A ênfase no trabalho com textos argumentativos no Ensino Médio
O Ensino Médio é uma etapa que costuma ser cercada de muitos desafios por parte dos professores e de muita ansiedade por partes dos alunos. Por um lado, os desafios, como sabemos, envolvem a retomada de objetos de conhecimento já vistos ao longo do Ensino Fundamental e a apresentação e o aprofundamento de novos saberes para um público que está atravessando a adolescência, o que implica o desenvolvimento de uma prática conectada às transformações desse público e à sua linguagem em transformação ainda mais acelerada. Por outro lado, a ansiedade dos alunos reside na pressão social por resultados na etapa final da Educação Básica, na consolidação de uma identidade ainda em construção, na escolha profissional e na preparação para os vestibulares.
A importância do texto argumentativo no Ensino Médio e no Enem
Nesse contexto, se olharmos para as aulas de língua portuguesa e para as exigências dos vestibulares, com ênfase no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), um tipo textual se destaca a partir de produções de um gênero discursivo praticamente onipresente em todo os três anos de Ensino Médio; trata-se do texto argumentativo. Nessa nossa breve reflexão, veremos, então, como desenvolver atividades que não desconsiderem essa produção textual tão importante para os alunos do Ensino Médio, ao mesmo tempo que levem em conta as particularidades do momento de vida pelo qual os estudantes estão passando.
O que é um texto argumentativo?
Primeiramente, cabe entendermos melhor do que se trata a produção de um texto argumentativo. De modo bem sucinto, podemos dizer que uma redação argumentativa é uma forma de defender, por escrito, um ponto de vista sobre determinado assunto; essa defesa é estruturada a partir da apresentação de uma tese, ou seja, uma ideia principal do autor, e dos argumentos propriamente ditos, que são as formas encontradas para justificar a defesa da tese.
Estratégias argumentativas
Nesse processo de defender um ponto de vista, o autor pode optar por várias estratégias, sendo algumas das mais conhecidas: o uso de argumento de autoridade, a argumentação por exemplificação, a argumentação por concessão, por redução ao absurdo, a contra-argumentação, dentre outras.
O texto argumentativo no Enem
No Enem, esse tipo de produção ganha destaque, pois é a tipologia exigida na redação que todos devem realizar. No primeiro domingo desse exame, os candidatos devem, nas 5h30 de prova, além de responder a 45 questões da área de Linguagens e 45 questões relacionadas às Ciências Humanas, produzir uma dissertação-argumentativa sobre tema a que só terão acesso no momento da escrita. Acompanhando o tema, a prova disponibiliza textos motivadores cuja intenção é contextualizar o assunto da redação. Tal produção tem um valor de 1.000 pontos e é corrigida a partir de cinco competências, que buscam identificar, basicamente: o domínio da escrita formal, o entendimento do tema e do gênero textual, o uso de repertório sociocultural, a organização das ideias (coerência), o projeto de texto, o encadeamento textual e uso de conectivos e elementos de retomada (coesão) e a qualidade da proposta de intervenção contida ao final do texto.
Críticas à proposta de redação do Enem
Muitas são as críticas ao modo como a proposta do Enem é, não só encaminhada, mas também avaliada. Uma das principais reside no fato de esse tipo de escrita não ser capaz de avaliar, de maneira produtiva, se o candidato realmente consegue se expressar por escrito de modo coerente, mas tão somente se ele é capaz de decorar uma estrutura básica e usá-la de modo mecânico. Outra crítica recai sobre a exigência de uma “proposta de intervenção”, em que o estudante deve elaborar alguma possível solução para o problema apresentado no tema da redação, algo complexo até mesmo para especialistas nos assuntos tematizados.
Seja como for, fato é que a pontuação dessa redação dissertativa-argumentativa traz o maior peso dentre todas as questões do Enem, correspondendo a 20% do total da pontuação, contribuindo muito para o aumento da média geral obtida nas provas objetivas, o que desperta tanto interesse nos alunos em se sair bem nessa etapa.
A produção argumentativa nas aulas de língua portuguesa
Tendo explicado essa importância da redação para o Enem e do tipo de texto cobrado, conseguimos entender por que boa parte do que é produzido nas aulas de língua portuguesa do Ensino Médio gira em torno da produção argumentativa, como, por exemplo, através da escrita das crônicas argumentativas, dos artigos de opinião ou das resenhas críticas.
Se, portanto, estamos tratando de um conteúdo tão relevante não só para o futuro acadêmico dos estudantes, mas também para o desenvolvimento de suas habilidades de exposição e justificativa de suas opiniões, cabe, então, pensarmos em como realizar essa abordagem de maneira produtiva.
Inicialmente, antes de qualquer tentativa de simular a realização de uma redação modelo Enem ou de levar para a sala de aula temas sociais que exigiriam um maior arcabouço de saberes, podemos começar com temas que dialogam com a realidade e as vivências dos adolescentes, alternando entre aqueles assuntos mais pontuais do nosso momento histórico e aqueles que permeiam a discussão pública há bastante tempo.
