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Vacinar ou não vacinar, eis a questão: como abordar as famílias sobre a vacinação de crianças e adolescentes?

30 de novembro de 2023
E-docente

A famosa frase de William Shakespeare em “Hamlet”, “Ser ou não ser, eis a questão”, é emprestada para dar início a esse texto com certa atmosfera de dúvida e certamente, convidar à reflexão. Dúvida esta que paira – ou pairou – na mente de diversos pais e mães nos últimos tempos: vacinar ou não vacinar, eis a questão.

Antes da pandemia de COVID-19 causada pelo SARS-CoV-2, a imagem de crianças tomando vacina em postos de saúde no Brasil era muito mais frequente, e os questionamentos da importância, quase inexistentes.

A importância da vacinação como uma estratégia coletiva para promover a saúde infantil, visando aumentar a expectativa de vida mediante a redução das taxas de mortalidade, constituía argumentos suficientes para que as famílias tomassem prontamente a decisão de vacinar seus filhos e filhas.

A COVID-19 exigiu da comunidade científica a criação de uma vacina em tempo recorde, com o objetivo de retirar a população do grave contexto de saúde pública que resultou em um acúmulo assustador de mortes e pessoas com importantes sequelas em todo o mundo.

Veio o movimento antivacina e…

Aproveitando-se desse cenário, movimentos antivacina ganharam força, negando a ciência, a qualidade dos imunizantes, o processo de vacinação e a real necessidade da manutenção do calendário vacinal.

Isso ocorreu, em grande medida, devido ao delicado cenário político-econômico nacional e internacional, à rápida disseminação de informações sem respaldo científico e teorias conspiracionistas, e ao medo em face da nova vacina.

Diante disso, as coberturas vacinais planejadas pelo Plano Nacional de Imunização foram diminuindo no Brasil, tornando a população mais suscetível a diversas doenças e com isso, acende-se uma importante luz de alerta.

o declínio na vacinação
A magnitude do declínio da vacinação no Brasil. Material extraído do artigo “O tombo na vacinação infantil”, publicado na Revista FAPESP em 25/02/2022.

Compreendendo que a escola é um ambiente potente para a implementação de currículos e projetos pedagógicos alinhados às demandas atuais, torna-se essencial promover o diálogo sobre a importância da vacinação com toda a comunidade escolar, envolvendo estudantes, professores/as, técnicos/as em educação, terceirizados/as e, especialmente, às famílias dos/as alunos/as.

São as mães e os pais, responsáveis legais pelas crianças e adolescentes, que detêm o poder decisório em relação à vacinação nessa fase. O trabalho com esse grupo, por meio de ações promovidas pela escola, torna-se fundamental quando se pensa na construção de uma sociedade saudável e eticamente comprometida com o bem-estar coletivo.

O debate sobre vacinação a partir da triangulação entre a escola, família e a sociedade

O espaço escolar, por excelência, é plural e diverso. É dentro desse local multicultural que vários pontos de vista são colocados nos debates que ocorrem no chão da escola. Crianças e adolescentes trazem cotidianamente vivências do contexto familiar, com valores e aprendizados diversos.

Tudo o que é trazido merece um cuidadoso olhar da equipe pedagógica, de forma que os direitos fundamentais e o respeito às diferenças sejam garantidos no debate e na aprendizagem coletiva.

Se algumas pautas são difíceis para o trabalho com os/as estudantes que estão envolvidos/as cotidianamente nessa atmosfera plural, por óbvio, trabalhar com as famílias que estão mais envolvidas em outros círculos sociais pode ser um desafio ainda maior.

  • Como abordar com pais e mães a vacinação em crianças?
  • De que forma trazer a família para essa reflexão sem transformar a escola em um espaço de discussões cansativas, desinteressantes e desgastantes?
  • Como fazer com que as famílias compreendam a importância da vacinação como uma via de promoção de saúde em um contexto de negacionismo à ciência?
  • Que vivências podemos promover com o objetivo de sensibilizar a comunidade escolar para o fortalecimento de uma rede de incentivo à vacinação?
  • Através de quais práticas incentivamos uma vida em uma sociedade mais saudável?

Certamente, as respostas a essas questões são complexas, e as saídas, difíceis, mas algumas pistas interessantes podem ser seguidas.

Integração entre família, escola e equipe pedagógica

A proposta de um trabalho integrado que coloque as famílias no centro do processo é um caminho promissor. Que tal as famílias atuarem como protagonistas e a escola garantir, por meio de momentos de oficinas, espaços de fala e diálogo entre os pares?

