Medeiros. Letramento e argumentação no ensino de língua portuguesa. Entrepalavras, Fortaleza, v. 9, n. 1, p. 18-35, jan-abr/2019.

BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2018. Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf. Acesso em: 15 out. 2022. 

LEITÃO, Selma. Argumentação e desenvolvimento do pensamento reflexivo. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre, v. 20, n. 3, pág. 454-462, 2007. Disponível em:  https://doi.org/10.1590/S0102-79722007000300013. Acesso em 16 ago. 2020.

SOUZA, Dayse Arianne de. Aprender a argumentar: um estudo do desenvolvimento da produção argumentativa de estudantes universitários. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal de Pernambuco, CFCH. Programa de Pós-Graduação em Psicologia Cognitiva, Recife, 2013. 120 f. Disponível em: https://repositorio.ufpe.br/bitstream/123456789/31353/1/DISSERTA%C3%87AO%20Dayse%20Arianne%20de%20Souza.pdf. Acesso em: 30 set. 2022. 

VOLOCHINOV, Valentin. Marxismo e Filosofia da Linguagem: problemas fundamentais do método sociológico na ciência da linguagem. Notas, tradução e glossário Sheila Grilo e Ekaterina Vólkova Américo. 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2018


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Izabela Pereira de Fraga é doutoranda e mestre em Educação (PPGEdu/UFPE), na linha de pesquisa Educação e Linguagem, investigando práticas de letramento acadêmico. É também licenciada em Letras Português e Espanhol (UFRPE). Atua como revisora de textos em português. Tem experiência com formação inicial e continuada de professores da Educação Básica com ênfase na área de Língua Portuguesa. É integrante do Grupo de Pesquisa em Alfabetização, Linguagem e Colonialidade (GPEALE), vinculado à Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e registrado no CNPq. E-mail: izabela.fraga@ufpe.br

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