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Como desenvolver atividades para o EJA

26 de setembro de 2024
E-docente
Atividades para o EJA

A Educação de Jovens e Adultos (EJA) é uma modalidade da educação básica que historicamente enfrenta desafios, como a ameaça de fechamento de turmas, a produção inadequada de materiais didáticos e a necessidade de garantir o respeito à pluralidade de identidades e demandas pedagógicas de seus alunos. Muitas vezes, a EJA é vista de forma inferiorizada por parte da sociedade, o que se deve, em grande medida, ao desconhecimento das especificidades de um grupo extremamente heterogêneo de indivíduos. Esse público requer práticas pedagógicas que estejam alinhadas às suas expectativas e possibilidades, e não apenas a transposição das mesmas atividades aplicadas no ensino regular.

Para fundamentar as reflexões que serão desenvolvidas neste texto, é necessário, primeiramente, recuar alguns passos e fazer uma breve contextualização, destacando os pressupostos legais que orientam as atividades na EJA. Além disso, é importante abordar como os(as) docentes podem se apropriar desses discursos para defender e valorizar seu trabalho com os alunos dessa modalidade.

Atividades para o EJA: Constituição Federal de 1988

Primeiramente, é importante lembrar que a EJA é um direito garantido pela Constituição Federal de 1988. O inciso I do artigo 208 estabelece que ‘o dever do Estado com a educação será efetivado mediante a garantia de educação básica obrigatória e gratuita dos 4 (quatro) aos 17 (dezessete) anos de idade, assegurada inclusive sua oferta gratuita para todos os que a ela não tiveram acesso na idade própria’. 

No campo legislativo, a Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) de 1996 também define a EJA como uma modalidade de ensino. Isso implica que as características do público-alvo devem ser plenamente consideradas para que as aulas, os materiais didáticos e os processos avaliativos sejam adequados às suas necessidades. Por fim, cabe mencionar as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação de Jovens e Adultos, estabelecidas pelo Parecer CNE/CEB 11/2000 e pela Resolução CNE/CEB 1/2000, além das Propostas Curriculares publicadas em 2002, que orientam o desenvolvimento dessa modalidade. 

Com base no que foi exposto no parágrafo anterior, podemos afirmar que a Educação de Jovens e Adultos não deve ser vista como um serviço temporário, pontual ou assistencialista, nem estar vinculada apenas às ações de um governo específico. Pelo contrário, trata-se de um direito que deve ser defendido e respeitado, especialmente por atender, de forma prioritária, as parcelas mais vulneráveis da sociedade. 

Leia mais: Como planejar e organizar a volta às aulas?

Se a garantia legal da EJA já está clara, outro ponto que merece atenção no desenvolvimento de atividades para seu público-alvo é o perfil dos alunos. Embora as turmas dessa modalidade sejam extremamente diversificadas, compostas por estudantes de diferentes faixas etárias — desde adolescentes até idosos — e com variados repertórios escolares, que vão daqueles em processo de escolarização contínua até os que estão afastados da escola há décadas, há uma característica comum que geralmente os une: a maioria é oriunda das classes populares. São trabalhadores, ativos ou aposentados, pais e mães de família, pessoas com um ritmo de vida intenso, que, com grande esforço ou após muitos anos, conseguiram incluir a escola em sua rotina. 

Essas características servem como a principal justificativa para evitar a transposição direta das práticas do ensino regular para a EJA. Mediar conteúdos para um aluno adulto, trabalhador, utilizando as mesmas dinâmicas e linguagens aplicadas com crianças pode ser não apenas contraproducente, mas também constrangedor. Portanto, adequações não são apenas recomendadas, são essenciais. 

Desenvolvimento de atividades na EJA

Com esses pontos estabelecidos – desde o embasamento legal até a definição do perfil dos alunos – podemos agora refletir sobre o desenvolvimento de atividades na EJA. A seguir, abordaremos alguns tópicos que, independentemente do conteúdo trabalhado, devem ser considerados. 

