A importância do ensino da pesquisa desde o ensino fundamental
Por que o ensino da pesquisa é importante? Esta conversa poderia ocorrer em qualquer tempo histórico. Mas, na atualidade, quando a humanidade está vivendo uma crise sanitária de enormes proporções com a pandemia da Covid-19, é para a ciência que os olhares se voltam em busca de solução e esperança.
E é para a ciência e a pesquisa que me dedico a conversar nessas breves linhas, chamando a atenção para o protagonismo daquele(a) que deve ser reconhecido(a) como o(a) principal divulgador(a) e mediador(a) da ciência: o(a) professor(a).
O(A) professor(a) – de qualquer segmento ou modalidade, precisa ser reconhecido(a) e acolhido(a) pelas universidades e outros espaços de produção de pesquisa, como o(a) seu(sua) maior parceiro(a) e mediador(a) do conhecimento historicamente construído.
Sua formação precisa ser contínua, contando com a imersão nestes espaços e com a promoção do diálogo com pesquisadores de diversos campos científicos.
O papel do professor no campo científico
Considerando que o(a) professor(a) é o(a) profissional responsável pela mediação do conhecimento científico, sendo ele(a) o(a) propagador(a) dos resultados de pesquisas convertidas em saberes sistematizados por meio de materiais didáticos, é também para ele(a) que precisamos voltar o nosso olhar.
Devemos estimular e impulsionar para que produzam novos conhecimentos e venham a divulgá-los. Mas a nossa conversa vai além...
Esta imersão e experiência com a pesquisa pode ser realizada de forma autônoma ou entre pares, mas considerando que o seu papel social passa pela emancipação intelectual de outros sujeitos, o(a) professor(a) assume um dos papéis mais desafiadores no campo científico: o de formador(a) de novos(as) pesquisadores(as).
Sim! É possível e necessário que tal ação pedagógica se inicie nos anos iniciais do Ensino Fundamental.
Leia também: Novas formas de divulgação do conhecimento científico.
A ação docente, organizada e sistematizada para a formação dos seus alunos, com a finalidade de desenvolver o espírito crítico, criativo e investigativo, sempre esteve indicada na literatura.
A Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2017) recupera esta indicação, na segunda competência geral para a Educação Básica, sugerindo que os(as) alunos(as) exercitem a curiosidade, elaborem e testem hipóteses e que novas soluções sejam criadas, usando para isso, os conhecimentos de diversas disciplinas ou campos do saber. Mas como estimular a pesquisa e este espírito investigativo desde os anos iniciais?
Sugestões para docência sobre o ensino da pesquisa
Para essa parte da nossa conversa, pensei em algumas sugestões para a docência. Sugestões essas que também se originam na pesquisa e na experiência docente na Educação Básica, no Ensino Superior e na formação de professores.
1. Promova sempre uma escuta ativa e interessada dos seus alunos
Será a segurança em ser ouvido(a) pelo(a) professor(a) que os(as) deixarão seguros(as) para comunicar suas ideias, elaborar as primeiras hipóteses – ainda que iniciais e com alguma lacuna na comunicação, mas sem receio em se colocar por algum desconhecimento, sem julgamento punitivo ou qualquer avaliação classificatória.
2. Estimule a elaboração de perguntas
O percurso cognitivo realizado para elaborar perguntas, principalmente as perguntas de investigação, demanda compreensão de conceitos científicos e fenômenos.
Nesta compreensão, o(a) aluno(a) pode, em dado momento, se deparar com uma dúvida que o impede de prosseguir. Mas também pode localizar uma fagulha para uma perspectiva que não foi pensada ou não foi registrada na literatura ou relatórios de pesquisa.
3. “Sobre os ombros de gigantes”
Um dos primeiros passos do pesquisador é verificar quais são as pesquisas anteriores já realizadas. Para o nosso pesquisador iniciante, é importante que o(a) professor(a) aponte os principais espaços que disponibilizam conteúdos, resultados de pesquisa, etc.
Em tempos de ensino remoto ou híbrido, uma sugestão é fazer o levantamento de museus virtuais, bibliotecas virtuais, repositórios de objetos de aprendizagem que sejam pertinentes, e-books e sites ou redes sociais de grupos de pesquisa, que possuem dados abertos e com linguagem acessível.
Mais adiante, quando tivermos mais segurança e imunização universalizada, uma opção é sair de sala de aula e observar:
- seres vivos em seu habitat,
- fenômenos no local onde ocorrem (caso possível),
- objetos e entrevistar pessoas.
Nesta imersão no campo físico ou virtual, promovam a busca de relações entre os fenômenos/objetos/seres vivos, orientem para que seja observada a proximidade, o distanciamento e promovam a superação da reprodução do conhecimento construído por outrem.
Outra fonte possível para conciliar com as buscas que apontei aqui são os textos dos livros didáticos. Eles podem auxiliar na leitura dos dados encontrados, mas os próprios pesquisadores em formação perceberão que há certa limitação na redação, na apresentação, no detalhamento, pois o saber ali sistematizado é sempre um resumo do processo de pesquisa.
4. Estimule a documentação e registro
É por meio da coleta de dados, mas também do registro e documentação, que vamos estimulando os(as) alunos(as) a reunirem informações preciosas sobre os dados coletados, os fenômenos que observaram, registrando para si e para outros colegas que poderão acessar as suas impressões e inclusive, prosseguir os seus passos, caso necessário.
Com isso, vamos fazendo uso social da escrita, ao mesmo tempo em que impulsionamos a instituição de uma cultura da escrita cuidadosa e rica em detalhes. Também é por meio do registro que pode ocorrer a criação das primeiras categorias para classificação e organização dos dados, entre outras possibilidades.
