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A importância do trabalho com textos poéticos na Educação Básica

21 de janeiro de 2025
Rafael Palasio

Podemos dizer, sem receio de pecar pelo exagero, que a literatura é um dos objetos de conhecimento mais vistos, se não o mais visto, por alunos e alunas durante toda a trajetória escolar. Nos primeiros instantes, muito antes de entrar em contato com conceitos numéricos ou com as formas de representar graficamente as palavras que ainda mal pronunciam, as crianças já estão ouvindo contos de fadas, fábulas e demais histórias com personagens mágicos e enredos fabulosos. Nesses momentos, no meio de toda a sorte de gêneros literários adequado a sua respectiva faixa etária, o aluno também entra em contato com textos poéticos, representados pelos poemas, cantigas, parlendas e demais textos estruturados em versos e estrofes, cujo principal objetivo é proporcionar momentos de ludicidade a partir de divertidos jogos linguísticos. 

Textos poéticos no processo de alfabetização

Já durante o processo de alfabetização, esses gêneros versificados não perdem sua força, ganhando complexidade e contribuindo para que o jovem estudante se familiarize cada vez mais com as possibilidades comunicativas de seu idioma. 

A continuidade dos textos poéticos na educação básica

Caminhando pelos anos finais do Ensino Fundamental até chegarmos ao Ensino Médio, podemos dizer, novamente, que os textos poéticos não abandonam o cotidiano pedagógico. Encontramos diversos deles, por exemplo, nos trabalhos realizados com o gênero cordel, na análise de letras de música, na produção de haicais, na interpretação de estruturas poéticas mais complexas, como o soneto, até chegarmos, já no final do Ensino Médio, ao trabalho com propostas que subvertem convenções tradicionais durante a leitura das produções modernistas e contemporâneas.

Neste texto, então, iremos não só reafirmar essa presença constante dos textos poéticos na Educação Básica como também algumas possibilidades de estudo da língua portuguesa a partir dessa pluralidade de gêneros literários.

O que é um poema? Definições e interpretações

Em uma consulta básica ao “Dicio – Dicionário Online de Português” (acesso em: 24 nov. 2024), encontramos na primeira definição de poema a conceituação “obra literária em verso”. Consultando outra fonte mais especializada, o “E-Dicionário de Termos Literários”, encontramos na oitava definição o seguinte: 

diz-se da atividade linguística que tem um objetivo de arte e procura criar com a linguagem um estado psíquico de emoção estética por meio da aplicação sistemática de processos estilísticos. A  língua transcende neste caso da  função  essencial de meio de comunicação, para se tornar ela própria o objeto essencial da atividade e servir de matéria-prima para uma obra de arte literária. Essa aplicação artística de uma língua é espontânea e se encontra em todos os tipos de sociedades, mesmo as mais rudimentares, na sua vida material e espiritual. Como expressão linguística, um poema tende a organizar-se em frases ritmadas, com base na entonação, no número de sílabas, na distribuição mais ou menos regular, ou irregular, das sílabas acentuadas, constituindo-se desta maneira numa série de versos. 

Desafios na escola: quebrando paradigmas sobre a produção literária

Entre uma definição mais objetiva, vinculada à forma como o texto é organizado, e outra, muito mais ampla e profunda, temos um mar de significados e interpretações possíveis para o que seria um poema. Tentativas essas de definição que começaram há bastante tempo e, através dos séculos, foram sendo ressignificadas, de modo que hoje é praticamente impossível restringir o conceito de um poema a uma única forma ou temática. Se antigamente, a ideia de um bom poema significava que o autor executou uma produção com determinada métrica, esquema de rimas e temas específicos; no último século, uma boa produção poética deixou de estar necessariamente vinculada ao modo como sua estrutura foi concebida e muito mais ao modo inventivo pelo qual o autor utilizou os recursos expressivos da linguagem em favor de suas intenções artísticas. Mas o que tudo isso tem a ver com a escola?

Essa apresentação é necessária para refletirmos como ainda impera no ambiente escolar certa concepção conservadora e elitista de que nem todos podem produzir literatura, de que poema de verdade só é obra de autores consagrados e, na maioria dos exemplos, já falecidos. Percepções que precisam ser descontruídas frequentemente.