Um ponto de partida, válido também para o ensino regular, mas indispensável na EJA, é o reconhecimento do repertório do aluno no planejamento das aulas. Para qualquer aluno, de qualquer etapa ou modalidade, é fundamental iniciar a mediação do conhecimento por meio de um diálogo com seu contexto de vida, relacionando os conteúdos escolares com o que o aluno já conhece do mundo. No entanto, na EJA, essa abordagem deve ser conduzida com um olhar ainda mais atento e sensível. 

Muito provavelmente, o aluno da EJA carrega uma autoavaliação negativa, resultante dos estigmas que adultos sem escolaridade costumam enfrentar em seu cotidiano, seja pela falta de oportunidades profissionais, seja pelo preconceito relacionado à sua condição educacional. Ana Maria Galvão e Maria Clara Di Pierro (2007), ao discutirem o preconceito contra o analfabeto, fazem observações que também se aplicam aos alunos adultos em processo de escolarização, destacando como esses estudantes podem se sentir inadequados no ambiente escolar. 

Na maior parte das vezes em que conversamos com pessoas jovens e adultas que não sabem ler ou escrever, o analfabetismo não é percebido como expressão de processos de exclusão social ou como violação de direitos coletivos e sim como uma experiência individual de desvio ou fracasso, que provoca repetidas situações de discriminação e humilhação, vividas com grande sofrimento e, por vezes, acompanhadas por sentimentos de culpa e vergonha. (DI PIERRO, 2007, p. 15) 

Por isso, elaborar práticas que valorizem o conhecimento desses sujeitos é fundamental, pois além de incentivar a aprendizagem, também contribui para elevar a autoestima e reconhecer seu potencial intelectual. Esse reconhecimento pode começar com um simples movimento de diagnóstico, buscando identificar os temas que despertam o interesse dos alunos. 

Iniciar a leitura, a análise linguística e a interpretação textual a partir de notícias sobre a cidade onde a escola está localizada, letras de músicas dos artistas preferidos da turma, resenhas de séries e filmes mais comentados pelos estudantes, artigos de opinião sobre temas que impactam seu cotidiano ou a análise de discursos argumentativos de candidatos políticos em época de campanha são apenas algumas das inúmeras possibilidades. 

No campo das ciências exatas, o trabalho pode começar com a resolução de problemas próximos à realidade cotidiana dos alunos, desde operações relacionadas à vida doméstica até situações da rotina profissional. Isso pode incluir organização financeira, parcelamento de contas, análise das métricas presentes nas contas de água e luz, compreensão do cálculo salarial, planejamento de projetos de longo prazo, entre outros. Partindo de um campo familiar ao aluno, essas situações podem ser gradualmente expandidas para cenários mais complexos e abstratos. Como Paulo Freire afirmou, é sempre importante, ao planejar as aulas na EJA, nos perguntarmos: ‘Por que não estabelecer uma “intimidade” entre os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a experiência social que eles têm como indivíduos?’ (FREIRE, 2011). 

É importante destacar, no entanto, que partir da realidade do aluno não significa ficar limitada a ela. A escola cumpre sua função social ao proporcionar aos estudantes o contato com saberes que vão além de suas experiências cotidianas, ampliando seu repertório intelectual e oferecendo oportunidades para que eles explorem novos pontos de vista, novas formas de lidar com seu conhecimento prévio, além de novos conceitos e maneiras de sistematizar sua relação com o vasto fluxo de informações que permeia suas vidas. 

Além da sensibilidade necessária para o planejamento das aulas, outro ponto que deve ser levado em consideração no desenvolvimento de atividades para a EJA é a organização do tempo de aula e o ajuste das expectativas, tendo em vista as descontinuidades comuns ao ano letivo nessa modalidade. 

Como mencionado anteriormente, os alunos da EJA geralmente vêm das classes populares, sendo homens e mulheres com vidas já bastante sobrecarregadas, com necessidades e obrigações que nem sempre se ajustam ao tempo escolar tradicional. É comum encontrar estudantes que chegam atrasados porque o patrão os liberou mais tarde, que demoraram a sair de casa esperando alguém para cuidar dos filhos, ou que precisam sair mais cedo da aula para não perderem o transporte público. 

