TRÊS IDEIAS DE VYGOTSKY PARA PENSAR A EDUCAÇÃO
Lev Semionovich Vygotsky (Belarus, 1896-1934), principal representante da chamada abordagem histórico-cultural, produziu uma vasta obra sobre o funcionamento psicológico dos seres humanos. Os princípios básicos que fundamentam sua teoria podem ser assim enunciados:
- o psiquismo é tomado não como um fenômeno do indivíduo, encapsulado em um corpo ou em uma mente individual. É como um processo historicamente constituído, no qual a relação entre os sujeitos no interior de situações culturalmente estruturadas é fundamental.
- é essencial estudar e compreender o pertencimento do homem ao mundo biológico, como membro de uma espécie animal, e ao mundo histórico e cultural, no qual se encontra inserido, e como esses mundos interagem na constituição do sujeito tipicamente humano.
As 3 proposições fundamentais de Vygotsky
As ideias de Vygotsky que têm particular relevância para a educação dizem respeito à educação escolar e também aos processos educativos que ocorrem fora da escola. Podem ser sintetizadas em três proposições fundamentais:
1. O DESENVOLVIMENTO DEVE SER OLHADO DE MANEIRA PROSPECTIVA, ISTO É, PARA AQUILO QUE ESTÁ POR VIR:
- Em contraste com o foco nas conquistas já consolidadas no desenvolvimento do sujeito, Vygotsky enfatiza a importância dos processos de transformação, da emergência daquilo que é novo. Em qualquer idade e em qualquer situação, o sujeito sempre aprende, sempre se transforma.
- É com essa preocupação com a emergência da novidade que Vygotsky cria o conceito de Zona de Desenvolvimento Proximal. Se refere a um espaço onde se encontram, funções psicológicas ainda não consolidadas, mas já presentes em estado embrionário. Esse é o espaço privilegiado para a compreensão dos processos de desenvolvimento e para a intervenção educativa.
2. OS PROCESSOS DE APRENDIZADO MOVIMENTAM PROCESSOS DE DESENVOLVIMENTO:
- A trajetória do desenvolvimento é postulada por Vygotsky como ocorrendo “de fora para dentro”. Isto é, o sujeito se desenvolve por estar constantemente submetido a processos de aprendizagem no meio em que vive.
- Aqui há um contraste importante com as ideias de Piaget. De forma simplificada, podemos dizer que Piaget concentra-se nos processos de desenvolvimento que possibilitam aprendizagem. Enquanto isso, Vygotsky focaliza sua atenção nos processos de aprendizagem que promovem desenvolvimento.
3. A ATUAÇÃO DOS OUTROS MEMBROS DO GRUPO CULTURAL É ESSENCIAL NA MEDIAÇÃO ENTRE A CULTURA E O SUJEITO:
- Processos interpsicológicos (aqueles que ocorrem na relação entre pessoas), serão posteriormente internalizados e se tornarão processos intrapsicológicos, reconstruídos no interior do sujeito.
- Essa mediação acontece tanto pela imersão do sujeito em ambientes, situações e atividades culturais, quanto pela intervenção deliberada de membros mais maduros da cultura na promoção do desenvolvimento.
- Nas sociedades escolarizadas, a escola é uma instituição essencial na promoção de processos de desenvolvimento psicológico que não ocorreriam espontaneamente.
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É importante destacar algumas peculiaridades do ensino escolar:
a) O ato pedagógico é intencional, afastando-se daquilo que é “espontâneo” ou “natural”.
b) O bom ensino é aquele que se adianta ao desenvolvimento.
c) A escola é um lugar de ruptura com o mundo cotidiano, cujo foco está nas modalidades de pensamento diferentes daquelas predominantes no senso comum; destacam-se aqui a língua escrita, o pensamento científico e o pensamento teórico.
d) A escola é um lugar de transcendência – ao trabalhar com conceitos abstratos, com corpos de conhecimento organizados em sistemas conceituais, com saberes não referenciados ao mundo da experiência sensível nem ao campo das vivências concretas de cada sujeito, a escola promove o descolamento do indivíduo das situações práticas vivenciadas, da experiência pessoal e das informações perceptuais imediatas. Favorece o desenvolvimento de pensamento descontextualizado, reflexão, análise, planejamento e autorregulação.
Marta Kohl de Oliveira
Docente aposentada da Faculdade de Educação da USP (área de Psicologia da Educação), estudiosa da psicologia histórico-cultural, pesquisadora das relações entre desenvolvimento psicológico e práticas culturais, com foco no problema das relações entre escolarização e desenvolvimento do pensamento. Tem graduação em Pedagogia pela Faculdade de Educação da USP, mestrado e doutorado em Psicologia da Educação pela Universidade de Stanford e pós-doutorado junto ao Laboratory of Comparative Human Cognition, da Universidade da Califórnia, San Diego.
É autora de “Vygotsky: aprendizado e desenvolvimento, um processo sócio-histórico” (Scipione, 1993) e de “Cultura e Psicologia: questões sobre o desenvolvimento do adulto” (Hucitec, 2009), co-autora de “Piaget, Vygotsky, Wallon” (Summus, 1992) e de “Piaget, Vygotsky: novas contribuições para o debate” (Ática, 1993) e co-organizadora de “Literacy in human development” (Ablex, 1998), “Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem” (Ícone, 1988) “Investigações cognitivas: conceitos, linguagem e cultura” (Artes Médicas, 1999), “Ofício de professor: aprender para ensinar” (Fundação Victor Civita, 2001) e de “Psicologia, Educação e as temáticas da vida contemporânea” (Moderna, 2002).