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Afinal, o que é letramento?

11 de abril de 2023
E-docente

Se você tem dúvidas sobre o que é letramento, saiba que não está sozinho!

Em qualquer contexto em que discutimos sobre leitura e escrita, é unânime as pessoas reconhecerem a importância dessas duas práticas tanto para o acesso ao conhecimento quanto para as chamadas “consequências” desse acesso, com discussão mais abrangente sobre a questão do letramento.

Quer saber mais sobre o que é letramento?
Então, confira o conteúdo sobre o tema!

Entenda o que é letramento

Entenda o que é letramento

É comum, por exemplo, dizer-se que quem sabe ler e escrever enxerga o mundo de maneira “melhor e mais ampla”.

São desdobramentos desse entendimento acreditar que quem sabe ler e escrever:

  • tem mais cultura; 
  • é mais inteligente; 
  • consegue emprego mais facilmente; 
  • tem potencial para exercer funções de hierarquias mais elevadas; 
  • passa a ter cada vez mais poder aquisitivo, etc. (Será mesmo tudo isso?).

Essa percepção de que saber ler e escrever está ligado a melhores condições intelectuais, sociais e econômicas para os indivíduos faz com que a escola, e a sociedade como um todo, valorizem bastante essa aprendizagem pelos(as) alunos(as). 

Mas, apesar de ser bastante influente, a abordagem tradicional não é a única maneira de interpretar esses dois processos.

Podemos pensá-los também numa perspectiva sociocultural. Quais são as diferenças entre compreender a leitura e a escrita por essas duas abordagens? É o que apresentaremos a seguir.

A abordagem tradicional de letramento

A abordagem tradicional, também chamada de letramento na perspectiva autônoma, até a década de 1970, foi considerada a única maneira de se entender a leitura e a escrita. 

Ela é considerada tradicional porque está na base dos primeiros estudos sobre leitura e escrita e permanece até hoje sendo considerada a noção legítima, mais amplamente reconhecida, portanto, consagrada. Essa abordagem é caracterizada por: 

  • Entender a leitura e a escrita como um conjunto de habilidades individuais. O aluno(a) é treinado em aspectos linguísticos e cognitivos centrados na relação autor-texto.
  • Ter essas habilidades individuais como universais e homogêneas. Isso quer dizer que uma vez apreendidas, as regras podem ser aplicadas a qualquer contexto, não havendo variações de uso. Por isso, também sua nomenclatura é escrita no singular: letramento.
  • Compreender, por consequência, que a leitura e a escrita é algo meramente técnico e que em nada tem a ver com a identidade, os sentidos, os valores, as crenças das pessoas. Ou seja, é algo neutro e autônomo, separado das práticas culturais, das instâncias de atuação dos sujeitos.
  • Acreditar na leitura e na escrita como condições mentalistas e evolucionistas. Ou seja, uma vez dominadas, essas habilidades garantem o progresso econômico, a mobilidade social, a erudição dos indivíduos.
  • Classificar as pessoas como letradas e iletradas, segregando-as intelectual e socialmente. Ou seja, defende que os indivíduos e as sociedades que privilegiam a escrita são superiores aos indivíduos que não sabem ler e escrever e/ou às sociedades ágrafas. 

Esse modelo de letramento é o mais comum por ser o modelo divulgado pela mídia, pelas políticas públicas, e, por consequência, pelas instituições educacionais e pelos organismos internacionais, tendo por base a perspectiva capitalista de desenvolvimento humano.

Entretanto, atualmente, não é o único modelo, como veremos a seguir. 

A abordagem sociocultural de leitura e escrita

Esta abordagem foi construída a partir de pesquisas etnográficas internacionais desenvolvidas a partir da década de 1980, como reação crítica à abordagem tradicional/autônoma, conforme desenvolvido pelos estudiosos britânicos Shirley Heath (1982) e Brian Street (1984).

É chamada de sociocultural e é percebida a partir do modelo ideológico de letramento porque considera a leitura e a escrita como práticas sociais em que consideradas não apenas a dimensões linguística e cognitiva da leitura e da escrita, mas também a dimensão cultural, contextual. 