Mas, não se atenham apenas à escrita. Ela é fundamental, mas temos outras mídias que podem ser combinadas à escrita: a fotografia e a filmagem, por exemplo.
Para tais mídias, outras orientações se fazem necessárias, como luminosidade, enquadramento, foco, mas esses critérios podem ser construídos coletivamente pela turma. Há muitos saberes discentes a serem considerados. Estejam abertos(as) para aprender com eles(as).
5. Pesquisa se faz por meio da colaboração
Para a formação dos(as) pesquisadores(as) iniciantes, sugiro o trabalho em pequenos grupos. Mas esta estratégia precisa de uma orientação mais pormenorizada do(a) professor(a). As atividades e corresponsabilidade não estão claras, tampouco são consensuais ou óbvias.
Nas primeiras atividades em grupo, é importante estabelecer papéis e funções, orientando para que haja convergência e adesão ao processo democrático, tendo em vista um bem comum. Há muito a se aprender com o olhar diverso do seu e essa abertura passa pela formação para e com os trabalhos em grupo.
6. Promova espaços de trocas por meio da comunicação oral
Para a disseminação e propagação da pesquisa em suas diversas etapas, não adotamos apenas a divulgação por meio da escrita, mas a oralidade ganha centralidade em determinada etapa da publicização dos achados da pesquisa.
Vemos as iniciativas formais de ensino investirem de forma dedicada no registro por meio da escrita, mas quando foi possível ver nossos alunos apresentando suas pesquisas, com animação e sem nervosismo? O receio da apresentação em público pode se originar de uma timidez individual, mas na maior parte das vezes vem das experiências negativas, seja em casa ou seja na escola.
Que a escola seja o espaço de divulgação das ideias e das invenções!
Leia também: Negacionismo científico e educação em ciências na escola.
Estimulando desde cedo a imersão na pesquisa, com problemas de investigação que se originaram do grupo e são pertinentes e relevantes para a turma, o desejo de divulgar pode se tornar uma ação natural.
A formalidade nas apresentações pode ser conquistada posteriormente, de acordo com a experiência e a necessidade de divulgar fora da sua turma e seus pares, mas é importante prover um clima de escuta interessada constante, de conversas e diálogos com as ideias diferentes, pois é esta cultura que vai impulsionar até mesmo os(as) tímidos(as) a ousarem cada vez mais.
As apresentações orais buscam compartilhar os achados com os colegas, descrevendo com detalhes – inclusive o que não deu certo, porquê e o que foi feito para superar as dificuldades que pareciam intransponíveis.
É o momento para se divulgar animadamente as novidades e como a curiosidade investigativa redesenhou o planejamento inicial da metodologia que seria empregada. Apresentar o percurso que efetivamente foi realizado, sem receio de julgamentos classificatórios ou avaliação extremamente fragmentada, precisa ser o pilar para deixar os alunos dos anos iniciais à vontade para comunicar.
7. A orientação docente é permanente
Nas seis sugestões anteriores, a orientação docente foi evocada, mas é fundamental enfatizar um pouco mais. Vamos falar sobre a importância de feedbacks construtivos. Toda leitura do(a) professor(a) nas etapas da pesquisa poderiam agregar mais se houver conciliação entre valorização da produção e orientações essenciais de modificação.
Talvez o modelo de feedback-sanduíche (ABREU-E-LIMA; ALVES, 2011) possa ajudar como inspiração. Pode-se começar o feedback do rascunho, com uma abordagem inicial que valoriza a produção, demonstrando compreensão da mensagem que a redação tem por intenção apresentar, no “recheio” do feedback-sanduíche constaria toda a orientação para as mudanças necessárias, dedicadas à melhoria do realizado e apontando caminhos não vislumbrados pelos(as) alunos(as) e, por fim, conclui-se o feedback com o reconhecimento do esforço empregado e uma aposta na próxima versão que será apresentada.
Concluindo nossa conversa
É importante destacar que este pesquisador(a) iniciante, além de inquieto e criativo, pode chegar com perguntas para as quais o(a) professor(a) não terá respostas! Estejamos não apenas preparados(as) para receber tais perguntas, como encontremos sentido no trabalho docente quando estas surgirem!
Sinal de que o seu trabalho docente está emancipando os estudantes, eles estão indo além, querem mais, tornaram-se curiosos, investigadores… Tal curiosidade que é nata da criança e vai se esvaindo com os moldes opressores da educação silenciadora.
Esta curiosidade investigativa não pactua com a mera busca na internet ou a ação de “Googlar” dada informação. Com o estímulo à pesquisa desenvolvido, nossos(as) alunos(as) adotarão algumas estratégias de coleta digital de informações, mas terão consciência que aquele procedimento já não basta, não responde completamente às suas perguntas, apenas apontam pistas para novas imersões investigativas.
Ousemos estimular nossos(as) alunos(as) para autoria e para pesquisa! Só assim, teremos uma sociedade que aposta na ciência, valoriza os professores e questiona narrativas apelativas e conteúdos pouco confiáveis!
Referências
ABREU-E-LIMA, Denise Martins de; ALVES, Mario Nunes. O feedback e sua importância no processo de tutoria a distância. Pro-Posições. Campinas, v. 22, n. 2 (65), 2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília, 2017.
Keite Silva de Melo
Doutora em Educação pela PUC-Rio. Professora do Ensino Superior no Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro (ISERJ/FAETEC), pesquisadora do grupo de Pesquisa Identidades e Saberes Docentes (GPIDOC/ISERJ/CNPq) e professora na rede municipal da SME de Duque de Caxias/RJ. Em 2019 foi agraciada com o Prêmio Paulo Freire, na categoria: Experiência Pedagógica no Ensino à Distância, pela Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro.