Evasão escolar: formação de docentes para identificar as causas
Dentre os inúmeros desafios relacionados à manutenção da qualidade da educação no Brasil, a evasão escolar se destaca, com um aumento significativo das taxas nos últimos anos. Isso acende um alerta para que gestores públicos, profissionais da educação e famílias busquem alternativas eficazes para enfrentar esse problema.
O abandono escolar é frequentemente associado a alunos mais velhos, especialmente nas etapas finais da educação básica. Costuma-se imaginar que esse fenômeno ocorre majoritariamente no ensino médio, quando muitos estudantes, próximos à maioridade, precisam deixar os estudos em segundo plano devido a demandas financeiras e profissionais. Embora essa percepção tenha sua legitimidade, o que chama a atenção é o preocupante aumento da evasão escolar também entre alunos mais jovens.
Segundo dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua), divulgadas em março deste ano, o abandono escolar entre crianças atingiu um recorde histórico, com o número de alunos entre 6 e 14 anos, matriculados no ensino fundamental, ficando abaixo da meta prevista para o país. Isso significa que 5,4% dos estudantes abandonaram os estudos no último ano1.
Evasão escolar no Brasil: um desafio urgente
Embora seja necessário considerar o devastador impacto da pandemia na educação brasileira, é importante destacar que a queda nas matrículas já havia começado em 2019, agravando-se nos anos subsequentes.
Quando pensamos nas razões que levam um aluno a abandonar a escola, podemos identificar causas que vão desde questões pessoais, como necessidades familiares, até fatores ligados à dinâmica escolar, como conteúdos, processos de avaliação, estratégias de comunicação com os estudantes e ferramentas de incentivo à conclusão dos estudos, entre outros. Neste texto, focaremos no que pode ser feito pela escola e pelos profissionais da educação para mitigar essa situação, reconhecendo que alguns casos são de responsabilidade do poder público e não podem ser resolvidos pelos docentes. Ainda assim, ressaltamos a importância de uma escuta atenta e o poder do diálogo contínuo entre professor e aluno ao longo de toda a trajetória escolar.
Ainda segundo a Pnad Contínua, entre os alunos mais velhos, depois da necessidade de trabalho, o motivo para abandonar os estudos é a falta de interesse. Esse desinteresse aparece como segunda principal causa de abandono em todas as últimas três edições da pesquisa. Vale, então, refletirmos com atenção sobre esse dado e pensarmos como a escola poderia atuar para lidar com ele.
Alunos abandonando a escola: quais as causas e consequências?
Um primeiro passo básico para diagnosticar a turma pode fornecer informações valiosas que ajudem o docente a compreender os interesses, motivações e expectativas dos alunos em relação à escola e ao próprio futuro. Entre os mais jovens, esse diagnóstico pode revelar temas atrativos que estão, muitas vezes, ligados às atividades que realizam em seus momentos de lazer. Sabemos que nem sempre é possível vincular todos os conteúdos curriculares a temas familiares aos estudantes, mas qualquer tentativa de aproximação é sempre bem-vinda.
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Utilizar obras culturais, como filmes, livros, séries, personagens ou artistas populares entre os alunos como ponto de partida para uma aula pode despertar curiosidade, incentivar a concentração e motivar questionamentos, já que os estudantes reconhecem parte de seu repertório em um contexto tradicional de aprendizagem. O modo como os saberes são mediados, aliás, tem grande impacto na forma como o aluno se relaciona com o conteúdo que está aprendendo. Aulas mais dinâmicas, que estimulam a participação, propõem desafios e incentivam os alunos a exporem argumentos em defesa de seus pontos de vista, podem promover maior engajamento.
Com os adolescentes do ensino médio, essas práticas podem ser complementadas por rodas de conversa sobre o futuro acadêmico e o mercado de trabalho. O docente pode criar momentos para que os alunos esclareçam dúvidas sobre o percurso universitário, formas de ingresso, caminhos para exercer determinadas profissões e até compartilhar suas próprias experiências. Esse tipo de iniciativa aproxima os jovens, que geralmente enfrentam ansiedade e buscam referências de apoio e orientação.
O Papel da Escola na Prevenção da Evasão Escolar
Divulgado também neste ano, o Censo Escolar da Educação Básica traz uma informação que igualmente chama a atenção e tem bastante relação com a evasão escolar, trata-se da distorção idade-série. Esse dado é relevante, pois indica a qualidade da progressão dos estudantes de uma rede de ensino. Segundo o Censo Escolar, em 2023, 15,8% dos alunos de 6º ano não tinham a idade adequada para a etapa de escolaridade em que estavam. Tal taxa é medida levando em conta a quantidade de alunos com dois ou mais anos de atraso, ou seja, no Brasil, se a criança deve ingressar na 1º ano do ensino fundamental com 6 anos, espera-se que ela chegue ao 9º ano com 14 anos; caso haja discrepância nessa relação, dizemos que há uma defasagem ou distorção idade-série2.
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Embora os dados do Censo permitam uma leitura otimista, com a redução da distorção nos últimos anos, é necessário reconhecer que ainda estamos longe de alcançar um patamar satisfatório em termos de qualidade na trajetória escolar dos jovens brasileiros.
Como mencionado anteriormente, há circunstâncias mais complexas que estão além da ação da escola e são de responsabilidade do poder público, como o aumento de vagas para evitar que o aluno precise percorrer grandes distâncias entre sua casa e a escola, a contratação de profissionais de saúde para orientá-los regularmente e acompanhar os casos mais graves, o monitoramento de situações de negligência familiar e a disponibilização de bolsas de permanência estudantil para alunos mais vulneráveis. Em suma, há uma série de questões que nem o professor mais dedicado e bem preparado pode resolver sozinho. No entanto, quando falamos de distorção idade-série, a abordagem em relação à avaliação dos alunos pode ser repensada e ajustada às especificidades que inevitavelmente surgem no ambiente escolar.
Ao aprofundar a análise sobre o processo de avaliação, o Censo aponta a reprovação como uma das principais causas da defasagem escolar. Quando o aluno é reprovado, ele precisa repetir um ano letivo e percorrer novamente um caminho pedagógico já familiar, mas agora com colegas mais jovens. Se essas reprovações ocorrem repetidamente, é provável que o aluno perca o interesse pelos estudos, sinta-se desconfortável com o estigma da reprovação e, possivelmente, abandone a escola. Muitos argumentam que a reprovação oferece ao aluno mais tempo para compreender o conteúdo com o qual teve dificuldades, e que aprovar quem não atingiu um nível básico de compreensão seria injusto. Então, o que fazer?
Se entendemos que a reprovação pode, em certos casos, ser prejudicial e contribuir para a evasão escolar, deveríamos desenvolver estratégias de acompanhamento ao longo do ano para compensar as defasagens pontuais dos alunos, reservando a reprovação apenas para situações em que ela seja realmente necessária.
Os instrumentos de avaliação poderiam ser mais diversos, contemplando diferentes formas de demonstrar os conhecimentos adquiridos em sala de aula. Em algumas situações, o aluno pode se expressar melhor por escrito; em outras, a sistematização dos saberes pode ocorrer por meio de práticas de oralidade, como debates, apresentações e seminários. Da mesma forma, alguns estudantes têm facilidade em trabalhar em grupo, enquanto outros apresentam melhor desempenho em atividades individuais. Além disso, é importante considerar transtornos que podem ser identificados, como dislexia, TDAH e autismo, que exigem atenção específica e acompanhamento profissional qualificado.
Não se está dizendo com isso que os alunos não devem ser motivados a superar suas dificuldades de comunicação ou de relacionamento interpessoal; a escola tem um compromisso social muito importante no desenvolvimento das habilidades socioemocionais e isso não deve ser desprezado. Compreendemos, no entanto, que os alunos têm o direito a avaliações que reconheçam tanto suas potencialidades quanto suas dificuldades, o que envolve um trabalho atento e paciente diante de cada realidade.
Em todo esse processo de reflexão sobre as principais causas da evasão escolar, vimos que o papel do(a) professor(a), dentro de suas possibilidades e atribuições, é imprescindível. Concluímos que esse tema precisa ser mais debatido tanto nas formações iniciais quanto nas continuadas dos professores, com abordagens que incentivem a investigação de suas causas e a elaboração de estratégias de resolução.
O acompanhamento e a garantia da permanência dos estudantes ao longo de toda a trajetória escolar são grandes desafios, considerando muitos dos obstáculos que discutimos até aqui. De qualquer forma, para promovermos espaços de ensino verdadeiramente democráticos, é essencial que todos os envolvidos nesse processo – familiares, profissionais da educação e governantes – trabalhem lado a lado, comprometidos com a defesa de uma educação de qualidade para todos.
Referências
1 Fonte: https://www.ibge.gov.br/estatisticas/sociais/educacao.html Acesso em 14.9.2024
2 Fonte: https://conteudos.qedu.org.br/academia/distorcao-idade-serie/ Acesso em 14.9.2024
Minicurrículo
Diego Domingues
Formado em Letras – Português e Literaturas pela UFRJ, possui especialização em Educação de Jovens e Adultos pela mesma instituição e em Língua Portuguesa pela UFF. É mestre em Educação pela UERJ/FFP e doutor em Linguística Aplicada pela UFRJ. Atualmente, atua como professor de Língua Portuguesa e Literatura no Ensino Médio do Colégio Pedro II e integra o grupo de pesquisa Práticas de Letramentos no Ensino de Línguas e Literaturas.