De maneira mais específica, essa abordagem é caracterizada por:

  • Compreender a leitura e a escrita como atividades sociocognitivas situadas em eventos de letramento, ou seja, situações em que a escrita medeia a interação entre as pessoas, conforme definido por Heath (1982). Isto é, as estratégias de leitura e escrita mobilizadas pelas pessoas variam segundo o lugar, o tempo histórico e imediato, as posições e funções sociais que elas ocupam nesses diferentes contextos. Por isso, a nomenclatura é utilizada no plural: letramentos.
  • Considerar também que, ao ler e escrever, as pessoas produzem sentido, levando em conta suas crenças, seus valores, suas experiências de vida; ao mesmo tempo, (re)constroem identidades e exercem relações de poder mediadas pela leitura e escrita, como pensado por Street (1984; 2010).
  • Reconhecer, portanto, que existem práticas de leitura e escrita tanto dominantes/prestigiadas quanto minoritárias/desprestigiadas, e que estas podem ser concomitantes, em contextos formais ou informais. 
Box 1 - letramento

Exercer a leitura e a escrita como meio para agir socialmente. Portanto, também é dentro das práticas sociais e culturais que as pessoas se apropriam, processualmente, das maneiras de ler e escrever, e, por meio delas, agem, considerando todos os aspectos acima citados.

Porque é nas atividades sociais que a leitura e a escrita têm sentido, não sendo algo técnico apenas, embora seja possível refletir sobre diferentes estratégias dentro dos diferentes eventos de letramento.   

Conclusão letramento

Conclusão

A abordagem sociocultural dos letramentos, embora esteja diretamente ligada à realidade prática das pessoas, ainda é considerada recente, alternativa e ganha cada vez mais sentido nos documentos educacionais e exames oficiais, a exemplo da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) e do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

O intuito deste artigo foi apresentar que existem diferentes maneiras de se conceber os letramentos.

Ambas são legítimas, mas é importante frisar que a escolha de um ou outro modelo/concepção constitui o posicionamento político do(a) professor(a), o projeto de sujeito e de sociedade para o qual ele(a) contribui ao ajudar a formar. 

Conforme o professor Wanderley Geraldi (2006, p. 40-41):

Box 2 - letramento

Qual é o seu projeto de letramento? Desejo que esta apresentação seja o ponto de partida para reflexões mais aprofundadas, o que você pode fazer com as sugestões de leitura a seguir.

Para saber mais

GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In: _____ (Org.). O texto na sala de aula. 4. ed. São Paulo: Ática: 2006, p. 39-46.

GERALDI, João Wanderley. A aula como acontecimento. São Carlos: Pedro & João Editores, 2010, p. 33-37.

STREET, Brian. Literacy in Theory and Practice. Cambridge: Cambridge University Press, 1984.

STREET, Brian. Os Novos Estudos Sobre o Letramento: histórico e perspectivas. In: MARINHO, Marildes; CARVALHO, Gilcinei Teodoro (Orgs.). Cultura Escrita e Letramento. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2010, p. 33-53.

STREET, Brian. Eventos de letramento e práticas de letramento: teoria e prática nos Novos Estudos do Letramento. In: MAGALHÃES, Izabel (Org.). Discursos e Práticas de Letramento: pesquisa etnográfica e formação de professores. Campinas, SP: Mercado de Letras, 2012, p. 69-92.

TINOCO, Glícia M. Azevedo de M. Projetos de Letramento: ação e formação de professores de língua materna. 254 f. Tese (Doutorado) – Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem. Campinas, SP: [s.n.], 2008.

Gostou de saber mais sobre o que é letramento? Então, confira nosso conteúdo sobre oralidade letrada na sala de aula!

Izabela Pereira de Fraga é doutoranda e mestre em Educação (PPGEdu/UFPE), na linha de pesquisa Educação e Linguagem, investigando práticas de letramento acadêmico. É também licenciada em Letras Português e Espanhol (UFRPE). Atua como revisora de textos em português. Tem experiência com formação inicial e continuada de professores da Educação Básica com ênfase na área de Língua Portuguesa. É integrante do Grupo de Pesquisa em Alfabetização, Linguagem e Colonialidade (GPEALE), vinculado à Universidade Federal de São João Del-Rei (UFSJ) e da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e registrado no CNPq. E-mail: izabela.fraga@ufpe.br

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