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Saúde mental no trabalho da docência: em busca do equilíbrio

25 de julho de 2024
E-docente
Saúde Mental no Trabalho

Professor, professora, se você pudesse resumir o seu dia a dia em uma palavra apenas, qual seria ela? Com certeza, as respostas seriam diversas, tanto positivas quanto negativas, mas acredito, depois de quase vinte anos no magistério, passando pelos Ensinos Fundamental, Médio e Superior, que muitas dessas palavras traduziriam as dificuldades pelas quais passamos na docência e que acabam por afetar a nossa saúde mental e como buscar o equilíbrio no trabalho.

O título deste texto é convidativo porque todos nós buscamos esse tal “equilíbrio” em meio a tantas demandas. Já não bastassem a carga de trabalho elevada, na escola, no deslocamento e em nossas casas; o envolvimento com problemas de diversos alunos; as condições de infraestrutura das escolas nem sempre favoráveis; agora tivemos de lidar com uma pandemia global, além de outras demandas que se criam, se somam, se multiplicam num mundo com cada vez mais desafios e no qual as informações circulam e acabam por nos pressionar a uma atualização constante (agora quase que diária).

Nesse contexto, é cada vez mais difícil buscarmos soluções que nos tragam compensações, prazeres que nos transportem para um lugar melhor. Aperfeiçoamento profissional, tempo de lazer com família e amigos, cuidados pessoais com o corpo e a mente e até mesmo tempo para o ócio são cada vez mais raros e difíceis; por isso, nos sentimos tão cansados e, por mais que trabalhemos em tempo integral, ainda sentimos que estamos devendo algo.

Infelizmente, temos poucos debates sobre a importância da atenção à saúde mental do trabalhador, principalmente em atuações expostas a maior estresse, como a educação. Muitos ainda preferem esconder o problema, seja por conta dos preconceitos que poderão sofrer, sendo tachadas de desequilibradas ou coisas afins, ou por sanções dentro do próprio ambiente de trabalho. Chegou a hora de trazermos à tona essa questão, debatendo e encontrando caminhos possíveis para que todos consigamos nos sentir melhores no dia a dia. Buscaremos aqui algumas reflexões que nos façam parar e pensar sobre nosso dia a dia, saindo um pouco desse modo automático que, cada vez mais, nos faz parecer mais com máquinas (das quais tanto reclamamos) do que com seres humanos que se dedicam tanto a outros. Para que cheguemos ao tal equilíbrio, precisamos, primeiro, diagnosticar o que temos e projetar o que desejamos alcançar.

A docência e seus desafios

Importante começarmos nossa reflexão com um diagnóstico sobre o que é ser professor nos dias de hoje. Quanto tempo você consegue dedicar à manutenção da sua saúde mental? Quando você acorda, sente-se animado para algo interessante que vai fazer ou já levanta cansado, apenas pensando no próximo feriado? Você se sente bem emocionalmente?

Um estudo em um município do Rio Grande do Sul traz dados estarrecedores que mostram como professores já estavam sujeitos a grande estresse em seu dia a dia. Na pesquisa, ainda “em 2010 foram registrados 196 licenças-saúde, sendo 42% de professores, já em 2014, o número de afastados aumentou para 313, sendo 50% professores…” (MOREIRA; RODRIGUES, 2018).

De 2014 para cá, não temos nada que nos faça acreditar que a saúde mental dos professores melhorou. Muito pelo contrário. Vejamos alguns dos problemas mais comuns que enfrentamos como professores, para que tenhamos a ideia de que não são problemas isolados, mas comuns:

  1. Carga de trabalho elevada

Certa vez, em um dos momentos em que eu estava com maior carga horária de trabalho semanal, ocorreu algo que me despertou um alerta. Ao preparar aulas no computador em casa, começou a ventar muito forte, fazendo com que as persianas começassem a bater na janela. Eu, em meio a minha concentração e querendo fazer cessar aquele barulho, me peguei fazendo um “ssssshhhhhhhhhh”, como se pedisse para que os alunos fizessem silêncio em uma sala de aula tumultuada.

