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A Evasão Escolar no Brasil: Desafios e Propostas para a Permanência dos Estudantes

19 de novembro de 2024
E-docente

Dentre tantos desafios envolvendo a manutenção da qualidade da educação brasileira, a evasão escolar se destaca e vem apresentando aumento de suas taxas nos últimos anos, o que sinaliza um alerta para que gestores públicos, profissionais da educação e familiares possam pensar em meios para responder a esse problema.

Muitas vezes, o abandono escolar costuma ser associado aos alunos mais velhos, pertencentes às etapas finais da educação básica. Geralmente, imagina-se que esse tipo de situação ocorre majoritariamente em turmas de Ensino Médio por causa dos estudantes que já estão próximos da maioridade e precisam, devido a demandas financeiras e profissionais, deixar a conclusão dos estudos em segundo plano. Esse tipo de percepção tem sua parcela de legitimidade, entretanto o que tem chamado a atenção é como a evasão tem aumentado de forma preocupante, também, entre alunos mais jovens.

Fatores Socioeconômicos e a Evasão Escolar

Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgadas em março deste ano, o abandono escolar entre crianças atingiu um recorde histórico, com o número de alunos entre 6 e 14 anos, matriculados no Ensino Fundamental, ficando abaixo da meta prevista para o país. Isso significa que 5,4% dos estudantes abandonaram os estudos no último ano (Para consultar a fonte: clique aqui).

Embora tenhamos que considerar o devastador efeito da pandemia sobre a educação brasileira, é importante salientar que essa queda de matrículas começou já em 2019, tendo se agravado nos anos seguintes.

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Pensando nos motivos que levam o aluno a abandonar a escola, podemos chegar em causas que vão desde situações pessoais, como, por exemplo, necessidades familiares, até mesmo situações que envolvem a dinâmica escolar, seus conteúdos, processos de avaliação, estratégias de comunicação com o corpo discente, ferramentas de incentivo à conclusão dos estudos, dentre tantos outros motivos. Neste texto, nos concentraremos naquilo que pode ser feito pela escola e pelos profissionais da educação para dirimir essa situação, entendendo que há casos que são de responsabilidade do poder público e não caberia aos docentes saná-los. De todo modo, também reconhecemos o papel fundamental da escuta atenta e a potência do diálogo entre professor e aluno ao longo de todo o percurso escolar.

Ainda segundo a Pnad Contínua, entre os alunos mais velhos, depois da necessidade de trabalho, o motivo para abandonar os estudos é a falta de interesse. Esse desinteresse aparece como segunda principal causa de abandono em todas as últimas três edições da pesquisa. Vale, então, refletirmos com atenção sobre esse dado e pensarmos como a escola poderia atuar para lidar com ele.

O Papel do Estado na Garantia do Acesso e da Permanência na Escola

Um primeiro movimento básico de diagnóstico da turma já poderia trazer informações relevantes que auxiliariam o docente a entender quais interesses, motivações e expectativas os alunos têm em relação ao colégio e ao seu próprio futuro. Entre os mais novos, esse diagnóstico pode indicar assuntos atraentes que, provavelmente, envolvem aquilo que fazem em seus momentos da lazer. Sabemos que nem sempre é possível conectar todos os saberes curriculares a temas familiares aos estudantes, mas uma tentativa de aproximação sempre é bem-vinda.

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Utilizar obras culturais, como filmes, livros, séries, personagens ou artistas populares entre os alunos, como ponto de partida para uma aula, pode despertar curiosidades, incentivar a concentração e motivar questionamentos por aqueles que estão reconhecendo parte do seu repertório dentro de um contexto tradicional de aprendizagem. O modo como os saberes são mediados, aliás, tem grande impacto na maneira como o aluno se relaciona com o que está aprendendo. Aulas mais dinâmicas, que estimulam a participação, propõem desafios e provocam os alunos a expor argumentos a favor de seus pontos de vista podem favorecer o engajamento deles.

Com os alunos adolescentes do Ensino Médio, essas práticas podem ser complementadas com rodas de conversa sobre o futuro acadêmico e o mercado de trabalho. O docente pode organizar momentos para que os alunos tirem dúvidas sobre o percurso na universidade, meios de acesso, caminhos para exercer determinada profissão e até compartilhar suas experiências nessas trajetórias. Tal movimento promove a aproximação com esse público jovem, que costuma estar cercado por ansiedade e busca referenciais de apoio e orientação.

Divulgado também neste ano, o Censo Escolar da Educação Básica traz uma informação que igualmente chama a atenção e tem bastante relação com a evasão escolar; trata-se da distorção idade-série. Esse dado é relevante, pois indica a qualidade da progressão dos estudantes de uma rede de ensino. Segundo o Censo Escolar, em 2023, 15,8% dos alunos de 6º ano não tinham a idade adequada para a etapa de escolaridade em que estavam. Tal taxa é medida levando em conta a quantidade de alunos com dois ou mais anos de atraso, ou seja, no Brasil, se a criança deve ingressar no 1º ano do Ensino Fundamental com 6 anos, espera-se que ela chegue ao 9º ano com 14 anos; caso haja discrepância nessa relação, dizemos que há uma defasagem ou distorção idade-série.