A equipe pedagógica pode atuar como mediadora, fazendo a curadoria de materiais com qualidade científica, porém, com linguagem de fácil acesso e que contemplem o contexto local.

calendário nacional de vacinação
Calendário de vacinação da criança (até 6 meses). Para acessar o calendário de vacinação da criança completo, bem como o calendário de vacinação do adolescente, de adultos, idosos e da gestante, acessar o site do Ministério da Saúde.

Que tal fazer o resgate histórico das boas experiências?

A horizontalização do debate a partir de materiais instigantes, como textos, vídeos e podcasts de importantes instituições de saúde, pode contribuir significativamente para o trabalho.

É fundamental pensar na complexidade do tema, provocando reflexões sobre a vacinação como direito de toda a população brasileira, independentemente de classe social e das massacrantes desigualdades.

Temos ótimas experiências de campanhas de vacinação. Podemos trazer um pouco da história da Saúde Pública de um passado distante, não vivido por essa geração.

Podemos também fazer o resgate de exemplos de campanhas de imunização de um passado mais recente, presenciado pelas pessoas adultas das famílias. Isso ajudará nas reflexões sobre o presente e o futuro, fazendo muito mais sentido e potencializando as chances de compreensão da importância da vacinação.

O Brasil conta com 50 anos de história do Plano Nacional de Imunização (PNI) e 70 anos de criação do Ministério da Saúde. Existe muita história interessante a partir da imunização da Varíola, Poliomielite, Sarampo, Rubéola, Febre Amarela dentre outras.

Além disso, é fundamental estabelecer momentos para dialogar sobre o PNI como modelo mundial dentro das diretrizes previstas pelo Sistema Único de Saúde. 

Uma interessante articulação entre docentes das Ciências da Natureza, Matemática, Linguagens e Ciências Humanas pode gerar trabalhos inter e transdisciplinares que envolvam toda a comunidade escolar.

Do ponto de vista da saúde pública, é inegável a importância da vacinação e do diálogo com a comunidade escolar sobre essa temática.

Do ponto de vista da educação científica, esse debate ainda é um enorme desafio diante da complexidade do tema, das dificuldades de compreensão de uma parcela considerável da população e da atmosfera negacionista que se estabeleceu no mundo após a pandemia da COVID-19.

Conclusão

Vivemos em um país com grande diversidade de cultura, cenários e com um enorme território, registrando 5570 municípios (IBGE, 2023).

Os desafios para o PNI são inúmeros dentro da complexidade operacional para atender todos que possuem direito à vacinação e isso, por si só, já é um grande desafio. De povos indígenas à população periférica, de crianças à idosos acamados, de empresários a desempregados.

Todos possuem igualdade de direito, o que inclui o acesso às ações e serviços para promoção, proteção e recuperação da saúde, conforme previsto no Art. 196 da Constituição Federal.

Precisamos minimizar os outros desafios através do fortalecimento da importância da vacinação e da busca por ela. É fundamental debater sobre as liberdades individuais, convidando à reflexão de que estas não podem sobressair sobre o direito coletivo sobre a saúde.

As taxas de cobertura vacinais despencaram em todo o mundo e muito do que temos conseguido controlar, ao longo de décadas de campanhas, pode decair e chegar a situações alarmantes. É momento de retomar a frequência cotidiana da imagem de crianças tomando vacina.

Através de vivências escolares ampliadas, podemos promover reflexões para a mudança dessa forma de pensar, e (re)conquistar gradativamente, tanto as altas coberturas vacinais quanto a confiança na ciência.

Referências

1- Ministério da Saúde. Programa Nacional de Imunização. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/acesso-a-informacao/acoes-e-programas/programa-nacional-de-imunizacoes-vacinacao

2- Ministério da Saúde. Calendário de Vacinação. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/vacinacao/calendario

3- Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Número de Municípios. Disponível em: https://www.ibge.gov.br/cidades-e-estados.html

4- Fundação Oswaldo Cruz. PNI completa 50 anos e Fiocruz se prepara para ampliar parceria. Disponível em: https://portal.fiocruz.br/noticia/pni-completa-50-anos-e-fiocruz-se-prepara-para-ampliar-parceria

5- Organização Panamericana de Saúde. Imunização. Disponível em: https://www.paho.org/pt/imunizacao

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