Trago este relato pessoal para que pensemos: quantas vezes nos vimos estressados, sem paciência, tendo reações parecidas com essas? Ou, pelo menos, percebemos colegas de trabalho em situações correlatas? O fato de dedicarmos nossa vida quase que integralmente ao trabalho faz com que transportemos para todos os outros ambientes de nossa vida os percalços profissionais, afetando diretamente nossa saúde física e mental. Cada vez mais aceitamos novas turmas, novas horas de trabalho, além de atendermos alunos a distância, tudo para que consigamos melhorar um pouco a nossa remuneração. Mas será que tem valido a pena? OU melhor: será que há escolha?

Pressão por resultados e falta de autonomia

Para além da carga horária, sabemos que nós, professores, lidamos ainda com pressões que vêm de muitos lados: direção, alunos e seus responsáveis, família, empresa ou governo (dependendo do fato de atuarmos na iniciativa privada ou pública), sociedade em geral.

Ao mesmo tempo, percebemos uma dificuldade em conquistarmos autonomia em nosso trabalho, já que recebemos, muitas vezes, planejamentos predeterminados, os quais devemos apenas cumprir, já que existem metas (na maioria das vezes quantitativas em vez de qualitativas) generalistas que ignoram detalhes importantíssimos na educação, como conhecimento sobre o aluno, seu contexto etc.

Carga emocional elevada

Além da pressão que sofremos, lidamos, na maioria das vezes, com turmas repletas de alunos, com 35, 40, às vezes até mais jovens, cada qual com seus problemas pessoais, ansiedades, expectativas. E não é só uma turma. Temos várias, no mesmo dia.

Ou seja, estamos em um “caldeirão” de emoções, no qual precisamos ter bastante controle para que não agravemos a situação de saúde mental dos alunos nem a nossa.

Professor com cada vez mais funções

Outros pontos que precisam ser levados em consideração são o avanço das novas tecnologias e o prolongamento de nossos ambientes de trabalho, cada vez mais invadindo nossas vidas, misturando momentos profissionais com particulares.

A pandemia acabou nos forçando recentemente a atuar diretamente de dentro dos nossos domicílios e a nos familiarizamos com novas tecnologias e suas novas funções voltadas à educação. Por falar em pandemia, vale a pena a leitura do texto Saúde mental pós-pandemia, neurociências e aprendizado, aqui no nosso blog. Passamos a trabalhar (ainda mais) como designers, editores de vídeo, técnicos de informática, curadores de conteúdo educacional etc. Sem falar no papel de psicólogos em meio a diversos problemas familiares dos alunos que se potencializaram no período pandêmico.

E agora, voltando ao trabalho presencial e com cada vez mais novidades tecnológicas surgindo, parece que nossos múltiplos papéis deixam de avançar em progressão aritmética e passam à geométrica. Esse é um dos motivos pelos quais nos sentimos cada vez mais cansados, com cada vez menos tempo e, mesmo assim, cada vez mais culpados por não cumprimos tudo que nos é exigido, tanto profissional quanto pessoalmente.

  • Falta de políticas institucionais

Ok, consideremos que a carga elevada de trabalho, a pressão e o trato com muitas vidas e a multifuncionalidade sejam inerentes à nossa profissão. Então, deveríamos ter uma base, um apoio institucional que nos desse suporte, garantindo acesso a psicólogos, promovendo ações que trouxessem satisfação profissional, pessoal etc., correto? E essas ações deveriam ser também preventivas, acontecendo não apenas após o problema ocorrer, evitando novos afastamentos.

Essa é a sua realidade, professor, professora? Você se sente acolhido quando precisa desse suporte? Acredito que a resposta da imensa maioria dos trabalhadores da nossa área seja NÃO!, em letras garrafais, mesmo. O que fazer, então?

Bom, sei que você já chegou até aqui e pode estar pensando que está lendo mais um texto pessimista, que, em vez de trazer um alento, propondo o tal “equilíbrio” prometido no título, acabou por destacar ainda mais os problemas que todos nós estamos cansados de conhecer. Mas, de forma bastante direta, simples e clara, trarei alguns pontos que podem nos ajudar em nosso dia a dia.

