A riqueza do texto visual e seu atual papel no mundo digital
Lembra de quando, empolgados, usávamos nossas letras de fôrma compradas em uma papelaria para deixar as capas de nossos trabalhos escolares mais bonitas? Ficávamos animados porque sabíamos que a imagem que o professor veria ali seria diferente, mais atrativa visualmente e, às vezes, esconderia um conteúdo que não era tão bem desenvolvido quanto gostaríamos…
Hoje vamos conversar sobre a importância de trabalharmos com as mais variadas visualidades textuais no dia a dia de nossas aulas, explorando a multissemiose presente nas ruas, nas telas da TV, dos smartphones, dos computadores, nas revistas, nos jornais etc. Para isso, gostaria de chamar a sua atenção.
Ei, olha pra cá! Sim, estou pedindo pra você olhar pra cá! Ah, me desculpe:
Vc pode olhar pra cá? 😊🙏
Ainda não? Então, espere aí…
E, agora, já consegui atrair a sua atenção? Nada como um gif de gatinho pra tornar tudo mais legal, não é? O que são das pobres letrinhas do alfabeto, monocromáticas, significantes buscando seus significados, cada vez mais abandonados e sem atenção…
Imagem criada por inteligência artificial pelo aplicativo Copilot
As imagens e a atualidade
Claro, leitor, estava exagerando, tentando chamar a sua atenção para a importância que hoje o texto visual tem na nossa vida. Ele sempre teve, não é novidade, mas, cada vez mais, temos disponíveis ferramentas que trazem uma maior concorrência ao texto meramente verbal. Deixo claro aqui que não estou dizendo que as nossas boas e velhas letrinhas não têm importância. Muito pelo contrário. Até porque elas são a minha principal ferramenta de trabalho (as quais estou usando para conversar com você, inclusive). Mas, experimente abrir qualquer site na internet. O que nos salta aos olhos para além das letras?
A visualidade textual nos serve como importante ferramenta na organização das informações, seja para chamar a atenção a um determinado fato; para organizar seções; para enviar uma mensagem implícita; para passar credibilidade; para resumir o que se quer dizer; e muitas outras funções. Podemos partir da leitura do excelente artigo Leitura: o arranjo visual como fator essencial, de Paloma Borba, publicado aqui no E-docente, mesmo. Então, não trataremos aqui apenas de textos totalmente não verbais, como o gatinho ali de cima, mas de qualquer recurso que torne um texto, até mesmo verbal, mais atrativo aos olhos do leitor.
Imagem criada por inteligência artificial pelo aplicativo Copilot
Um mundo multissemiótico
o ensino da Língua Portuguesa não deve se restringir às regras gramaticais ou ao aprimoramento das habilidades de leitura e escrita, mas também inserir os indivíduos na sociedade imersa nas multissemioses ou multimodalidades, propiciando condições para que se apropriem do poder semiótico do mundo contemporâneo. (Kress, 2003)
Uma pergunta importante de se fazer é se as escolas vêm incentivando os alunos a criarem seus próprios textos visuais, como recurso expressivo na comunicação, ou se focam apenas nas construções textuais meramente verbais.
Em um momento em que cada vez mais buscamos as figurinhas, os memes, os gifs, os emojis adequados na comunicação, urge que a riqueza desses recursos esteja sendo discutida por professores e alunos, a fim de que fique clara sua utilidade, mas em contextos adequados. Isso é importante para que todos entendam que o texto verbal continua e sempre continuará sendo essencial, principalmente nos contextos mais formais, com necessidade de maior aprofundamento em determinados temas e questões. Porém, ignorar que o mundo atual é permeado de figuras, de ícones, de comunicações sem uma palavra sequer, é ignorar o próprio mundo, já que vemos uma comunicação cada vez mais multissemiótica, tanto em textos do dia a dia quanto em ocasiões mais formais, como em concursos públicos e atividades profissionais.
As profissões da atualidade lidam com imagem, com som digitalizado, com programas de edição de fotos, ou seja, grande parte dos profissionais não opera mais sem os textos multiletrados. Essa é a maneira de escrever do futuro, mas, para a juventude, esse já é o jeito como ela escreve e é desse jeito que ela vai viver e, inclusive, trabalhar. (Rojo, 2013, p. 8)
Rojo (2013), já em 2013, chamava a atenção para o fato de que a facilidade em manusear programas de edição de vídeo e texto mudaria nossa comunicação diária, já que um trabalho que antes se concentrava nas mãos de profissionais gráficos, cada vez mais, mostra-se intuitivo e permite a criação por parte de todos nós.
Imagem criada por inteligência artificial pelo aplicativo Copilot
O poder nas nossas mãos
Hoje, com programas como o Canva, conseguimos criar cartazes, menus, placas, diversos textos visualmente atrativos, tudo disponível nos nossos smartphones, que hoje são quase um membro do nosso corpo humano (seríamos, ainda, humanos ou ciborgues?).
