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Acessibilidade curricular: uma via para a aprendizagem de todos e de cada um

13 de fevereiro de 2025
E-docente

As salas de aula e o cotidiano escolar compõem um universo complexo e desafiador para a prática docente. Como ensinar a todos os estudantes e a cada um, reconhecendo as diferenças e individualidades? Como promover e garantir a aprendizagem de estudantes com deficiência, com autismo, com altas habilidades, com necessidades específicas de aprendizagem?  A acessibilidade curricular surge como um caminho para promover e garantir a aprendizagem de estudantes com deficiência, com autismo, com altas habilidades, com necessidades específicas de aprendizagem, entre outros. Ao adaptar os conteúdos, metodologias e recursos, é possível criar um ambiente de ensino mais inclusivo e equitativo.

A presença de estudantes com diferenças em seu processo de aprendizagem gera, entre outras demandas, a necessidade de práticas pedagógicas que respondam ao desafio da diversidade de um alunado que antes não estava presente ou que não permanecia na escola. O interesse e o assunto deste texto são os estudantes públicos da Educação Especial, de modo mais específico os com Deficiência Intelectual (DI) e Transtorno do Espectro do Autismo (TEA). 

Por que DI e TEA? 

Por que esse destaque para as pessoas com DI e TEA? Isso se justifica porque dados estatísticos do Censo Escolar/INEP1, de 2023, demonstram que esses dois grupos juntos representam aproximadamente 89% das matrículas dos estudantes da Educação Especial na educação básica pública do país; com DI, são cerca de 53% dos estudantes e TEA quase, 36%, totalizando em torno de 1.590.000 matrículas, um número expressivo. 

São estudantes com matrículas em turmas da Educação Infantil, do Ensino Fundamental, do Ensino Médio e da Educação de Jovens e Adultos, que devem frequentar a escola e ter seu direito à aprendizagem garantido. Assim, é preciso nos perguntarmos: como ensinar nesse contexto? Como buscar respostas educativas adequadas às necessidades de cada um? Em que medida fazer tudo igual ao mesmo tempo promove a aprendizagem de estudantes com diferenças em seu desenvolvimento? 

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O currículo, como um instrumento que estrutura a escolarização, as práticas pedagógicas e a vida nas escolas, se traduz como um caminho para a inclusão escolar de estudantes com deficiência e outras necessidades específicas. Trata-se de compreender que, nesse contexto de educação inclusiva, é preciso conceber um currículo para a diversidade, calcado nos Direitos Humanos, com o reconhecimento das diferenças, das inúmeras possibilidades que cada um traz e da necessidade de remoção de barreiras, que impedem o desenvolvimento, muito mais que os próprios limites das pessoas, limites esses que não podem ser negados, mas compreendidos como potência, como força.  

Assim, pensar em um currículo para todos envolve a concepção de acessibilidade.  

A Lei Brasileira de Inclusão (2015) define acessibilidade como a possibilidade de alcance e utilização de espaços, equipamentos, transportes, informação e comunicação com segurança e autonomia. E no seu Capítulo IV – do Direito à Educação – no Art. 27 declara que: 

A educação constitui direito da pessoa com deficiência, assegurados sistema educacional inclusivo em todos os níveis e aprendizado ao longo de toda a vida, de forma a alcançar o máximo desenvolvimento possível de seus talentos e habilidades físicas, sensoriais, intelectuais e sociais, segundo suas características, interesses e necessidades de aprendizagem.

Acessibilidade Curricular: Para Além do Espaço Físico 

Garantir acessibilidade para aprender não se restringe a mexer no espaço físico, por meio de ampliação de portas, construção de rampas, instalação de piso tátil e outras mudanças que envolvem o direito de adentrar e permanecer nos ambientes educacionais de modo seguro, confortável e com a promoção de autonomia.  

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É fundamental garantir, também, acessibilidade ao currículo, na compreensão de que o currículo escolar está a serviço de docentes e estudantes para a efetivação de aprendizagens significativas. E o currículo em ação é a própria dinâmica cotidiana, não é um aglomerado de objetivos e conteúdos organizados para serem alcançados num determinado tempo, é bem mais que isso. Há questões básicas que permeiam o processo de ativação de um currículo, tais como: quem é o estudante? Como ele aprende? O quê e como ensinar?  

O estudante é essa pessoa única, que tem suas potencialidades e limites, seus interesses e conhecimentos, suas vivências, alguém que está no processo de escolarização para aprender. Aprender o quê? O que o currículo propõe. Como? Com estratégias e recursos que respondam às necessidades de cada um. 

Adaptação Curricular: Uma Ressignificação Necessária 

Por um bom tempo, a expressão adaptação curricular foi usada e difundida como resposta educativa às necessidades educacionais de estudantes que apresentavam um desenvolvimento peculiar, mas sem muito se saber o que seria exatamente essa adaptação. Termos como “prova adaptada”, “exercício adaptado”, “currículo adaptado” passaram a compor o repertório de angústias docentes – Como fazer isso? Tem modelos? Cadê o currículo adaptado? 