Se, por um lado, podemos ler os dados do Censo de forma otimista, uma vez que a distorção tem diminuído nos últimos anos, por outro lado, temos que reconhecer que ainda estamos longe de um patamar razoável quando se fala da qualidade na trajetória escolar dos jovens brasileiros.

A Importância de Investimentos em Educação de Qualidade

Como dito anteriormente, há algumas circunstâncias mais complexas que escapam da ação da escola, sendo de responsabilidade do poder público resolver, como o aumento de vagas para que o aluno não precise se deslocar por grandes distâncias entre sua casa e a escola, contratação de profissionais de saúde que possam orientá-los com regularidade e acompanhar os casos mais sérios, monitoramento das situações de negligência familiar, disponibilidade de bolsas de permanência estudantil para alunos mais vulneráveis, enfim, há uma imensidão de situações que nem o professor mais disposto e bem preparado pode dar conta. Entretanto, quando falamos de distorção idade-série, há uma postura envolvendo a avaliação dos alunos que pode ser repensada e adequada às especificidades que, invariavelmente, surgem na escola.

Aprofundando o olhar sobre o processo de avaliação, um dos motivos sinalizados pelo Censo para a defasagem escolar é a reprovação, uma vez que, ao precisar repetir um ano letivo, o aluno terá que percorrer novamente um familiar caminho pedagógico, mas, dessa vez, com colegas de sala mais jovens. Dependendo da quantidade de vezes que essas reprovações ocorreram, o mais provável é que o aluno retido fique desinteressado pelos estudos, sinta-se desconfortável com o estigma da reprovação e, possivelmente, abandone a escola. Muitos podem alegar que a reprovação é uma forma eficaz de oportunizar ao aluno mais tempo para compreender aquele conteúdo com o qual teve dificuldade, afirmando que apenas aprovar quem não alcançou uma compreensão básica das disciplinas seria injusto. Então, o que fazer?

A Evasão Escolar: Um Desafio a Ser Enfrentado por Todos

Se entendemos que a reprovação pode ser, a depender do caso, prejudicial, colaborando com a evasão escolar, deveríamos desenvolver estratégias de acompanhamento do aluno ao longo do ano para que suas defasagens pontuais sejam compensadas, deixando a reprovação apenas para os casos em que seja realmente necessária.

Os instrumentos avaliativos poderiam ser mais diversos, analisando outros modos de demonstrar os conhecimentos adquiridos em sala de aula. Em certas situações, o aluno conseguiria se expressar melhor por escrito, em outros casos, a sistematização dos saberes poderia ocorrer em práticas de oralidade, como debates, apresentações e seminários; do mesmo modo, há estudantes com facilidade em trabalhar em grupo, outros apresentam melhor rendimento em atividades individuais. Tudo isso sem contar os transtornos que podem eventualmente ser identificados, como a dislexia, o TDAH e o autismo, que exigem atenção específica e acompanhamento profissional capacitado.

Não se está dizendo com isso que os alunos não devem ser motivados a superar suas dificuldades de comunicação ou de relacionamento interpessoal; a escola tem um compromisso social muito importante no desenvolvimento das habilidades socioemocionais e isso não deve ser desprezado. Compreendemos, no entanto, que os alunos têm o direito a avaliações que reconheçam tanto suas potencialidades quanto suas dificuldades, o que envolve um trabalho atento e paciente diante de cada realidade.

Em todo esse processo de reflexão sobre as principais causas da evasão escolar, vimos que o papel do(a) professor(a), dentro de suas possibilidades e atribuições, é imprescindível. Concluímos afirmando que esse tema precisaria ser mais discutido também nas formações, tanto inicial quanto continuada, de professores, com abordagens que promovessem a investigação sobre suas causas e estratégias de resolução.

O acompanhamento e a garantia da permanência dos estudantes durante toda a trajetória escolar é um grande desafio, tendo em vista boa parte dos obstáculos que pontuamos até aqui. Em todo caso, para que possamos promover espaços de ensino verdadeiramente democráticos, é necessário que todos os sujeitos envolvidos nesse processo, de familiares a profissionais da educação e governantes, estejam lado a lado, empenhados na defesa de uma educação de qualidade para todos.

Minicurrículo do autor

Diego Domingues é graduado em Letras (Português — Literaturas) pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela mesma instituição e Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP); e Doutor em Linguística Aplicada pela UFRJ. Atualmente, é professor de Língua Portuguesa e Literatura em turmas do Ensino Médio do Colégio Pedro II e integrante do grupo Práticas de Letramentos no Ensino de Línguas e Literaturas (PLELL).

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