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Volta às aulas pós-COVID19: vamos conversar sobre isso?

6 de agosto de 2020
E-docente

Sempre que uma situação atípica nos acomete e a escola precisa interromper as aulas por tempo indeterminado, é comum que os professores se sintam inseguros e até mesmo preocupados por ter o seu planejamento interrompido.

Diferente do início do ano letivo, em que o clima é de expectativa pelo novo, pelo reencontro, pelo uso de novos materiais escolares, e a atmosfera era de “festa”, no retorno às aulas, pós-Covid-19, será hora de retomar algo que inesperadamente nos fez parar. 

A interrupção do ano letivo por situações pouco comuns muda o cenário “volta às aulas”. O professor sabe da sua dupla responsabilidade e muitas vezes se pega ansioso para dar conta de tantas coisas, quase ao mesmo tempo.

É como quando fazemos uma festa em casa. Depois que os convidados vão embora, nos damos conta de que toda a casa está muito desarrumada e precisamos, em pouco tempo, deixar tudo limpo e organizado.

Mas nesse caso não foi uma “festa”, não foram férias. Pelo contrário, o mundo parou para ver a nossa falta de potencialidade em torno de algo que não vemos, mas que se materializa da forma mais triste e ameaçadora: pode nos adoecer, pode levar nossos entes queridos.

Dentro desse cenário, convidamos os professores a conversar sobre a retomada do seu trabalho.

Volta às aulas: O planejamento e a possível retomada

Por onde começar? Como começar? Essas perguntas provavelmente serão as primeiras que surgirão ao reavermos o planejamento. Creio que não dá para fazer aquelas “velhas perguntas”: Como foram esses dias em casa? O que fizeram?

Em primeiro lugar, não foi um período de férias. E, mais sério do que isso, nem sempre conseguimos saber o que cada uma das crianças viveu neste período ou como foram convidadas, pelas suas famílias, a viverem as experiências.

Pode ser que alguma criança tenha vivido a perda de um ente querido, pode ser que tenha convivido com alguém em crise psicológica, em depressão ou até mesmo com pânico.

Precisamos de um planejamento sensível, com uma escuta sensível (René Barbier, 1997). 

Acesse já o material para download: Guia de orientações no contexto da pandemia de Covid-19.

Planejamento sensível

Uma das escolhas que faço, quando a conversa é com as crianças e, principalmente, quando a conversa é difícil, é começar pelas histórias.

As histórias possibilitam uma interlocução fantástica com crianças de qualquer idade, já que permitem a ludicidade, a socialização e a própria construção da identidade, dentre outros aspectos. As narrativas das crianças, tecidas pelos fios das histórias, podem contribuir para trazer os aspectos psicológicos das experiências.

Como sugestão, trago a história “A ilha dos sentimentos”, de Reinilson Câmara. Para as crianças da Educação Infantil e Anos Iniciais do Ensino Fundamental, esta história pode ser contada por meio de gravuras e cenários construídos pelo professor. Já para o público mais velho, a leitura por parte do professor pode ser um bom pontapé inicial.

Independentemente da escolha da história feita pelo professor, é importante que o conteúdo possa instigar a criança, naturalmente, ao desejo de falar, compartilhar suas questões, suas emoções. Provavelmente surja a temática Covid-19 e, com ela, a questão de cada um.

Tais questões tomarão maior ou menor proporção de acordo com a idade das crianças, as experiências e a sensibilidade de cada professor. 

Uma dica interessante é também criar o quadro dos emojis. Para este momento, indicaria não usar vários emojis, mas focar naqueles que possibilitarão ao professor perceber como as crianças chegaram à escola após o período de isolamento social.

Algumas crianças não se sentem à vontade para falar dos seus sentimentos no grupo. O professor pode aproximar a conversa mais íntima com a criança que apresenta, por exemplo, raiva, medo ou tristeza.