Exemplo prático: a proibição de celulares em sala de aula
Dentre os temas pontuais, ganhou bastante relevo no último ano a discussão sobre a criação de uma lei que proíbe o uso de celulares dentro de sala de aula. A abordagem pode começar com o docente apresentando essa problemática e pedindo que os alunos se posicionem de modo livre, sem ainda recorrer a dados que embasem seus argumentos. Em um segundo momento, pode-se indicar que os alunos pesquisem na internet informações para justificar seu posicionamento pessoal para, em uma próxima aula, apresentarem o que encontraram para a turma.
Esse movimento de uma discussão inicial que conta apenas com a subjetividade para argumentar e, em seguida, exige maior aprofundamento, enfatiza para os alunos como é necessário, ao longo de toda vida, buscar ampliar seu repertório sociocultural e evitar argumentações puramente calcadas nas próprias vivências.
Produção textual diversificada
Após esse exercício, o professor pode introduzir a discussão de modo mais sistematizado, lendo gêneros argumentativos sobre o assunto. Caberá ao docente, iniciar a leitura ou com um texto que defende a proibição dos celulares (como o Editorial de O Globo) ou com um que é contra a proibição (como artigo de opinião “Mera proibição de celular nas escolas tende ao fracasso”, publicado na Folha de São Paulo), analisando detidamente com os estudantes quais estratégias cada veículo utilizou na construção de seu posicionamento. Caso o professor tenha tempo disponível, pode ser feita uma leitura comparativa, com análise de cada um dos textos em dias diferentes para que os alunos avaliem quais argumentos foram mais consistentes.
Uma próxima etapa, após debate, pesquisa, leitura e análise de textos argumentativos, é a produção textual propriamente dita. Nesse ponto, é sempre importante lembrar que a indicação de um gênero textual específico pelo docente facilita a organização escrita do aluno, pois já direciona o tipo de linguagem que pode ser usada, o público-alvo esperado, a extensão correta do texto, enfim, as características mais adequadas de acordo com a proposta.
Um erro nessa etapa é pedir uma produção sem estrutura definida ou muito vaga, como, apenas, “produza uma redação” ou “escreva uma dissertação”. Esses gêneros, por serem, praticamente, de exclusividade do espaço escolar, não possibilitam que o aluno exercite sua capacidade de reconhecimento de outros modos de se organizar uma produção textual. Pode-se, então, pedir que o aluno escreva, por exemplo, um artigo de opinião que será publicado na página da escola, uma carta argumentativa direcionada ao autor do texto lido e analisado pela turma, uma crônica argumentativa, na qual o aluno irá relatar, de modo mais informal, como o tema está presente em seu cotidiano. São muitas as possibilidades, mas, reafirmamos, que é sempre mais produtivo que os estudantes tenham a oportunidade de praticar diferentes gêneros textuais, ampliando seus repertórios linguísticos e desenvolvendo habilidades de escrita mais eficazes.
Temas sugeridos para a prática argumentativa
Outros temas que podem ser explorados na prática de argumentação do Ensino Médio, pois, de alguma forma, são assuntos atuais e que dialogam com a faixa etária dos alunos, são:
- “a redução da maioridade penal”;
- “a necessidade de uma reformulação curricular do ensino médio”;
- “a pertinência da discussão sobre o homeschooling”;
- “o preocupante aumento do extremismo entre jovens”;
- “os riscos dos autodiagnósticos com base em conteúdos de redes sociais”.
Alguns desses temas já trazem um encaminhamento argumentativo, outros permitem maior diversidade de opiniões. Em todo caso, todos têm possibilidade de render muitas discussões e fomentar o aprofundamento sobre técnicas de argumentação.
A importância da argumentação oral
Concluindo, uma parte que não pode ser ignorada nesse estudo da argumentação é a oralidade. Devido ao modo como os vestibulares avaliam os alunos, acaba que a produção escrita parece ser a única forma relevante de argumentação, mas não é bem assim. O docente pode incentivar os alunos a se posicionarem oralmente não só como uma forma de introduzir um assunto, mas como parte intrínseca do processo de aprendizagem, com apresentações em grupo, produção de debates estruturados, organização de seminários, dentre outras formas de mostrar ao aluno que a exposição oral também envolve planejamento, controle de tempo, pesquisa e adequação vocabular.
Consolidando as habilidades argumentativas no Ensino Médio
Ao final do Ensino Médio, com a proximidade dos vestibulares, é mais relevante abordar as especificidades do modelo Enem, como a exigência da proposta de intervenção e a estrutura básica de um projeto de texto. Nesse percurso, notamos que quando o aluno pode exercitar a argumentação ao longo do Ensino Médio, em diferentes gêneros, modalidades e práticas, a etapa de consolidação desses saberes e o direcionamento para a produção textual do Enem torna-se mais eficaz, o que não aconteceria se o aluno ficasse durante três anos vendo apenas modelos vinculados ao vestibular ou produzindo uma diversidade baixa de gêneros, o que, sem dúvida, comprometeria o desenvolvimento de suas habilidades de escrita e a construção de um repertório comunicativo mais amplo.
Minibio do autor
Graduado em Letras (Português — Literaturas) pela UFRJ, com especializações em Educação de Jovens e Adultos e em Língua Portuguesa, Diego Domingues possui doutorado em Linguística Aplicada pela mesma instituição e mestrado em Educação pela UERJ/FFP. Sua trajetória acadêmica é marcada por um profundo interesse pela área de letramentos, o que o levou a integrar o grupo de pesquisa PLELL e a atuar como professor de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio do Colégio Pedro II.