Deixo claro aqui que a profissão de desenhista gráfico continua sendo muito importante, já que sua função é muito mais que instrumental e requer uma ampla formação na criação de seus projetos. Porém, é inegável que esse poder está hoje diluído nas mãos de múltiplos usuários sem formação específica para o design.
Anúncio criado com a versão gratuita do aplicativo Canva
O anúncio fictício acima foi criado em menos de dez minutos por mim no aplicativo Canva. Esse programa traz diversos modelos de anúncios, sites, convites, menus, apresentações e tudo que pudermos imaginar. As versões mais recentes permitem, inclusive, que criemos imagens com auxílio da inteligência artificial, como a que vemos acima.
Na edição de vídeos, não é muito diferente. Além do Canva, existem aplicativos como o CapCut, que permitem diversas edições rápidas, intuitivas, legendagem automática, tudo que há muito pouco tempo demandava esforço e investimento muito maiores e que hoje estão às nossas mãos.
Mas, e a escola, o que faz a respeito?
Imagem criada por inteligência artificial pelo aplicativo Copilot
A escola no mundo multissemiótico
um professor de Língua Portuguesa terá de tratar os textos levando em conta outros aspectos, como o som e a imagem. Para isso, ele precisa começar a refletir sobre isso e conhecer mais sobre semiótica. Outra coisa que muda é a redefinição do lugar do docente. Ele passa a ter acentuadamente a postura de mediador, pois ele não informa mais. A informação está na internet. Nesse ponto, ninguém precisa mais de professor, nem de ninguém para dar informação de nada. O saber se democratizou. O lugar do professor é de um analista crítico desses saberes, que constrói filtros éticos e estéticos e amplia as buscas pelo saber. (Rojo, 2013, p. 10)
Em meio a tantas mudanças tecnológicas, o que vem fazendo a educação formal? Vemos uma discussão acerca dessa comunicação cada vez mais imagética em nosso dia a dia? Apesar de a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) trazer descritores que tratam especificamente do uso de mídias digitais e imagens na educação, esse trabalho vem sendo desenvolvido de maneira consistente e estruturada nas escolas?
Para respondermos a essas perguntas, precisamos pensar em tudo que esse trabalho demandaria, para além das escolas. Currículos de universidades precisariam ser modificados, estruturas físicas, postura de dirigentes, corpo docente, ou seja, um investimento financeiro e intelectual pesado nesse aspecto tão importante para o mundo atual. Não é possível implementar uma mudança tão grande caso não haja uma reestruturação pedagógica completa para que cheguemos mais próximos daquilo que se acredita ser uma boa educação. Para que alunos sejam incentivados a criar suas próprias trilhas, a desenhar seus próprios caminhos (e os veículos que vão conduzi-los), muito ainda há de ser feito.
Levar essa discussão para todas as escolas, públicas e privadas, e buscar recursos para a implementação de uma educação inovadora é também nosso papel, já que conseguimos enxergar para além das imagens, percebendo intenções, contextos e consequências de determinadas escolhas artísticas dos Mecenas da vez.
Conclusão
Não há soluções mágicas ou simples para que possamos inserir as escolas no mundo digital, fazendo com que deixem de ser bolhas ficcionais e se insiram na realidade dos alunos. Mas é possível que estejamos atentos ao que acontece ao nosso redor, para que não caiamos em armadilhas e acabemos reproduzindo práticas da época em que a imagem mais atrativa que os alunos podiam produzir era aquela lá do início do texto, com letras de fôrma vazadas compradas em uma papelaria.
Para além das imagens, está a autonomia dos alunos, a criatividade e a possibilidade de traçarem seus próprios caminhos. Antes espectadores em uma galeria de arte, são eles, agora, que estão com todas as ferramentas nas mãos. Pincéis poderosos; tintas variadas, muito além da preta, da branca e da cinza; telas infinitas; museus onipresentes. Cabe a nós, neste momento, permitir que aproveitem tudo isso, para que tais possibilidades estejam à disposição de muitos artistas não apenas nas mãos daqueles que sempre foram os donos das galerias.
Referências
KRESS, Gunther. Literacy in the new media age. London: Routledge, 2003.
ROJO, Roxane. Cenários futuros para as escolas. In: EDUCAÇÃO no século XXI: multiletramentos. v. 3. São Paulo: Fundação Telefônica, 2013. Disponível em: http://fundacaotelefonica.org.br/wp-content/uploads/2013/03/caderno3_multiletramentos.pdf. Acesso em: 12 dez. 2024.
Minicurrículo
Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua portuguesa e Tecnologias da informação e comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Mostra telas prontas apenas como modelos que incentivem seus alunos a criarem suas próprias obras de arte (inclusive subvertendo o modelo apresentado).