A essência da obra do célebre epistemólogo e psicólogo suíço Piaget se dedica à pesquisa e à reflexão sobre os mecanismos mentais que permitem ao ser humano construir, desde seus primeiros dias de vida, conhecimentos e, inseparavelmente, a construção da ferramenta necessária a esse empreendimento, ou seja, a inteligência. 

O sujeito ativo

O emprego da palavra “construção” não é casual, pois para Piaget os conhecimentos não são frutos apenas da transmissão social, mas também e sobretudo de atividades estruturantes do sujeito.

Coerentemente, Piaget não admite que os diversos níveis da organização da inteligência sejam resultado de programação genética que faz levar paulatinamente a maturações, e tampouco admite que tal organização vem de um mero fruto de imposições sociais, pois em ambas as hipóteses, o sujeito é visto como ser passivo. Não! 

Para ele o sujeito é ativo e participa, portanto, de sua evolução mental através das trocas que realiza com os meios físico e social e das ações que exerce sobre eles.

A tese construtivista de Piaget

Para sustentar essa tese, chamada justamente de construtivista, Piaget veio realizar centenas de pesquisas com bebês, crianças e adolescentes (replicadas mundo afora), escreveu centenas de artigos e dezenas de livros (um número razoável deles traduzidos e publicados no Brasil).

Mas ele não escreveu apenas sobre epistemologia e psicologia: escreveu sobre filosofia, biologia, sociologia e também sobre educação. Falemos um pouco de sua relação com a educação.

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As inspirações das reflexões de Piaget

Piaget sempre fez questão de deixar claro que não era educador, assim como o foram figuras como: Johann Heinrich Pestalozzi, Maria Montessori, Célestin Freinet e Paulo Freire. Aliás, importante dizer que várias de suas reflexões sobre educação e pedagogia não partem de sua espontânea iniciativa, mas de solicitações de vários organismos.

Creio poder afirmar que três principais eixos inspiraram suas reflexões: 

1) Os benefícios que os educadores podem retirar dos dados e das teorias da psicologia do desenvolvimento

Hoje em dia, pode parecer óbvio que educadores não somente sabem que têm muito a ganhar em conhecer o que as diferentes abordagens de psicologia do desenvolvimento têm a dizer sobre diversas características de crianças e de adolescentes, como me parece que tal conhecimento é imprescindível para o bom exercício da profissão.

Todavia, tal obviedade não existia quando Piaget escreveu sobre educação e pedagogia e certamente devemos a ele, entre outros cientistas, a ‘batalha’ para que houvesse real cooperação entre psicologia (e outras ciências humanas) e educação.

2) O lugar incontornável de uma pedagogia que permita ao aluno ser ativo

Piaget sempre identifica como grande empecilho para uma educação de qualidade o que ele sempre chama de verbalismo, ou seja, uma pedagogia com o centro na palavra do professor. À qual se submete passiva e silenciosamente os alunos (note-se que o ensino à distância, evidentemente necessário em época de pandemia, não deixou de recolocar na ordem do dia tal verbalismo).

Para Piaget, a atividade do aluno é incontornável. Dou um só exemplo: em aulas de física, ao invés de o professor apresentar doutamente um experimento, melhor os alunos testarem, eles mesmos, diversas hipóteses por eles formuladas fazendo experimentos variados.

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3) O valor atribuído à autonomia intelectual e moral

Um tema recorrente nos escritos de Piaget sobre educação – ele foi um humanista – é o da autonomia intelectual e moral, autonomia esta sem a qual o sujeito não é livre, pois, palavras do próprio Piaget:

“não é livre um indivíduo submetido à coação da tradição ou da opinião reinante, que se submete a priori a todo decreto da autoridade social e permanece incapaz de pensar por si só”.

Na área moral, por exemplo, relações de cooperação entre alunos (e também com professores), são mais eficazes para promover a autonomia do que belos discursos normativos proferidos unilateralmente por adultos, por mais sinceros e inspirados que sejam.

E na área intelectual, somente uma pessoa autônoma pode não ser ludibriada pelas tristemente famosas fakes news. É pelo menos o que certamente Piaget diria se estivesse entre nós nesses tempos estranhos…

Yves de La Taille é professor titular aposentado do Instituto de Psicologia da Universidade de São Paulo. É especialista em Psicologia do Desenvolvimento e realiza pesquisas na área da psicologia moral, tendo publicado diversos artigos e livros sobre o tema. Seu livro Moral e Ética: dimensões intelectuais e afetivas recebeu o prêmio Jabuti em 2007.