Exemplos de emojis:

Antes de iniciar a aula formal, proporcione um longo tempo para os alunos matarem a saudade. Dê a eles espaço para conversarem, brincarem e trocarem afagos. Se não houver restrições ao contato físico, proponha longos abraços.

E vamos à aula?

Como relatei, no início, é natural que o professor se sinta ansioso em dar conta de todas as temáticas que estão previstas em seu planejamento. Ele bem sabe que, se as aulas forem prorrogadas, por exemplo, o ano letivo poderá se tornar cansativo, menos proveitoso, uma vez que ele mal começou a trilhar o Novo Currículo previsto pela BNCC e tudo parou.

Contudo, precisamos ser prudentes. De nada adianta correr com os assuntos, quando o mundo contemporâneo clama por uma escola que busque a contextualização do que é ensinado.

O que requer um tempo maior de trabalho didático, porque o assunto ou o texto é argumentativo e reflexivo e o momento requer um olhar mais cuidadoso com as relações socioemocionais. 

Hoje, após a contemplação de alguns documentos legais e normativos, como a Constituição Federal (1988), a LDB (1996), as DCN (2014/15) e a própria BNCC (2017/18), entendemos que o pensamento se dá, dentre outros aspectos, com o estímulo da contextualização.

Práticas de organização do tempo

Dentro deste contexto, sugerimos algumas possíveis práticas para se organizar melhor o tempo:

  1. O professor pode lançar mão de abrir um estudo no coletivo, ou seja, todos leem juntos ou acompanham a leitura do professor e respondem as questões juntos, chegam à conclusão da melhor resposta e essa resposta será a de todos. Isso facilita também a correção das tarefas, além de ajudar a criança que tem menor repertório a dar uma resposta sobre um determinado assunto.
  2. O professor pode iniciar a aula com a explicação do assunto, sempre procurando associar o conteúdo à vida do ser humano, lançar perguntas que requerem maior reflexão e levantamento de hipóteses. Antes, porém, deve colocar as crianças em dupla e, propositalmente, formar as duplas no seguinte formato: alunos que apresentam um  maior repertório argumentativo com alunos que ainda apresentam dificuldade em expor suas opiniões (lembrar a todos que as duplas serão desafiadas a dar respostas corretas, instigando a participação de todos). As respostas devem ser construídas em duplas. Cada dupla expõe a sua resposta, o professor pode tomar pontos importantes de diferentes falas e, no final, podem juntos construir uma única resposta.
  3. Qual é a vantagem da única resposta? Lançar mão desta prática, algumas vezes, é possibilitar à criança uma reflexão, contextualização e argumentação mais ampliada. É garantir que o conteúdo seja aplicado e que não esteja inerente à proposta significativa e que tenhamos como base a realidade do lugar e do tempo nos quais as crianças estão inseridas.

Caminhos incertos na volta às aulas?

Talvez a humanidade esteja caminhando da forma mais incerta que poderíamos imaginar. As gerações mais próximas de nós e com mais tempo de vida, como os bisavós e avós, têm muito a contar para as gerações mais jovens, mas provavelmente nada parecido com a Covid-19.

São caminhos incertos, que o mundo descortina a cada segundo, através dos meios de comunicação. Em tempo recorde, sabemos o que se passa no mundo, quantas vítimas, o tamanho da ameaça, o cenário político, a fragilidade de alguns países, o risco que correm os trabalhadores que não podem parar. E quantas dessas pessoas não fazem parte da família de nossas crianças?

Chegaremos todos muito sensibilizados e fragilizados, então professor, é hora de olhar para a sala de aula com outros olhos. Nunca pensamos que a BNCC estaria tão viva dentro da nossa escola, quando propõe um currículo pautado na vida.

Confira também nosso artigo sobre desafios e possibilidades de gestão em períodos de pandemia.

Karla Berbat
Assessora Pedagógica das Editoras Ática, Scipione e Saraiva

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CÂMARA. Ciência, filosofia e religião. [S.I] [2010]

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