Por sua estrutura dinâmica, um poema pode conter desde um único verso até dezenas deles. No caso das produções escolares, podemos usar essa característica dos textos poéticos e propor oficinas de produções sobre determinados temas que dialoguem com a realidade discente, sem a obrigatoriedade de restringir a criatividade dos alunos a parâmetros muito estanques. 

Propostas para a produção poética nos anos iniciais

Nos anos iniciais, podemos propor produções coletivas sobre assuntos como as brincadeiras mais populares na turma ou dos animais de estimação preferidos da maioria. Há diversas obras que podem estimular tais produções, como as produções de Cecília Meireles, Vinicius de Moraes, Manoel de Barros e Roseana Murray. Nessa construção coletiva, os professores podem selecionar alguns poemas desses autores e depois propor que a turma produza conjuntamente um poema que ficará exposto em algum local da sala. A prática de produção textual coletiva de texto literário é uma excelente forma de incentivar a colaboração entre os alunos, exercitar a criatividade e a sensibilidade deles, além de contribuir para o processo de alfabetização. 

A poesia concreta como recurso pedagógico

Uma atividade muito popular no Ensino Fundamental e que também envolve a produção de textos poéticos é o trabalho com poemas concretos. Tendo ganhado projeção no Brasil a partir dos anos 1950, a poesia concreta se caracteriza pelo seu apelo visual, valorizando a materialidade das palavras em sua composição e o modo como são representadas graficamente. Dentre os autores brasileiros com reconhecida produção de poesia concreta, temos Augusto de Campos, Haroldo de Campos e Décio Pignatari, Ferreira Gullar, José Paulo Paes e o também músico Arnaldo Antunes. Na escola, a criação desses textos pode ser desenvolvida em diálogo com o componente de artes, com o uso de recursos materiais diversos que podem enriquecer a criação dos alunos. 

Produção poética na adolescência: explorando emoções e temas relevantes

Nos anos finais do Ensino Fundamental e no Ensino Médio, durante a adolescência, quando os gostos infantis começam a dar lugar a novos interesses, podemos propor a escrita de poemas nos quais os alunos podem abordar a busca por aceitação, a descoberta do amor, a saudade da infância, as expectativas sobre o futuro, dentre tantos assuntos que, com certeza, provocam vontade de expressão. 

Por sua popularidade e estrutura similar a dos textos poéticos, o trabalho com letras de música também pode ser bastante produtivo. Um gênero como o rap (sigla em inglês que significa rhythm and poetry e traz justamente a ideia de poesia aliada à música) pode ser uma grande fonte de material para ser trabalhado, discutido e analisado em aula. Artistas como Criolo, Emicida, Gabriel – O pensador, Mv Bill ou Negra Li têm diversas letras que tratam desde assuntos corriqueiros da vida até situações mais complexas, envolvendo os desafios do trabalhador da classe popular, a discriminação racial, a importância da família e a valorização da própria identidade. 

Após a análise de algumas letras dessas artistas, os alunos, por sua vez, podem produzir poemas ou até mesmo raps para expressar seus dilemas. Como forma de compartilhar essas produções, os estudantes podem organizar saraus, que, a depender da disponibilidade do corpo escolar e do envolvimento familiar, pode ser aberto para a comunidade, com apresentações públicas.

Divulgação das produções poéticas dos alunos

Outra forma de divulgação, muito relacionada aos interesses dos jovens, é a criação de perfis em redes sociais para compartilhar as produções da turma, sendo, atualmente, o Tiktok e o Instagram as mais populares para esse público. 

Equilíbrio entre criatividade e exigências acadêmicas

Conforme os alunos avançam nas etapas da Educação Básica, é comum que o espaço para a produção textual mais livre e o exercício da imaginação seja limitado por atividades mais metódicas, muitas vezes, já voltadas para as futuras exigências dos vestibulares. A produção de textos literários vai dando lugar à produção de dissertações argumentativas e a literatura vai ficando restrita ao estudo dos estilos da época.

Nesse cenário, cabe, então, nos atentarmos de que tão importante quanto o domínio da escrita de gêneros mais formais é a garantia de momentos em que o estudante possa exercitar sua criatividade, como no caso das produções poéticas, entendendo, por fim, que é na busca por esse equilíbrio que construímos espaços formativos mais satisfatórios para todos. 

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