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A EPIFANIA DAS NARRATIVAS ESCOLARES

15 de julho de 2021
E-docente

Vamos falar sobre narrativas escolares?

Talvez o objetivo hoje em dia não seja descobrir o que somos, mas recusar o que somos. Temos que imaginar e construir o que poderíamos ser.

          (MICHEL FOUCAULT¹, 1995, p. 239)

Existe um amor profundo que nos acompanha desde a infância: a escuta por narrativas familiares, de amigos, histórico-culturais. São histórias que fazem a pessoa não mudar a direção do olhar e querer saber todos os detalhes.

Nós, professores(as), selecionamos com cuidado as diversas sequências narrativas para serem trabalhadas em sala de aula e causarem uma epifania nos alunos, durante as escritas por eles produzidas.

Mas, como inspirar a criatividade dos alunos, produtores de textos? Intercalando literatura e narratividade, principalmente, quando escolhemos trabalhar com contos, narrativas mais curtas para análises.

É o primeiro passo, depois poderemos sugerir a produção independente dos próprios alunos. O trecho destacado é o final do conto policial da aluna Park Clara (pseudônimo), a partir de sugestões de temas e assuntos atuais. 

(…) Quando eu iria pegar meu celular para ligar para o departamento, algo bateu em minha cabeça e eu apaguei. Acordei atordoado e ao abrir meus olhos vi a figura de João com uma pá, jogando areia em cima do meu corpo.  Era o fim… aos poucos a areia invadiu meu campo de visão e depois invadiu as minhas narinas e naquele momento eu senti que tudo havia acabado.  Estava sendo enterrado vivo com a verdade de que meu fiel companheiro era um assassino. (Texto: Engasgado com a verdade, aluna de agropecuária, IF SERTÃO PE – postado no Blog Tempo da Palavra – Textos autorais dos alunos e das alunas)

Leia também: Escrita e Pesquisa: o processo do escritor de literatura.

Apagamento do continente africano na escolha dos livros 

Esse sentimento de epifania das narrativas escolares faz com que os(as) professores(as), ao escolherem uma obra para a leitura e análise em sala de aula, como os Contos Africanos (Ed. ÁTICA, 2009), sintam que inspiraram os alunos na descoberta de possibilidades de escrita inteligíveis e de fácil acesso para os leitores, num retorno à infância.

A vontade de chorar ao ler os contos moçambicanos, dentre eles, destacam-se: O enterro da bicicleta², de Nelson Saúte ou O dia em que explodiu o Mabata-bata, de Mia Couto, foram experiências com gosto de novidade, porque no ensino, até então, havia ocorrido um completo apagamento das culturas dos países africanos: suas histórias, suas religiões, suas cosmovisões e suas lendas. Segundo Jacques e Paz Filho (2020), na revista X³:

Houve no Brasil, durante o século XX, um notável apagamento do continente africano nos livros escolares. Na mesma época em que se estudava história, descobertas, modos de vida e culturas de povos das Américas, para o continente africano ficou reservada apenas a informação de que era o lugar de onde foram trazidas as pessoas que foram escravizadas.

Com isso, pouco se estudou nas escolas brasileiras, as culturas dos países africanos: suas histórias, suas religiões, suas cosmovisões.

O trabalho com narrativas escolares deve estar integrado à vida fora da sala e isto já vem sendo dito desde os Parâmetros Curriculares Nacionais ( PCNs), os quais estão alinhados à contemporaneidade.

Os(As) professores(as) e seus alunos devem sentir os mesmos prazeres e encantamentos durante as leituras e, acima de tudo, abordar novas temáticas em sala de aula, que devem contemplar o sujeito da linguagem. 

O sujeito da linguagem nas narrativas escolares

Vivemos hoje, vários modos de pensar a vida social, apoiados em maneiras de refletir o sujeito da linguagem (e de outras áreas), já que a pandemia tirou o tapete de nossos pés e nos levou a outros direcionamentos e significados em sala de aula.

Muitos deles, o ser humano já previa, como o fato de estarmos imersos num cotidiano, permeado por avanços tecnológicos que possibilitam o ensino por meio da internet. 

Bom, como surgiram novas formas de articular os discursos, as imagens e estamos expostos a novas narrativas, sentimentos e reações, os quais temos de integrar em nossas aulas, tivemos que repensar o uso da linguagem (na forma escrita ou oral) como prática social.

Na verdade, é necessário utilizar estratégias e temáticas que denotem e mostrem as relações sociais possíveis e distintas, principalmente, quando as histórias narradas em sala de aula, por nossos alunos, trazem junto às discussões sobre temáticas de identidade, autoestima, independência e empoderamento feminino, relações de poder e gênero, de perdas, que nos atravessam em várias direções. 

Leia também: Ensino de Leitura: por que precisamos falar sobre multimodalidade?

Etiquetas identitárias

Há bem pouco tempo não era possível solicitar que os jovens produzissem textos mencionando os diferentes modos de vida social, contextualizando suas preferências, e o que nos constitui, ao mesmo tempo, como homens, mulheres, gays, heterossexuais, lésbicas, brancos, negros, pobres ou ricos – etiquetas identitárias que passam a ser valoradas em práticas discursivas ou em comunidades de práticas específicas (FÁBRICIO; LOPES, 2002) 

Escrita: uma forma de pensar e criar

A narrativa é significativa na medida em que esboça os traços da experiência temporal. As narrativas pessoais e autobiográficas são consideradas como verdadeiras performances de identidade que se concretizam na relação dialógica entre o ‘eu’ e os ‘outros’, pois “contar histórias é uma forma de fazermos coisas uns com os outros” (LOPES, 2001a, p.63).