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Tendo consciência dessas realidades, o(a) docente deve planejar suas aulas com ciclos recorrentes de avanço do conteúdo e revisões constantes, além de atividades de reforço. O ritmo deve levar em conta que nem todos os alunos estarão presentes no início da aula e que nem sempre a turma completa conseguirá acompanhar os conteúdos até o final do horário de estudos. Práticas como relembrar o que foi visto na última aula, resolver exercícios coletivamente para fixar o conteúdo e promover momentos em que os alunos possam compartilhar uma síntese do que entenderam com os colegas são estratégias que ajudam a garantir que o conteúdo seja constantemente revisitado, permitindo que a maior parte da turma acompanhe o progresso. 

Mais do que simples tentativas de contornar os desafios relacionados ao cumprimento dos horários tradicionais, esses ajustes reconhecem que o percurso escolar dos alunos da EJA nem sempre será linear. Além das questões de chegada ou saída, muitos talvez não consigam concluir o ano letivo; alguns precisarão interromper os estudos por meses devido a uma oportunidade de trabalho com horários incompatíveis com a escola, enquanto outros participarão de forma esporádica, conforme surgirem brechas em meio às suas outras obrigações. Seja qual for o caso, respeitar o aluno da EJA envolve compreender que essa descontinuidade não é fruto de desinteresse ou falta de compromisso, mas sim resultado de vidas sobrecarregadas que lhes impõem desafios muito maiores do que imaginamos. 

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Caminhando para o encerramento deste texto, vamos refletir sobre o processo avaliativo na EJA. Tradicionalmente, a avaliação na escola está, quase sempre, associada à verificação de se o aluno reteve os conteúdos apresentados. Essa verificação geralmente é realizada por meio de questionários, testes, provas ou outros instrumentos que permitam quantificar o conhecimento com base em parâmetros estabelecidos pelo professor. 

Na EJA, esses meios tradicionais de avaliação não precisam ser descartados, mas é importante considerar outras ferramentas que valorizem diferentes formas de aprender e se expressar. Alguns alunos podem não se sair bem na produção escrita, mas possuem grande habilidade oral; por outro lado, há aqueles que são mais tímidos e falam pouco, mas conseguem expressar sua subjetividade com grande desenvoltura por meio de textos ou produções artísticas. Em vez de buscar uma solução única que atenda a todas as realidades discentes, o professor deve estar atento tanto ao desenvolvimento dos alunos quanto ao seu próprio crescimento como educador, compreendendo que, de forma dialógica, ambos estão se formando, aprendendo e construindo caminhos possíveis de aprendizagem diante dos inúmeros desafios que a vida apresenta. Em outras palavras: 

Ao pensar sobre o dever que tenho, como professor, de respeitar a dignidade do educando, sua autonomia, sua identidade em processo, devo pensar também em como ter uma prática educativa em que aquele respeito, que sei dever ter ao educando, se realize em lugar de ser negado. Isso exige de mim uma reflexão crítica permanente sobre minha prática através da qual vou fazendo a avaliação do meu próprio fazer com os educandos. (FREIRE, 2011) 

Referências 

DI PIERRO, Maria Clara e GALVÃO, Ana Maria de O. O preconceito contra o analfabeto. 2ª edição. São Paulo: Editora Cortez, 2007. 

FREIRE, P. Pedagogia da Autonomia: Saberes necessários à prática educativa [1996]. 1ª ed. São Paulo: Paz e Terra, 2011. Versão digital. 

Minicurrículo 

Diego Domingues 

Graduado em Letras Português – Literaturas pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), com Especialização em Educação de Jovens e Adultos pela mesma instituição e Especialização em Língua Portuguesa pela Universidade Federal Fluminense (UFF); Mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ/FFP); e Doutor em Linguística Aplicada pela UFRJ. Atualmente, é professor de Língua Portuguesa e Literatura em turmas do Ensino Médio do Colégio Pedro II e integrante do grupo Práticas de Letramentos no Ensino de Línguas e Literaturas (PLELL).  

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