Como se, previamente, fosse possível estabelecer ‘adaptações’ independentemente de se conhecer o estudante, suas peculiaridades, necessidades e possibilidades. 

O termo e sua aplicação ganharam repercussão, principalmente, a partir da publicação, em 1998, de um documento oficial denominado “Parâmetros curriculares nacionais: adaptações curriculares”, sendo possível reconhecer que ele teve, naquele contexto, um papel impulsionador para pensar formas diferentes de organização curricular para atender estudantes com necessidades específicas que passaram a compor as salas de aula comum, em processos de inclusão escolar.

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Porém, no decorrer dos anos, esse conceito passou a ser aplicado de modo prático como uma minimização do currículo, principalmente para estudantes com deficiência intelectual, ou seja, as adaptações aconteciam como recortes em conteúdos e até em objetivos, levando quase à elaboração de um currículo paralelo.  

Como se estabelece de antemão o que uma pessoa pode ou não aprender? Que escolha seria feita sobre qual conhecimento ela tem direito?  

Por isso, adaptação curricular se tornou algo a ser ressignificado; daí a concepção de acessibilidade ao currículo passou a ser mais discutida e difundida.

Como Tornar o Currículo Acessível? 

Reflexões acerca de um currículo para e com a diversidade apontam para planejamentos de ensino que não precisam ser ‘adaptados’ para os estudantes com deficiência, mas elaborados de modo que todos e cada um, que estão na sala de aula, tirem o maior proveito possível de recursos e estratégias planejados para garantir acessibilidade ao currículo, que são disponibilizados para toda a turma, e não uma adaptação curricular exclusiva para este ou aquele estudante. 

É cada vez mais urgente criar caminhos que possam ser percorridos de modos variados e que deem alternativas de acesso ao conhecimento para toda pessoa que está na escola, projetos curriculares que concebam estratégias e recursos diversificados, ações que não sejam consideradas estranhas ao cotidiano escolar.  

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Seguem adiante alguns exemplos de ações que podem ser incorporadas aos planejamentos, para atender à diversidade das salas de aula e às necessidades específicas de determinados estudantes. São propostas para tornar o currículo acessível, elaboradas previamente, e não como uma adaptação curricular, que acontece posteriormente. 

Exemplos de Ações para um Currículo Acessível 

  • Recursos que seriam usados exclusivamente por um estudante, em função de suas necessidades, podem ser disponibilizados para a turma toda, para livre escolha, como audiolivro, vídeos, material tátil, maquetes, esquemas, mapas conceituais etc. Todos podem usar juntos, em colaboração. 
  • Elaboração, em cooperação com os próprios estudantes, de mapas conceituais, resumos, resenhas, pesquisas, realizados em aulas de apoio, fora do turno escolar e depois disponibilizados para a turma, durante as aulas, como material para estudo e consulta. 
  • Trazer para uma aula, que seria ministrada somente a partir de material impresso e explicação oral, outros elementos, tais como: vídeos com legenda, imagens com audiodescrição, jogos e desafios, experimentos, entre outros. Desse modo, é possível atender a uma diversidade de estilos de aprendizagem e potenciais variados. 
  • Elaboração de objetivos diferenciados em relação ao tempo escolar, ou seja, alguns estudantes têm seus objetivos adequados às suas aprendizagens em andamento, independentemente do ano escolar que frequentam, pois há componentes curriculares e conceitos que podem levar mais tempo a serem construídos, e não será a retenção ou reprovação que garantirá a aprendizagem. 

Destaca-se que o Atendimento Educacional Especializado (AEE) tem papel importante para efetivar a acessibilidade curricular, numa ação colaborativa entre o docente especializado e o da turma comum, com base no princípio da equidade, de modo que todos os estudantes tenham acesso àquilo que a escola se propõe a ensinar a partir do currículo, em situações didáticas favoráveis à condição de cada um.  

Promover um currículo acessível envolve trabalho colaborativo, investimento em formação continuada e compreensão de que toda pessoa aprende.

Minibiografia do autor

Márcia Marin – Professora Titular do Colégio Pedro II, instituição de ensino público federal.  Doutora e mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ).  Graduada em Pedagogia, com habilitação em Educação Especial (UERJ). Pesquisadora do grupo Inclusão e aprendizagem de alunos com necessidades educacionais especiais: práticas pedagógicas, cultura escolar e aspectos psicossociais (Programa de Pós-Graduação em Educação da UERJ). Experiência em educação especial e inclusão escolar. Áreas de interesse: formação docente; processos de escolarização de pessoas com Deficiência Intelectual; práticas pedagógicas diferenciadas; ensino colaborativo.

Instagram: @marciamarinvianna

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