Isto é o que os alunos devem fazer nas narrativas autobiográficas, cheia de emoção e surpresas.  O autor se torna um sujeito que se constitui ao mesmo tempo como leitor e escritor de sua própria vida. Eis o relato de um jovem ao falar sobre o hábito de se ocupar com a internet.

“Há uns tempos eu era muito fissurado em redes sociais, jogos online e atualmente apenas uso meu celular para comunicação e, às vezes, para passar o tempo, pois acredito que tudo em excesso pode atrapalhar sua vida em vários sentidos e é por isso que uso sempre com moderação. (Edu, nome fictício do aluno, fragmento retirado do Blog Tempo da Palavra, 2019)

A escrita é uma forma de pensar e criar, realmente. Certa vez, no pátio do Campus, onde a professora trabalhava, ela foi abordada por um aluno sobre a proposta de narrativa solicitada na turma dele. Com um olhar penetrante, foi confidenciado que ele havia passado algumas horas pensando e escrevendo sobre a própria vida dele.

Que as palavras lhe chegavam facilmente ao pensar na infância e na família. Finalizou dizendo que tinha apreciado a escrita de rascunhos de histórias que estavam esquecidas sobre sua própria vida adolescente, mas já com fatos marcantes da infância próxima.

Ficamos emocionados ao ver que o incentivo no processo de leitura e escrita é fundamental para os primeiros narradores. Ali ocorria mais uma vez a epifania tão desejada numa mistura de escrita de si (self written) e reflexões sobre a importância da amizade. 

Leia também: As condições de produção textual na escola.

A visão da escrita como processo de construção nas narrativas escolares

É preciso não perder de vista a visão da escrita como processo (OLIVEIRA, 2010), os objetivos das avaliações nos textos de alunos(as) pelo(a) professor(a) é ajudá-los a tomar consciência do que estão fazendo adequadamente e do que precisam melhorar. O(A) professor(a) deve avaliar os seguintes aspectos nos textos escritos:

1. A Coerência Temática

O texto deve abordar aquilo a que se propõe.

2. A Continuidade Temática Global

Não deve apresentar fugas do tema.

3. Continuidade Temática por Parágrafos

Cada parágrafo do texto deve desenvolver apenas uma ideia-controle.

4. Uso Adequado dos Mecanismos de Coesão

As conjunções devem estar semanticamente adequadas, assim como as referências estabelecidas pelos pronomes devem estar claras.

5. Uso Adequado do Vocabulário

As palavras escolhidas devem ser apropriadas tanto ao gênero textual escrito quanto ao leitor a que se dirige.

6. Adequação da Mecânica Linguística

De acordo com o gênero textual, o texto deve conter a necessária correção de ortografia, acentuação, pontuação e concordância.

Com esses pequenos procedimentos, assegura-se, desta forma, uma atividade processual porque os(as) professores(as) irão ler e reler os textos de seus estudantes, comentá-los e sugerir algumas alterações positivas nas narrativas, enviadas por e-mail, whatsapp, postados nas redes sociais dos alunos, após as leituras do(as) professor(as). 

Glossário

  1. Foucault apud Fabrício, B. f. F. e Moita Lopes, L. P. Discursos e vertigens: identidades em xeque em narrativas contemporâneas. Veredas, Juiz de Fora, MG. V.6, nº 02. Jul/dez.2002.
  2. SAÚTE, Nelson. Os Contos Africanos dos Países de Língua Portuguesa. Coleção Para Gostar de Ler. Editora Ática, 2009.
  3. JACQUES, J. M; PAZ FILHO, L. A. S. In.: Revista X, v.15, n.7, p. 544-561, 2020.

Referências: 

FABRÍCIO, B. F. F. e MOITA LOPES, L. P. Discursos e vertigens: identidades em xeque em narrativas contemporâneas. Veredas, Juiz de Fora, MG. V.6, nº 02. Jul/dez.2002.

JACQUES, J. M; PAZ FILHO, L. A. S. In.: Revista X, v.15, n.7, p. 544-561, 2020.

LOPES, L. P. M. Práticas narrativas como espaço de construção das identidades sociais: uma abordagem socioconstrucionista. In. ROBEIRO, B; LIMA, C; DANTAS, M. T. (Org.) Narrativa, identidade e clínica. Rio de Janeiro: Ed. IPUB-CUCA, 2001 a.

OLIVEIRA, Luciano Amaral. Coisas que todo professor de português precisa saber – a teoria na prática. São Paulo: Parábola Editorial, 2010.

SAÚTE, Nelson. Os Contos Africanos dos Países de Língua Portuguesa. Coleção Para Gostar de Ler. Editora Ática, 2009.

Antonise Coelho de Aquino

Professora aposentada em Língua Portuguesa do IF SERTÃO PE- Petrolina- PE. Criadora do Blog/site Tempo da Palavra (www.tempodapalavra.com) no blogspot. Mestrado em Sociologia pela UFPE. Especialista em Metodologia do Ensino da Língua Portuguesa. Instagram: antonise.revisora. Autora do Livro em Ciências Sociais: Ilha do Massangano: a terceira margem no Velho Chico – Editora Appris, 2021. 

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