Estratégias para mudar o cenário

Pensemos, aqui, em itens tanto institucionais quanto pessoais que podemos seguir em busca de uma melhora na nossa saúde mental. Ou seja, algumas ações que demandam uma mudança mais estrutural, que tragam impactos mais coletivos, e outras que nos atendam mais individualmente. Tudo que trago aqui, claro, dependerá da situação em que cada um de vocês, leitores, se encontra, já que não pretendo criar uma receitinha pronta que funcione em toda e qualquer situação, até porque seria impossível.

Apoio psicológico

Buscar um apoio psicológico profissional é sempre muito útil para que todos nós aprendamos a lidar com situações de nosso dia a dia, já que passamos a nos conhecer melhor e a criar estratégias pessoais que nos levam a ter uma vida mais saudável mentalmente. Como nem sempre é possível buscar esse apoio profissional por conta de tempo e dinheiro, tentemos criar redes com amigos, familiares, que possam ser confidentes, pessoas que nos façam nos sentir melhor, que nos estendam a mão quando precisarmos. Obviamente essas pessoas não substituirão o apoio profissional, mas podem ser muito importantes em momentos de maior dificuldade.  

A criação de redes de apoio entre pares que passam por situações parecidas com as nossas também pode ser uma excelente estratégia na busca de mudanças que nos garantam uma maior atenção à saúde mental. Dentro e fora das empresas, públicas e privadas, podemos nos ligar a outros professores, que se somarão nessa coletividade, tornando-nos mais fortes.

Melhoria das condições de trabalho

Essa é uma luta que não depende apenas de um ou de outro, mas da coletividade. Toda relação de trabalho sempre exigirá que nos mantenhamos atentos e dispostos a buscar valorização e maior atenção profissional. Claro, sabemos que, principalmente, em instituições privadas, temos limitações nessa busca, mas ela sempre pode ser feita de maneira leve, respeitosa e amigável. Até porque muitas das melhorias podem ocorrer independendo de questões financeiras, mas de reorganizações que podem ser realizadas a partir de conversas e negociações com pares e superiores hierárquicos.

Busca de suporte institucional

Também coletivamente, é importante que busquemos em nossas empresas o tal suporte do qual falamos na seção sobre a falta de políticas institucionais. Este também é um item que precisamos buscar mais a longo prazo, mas essencial na promoção de nossa saúde mental. Programas de prevenção e de recuperação trazem benefícios tanto para a empresa quanto para seus funcionários; por isso, temos, de alguma forma, que exigir sua promoção.

Investimento na formação profissional

Aqui também temos um item que não é de simples implementação. O ideal é que houvesse políticas públicas que nos amparassem em nossa formação continuada profissional, garantindo-a dentro de nossa carga horária de trabalho. E é isso que devemos buscar, também coletivamente. Porém, essa é uma luta que também busca resultados que sejam estruturais a médio e longo prazo.

Enquanto isso, podemos mergulhar individualmente em um aprimoramento profissional que se encaixe em nosso dia a dia. Sei que muitos de nós não temos nem um tempinho sobrando ao final do dia, mas esse é um rearranjo em nossa rotina que demanda alguns pequenos sacrifícios, já que se trata de investimento pessoal que nos trará frutos pessoais, profissionais e, consequentemente, vai nos ajudar em nossa condição de saúde mental.

Permissão para se desconectar do trabalho

Essa é uma estratégia essencial para que consigamos arejar nossas mentes em meio a tantas exigências que nos são feitas no dia a dia. Precisamos urgentemente nos permitirmos fazer uma separação clara entre pessoal e profissional, a fim de que o trabalho não invada nossas casas, nossas famílias, nossos momentos de lazer.

Atrelada à essa desconexão, está a reserva de tempo para fazermos algo que nos dê prazer, seja com alguém de quem gostamos, seja sozinhos. Ler um livro, assistir a um filme, praticar um esporte, brincar com nossos filhos, até mesmo não fazer nada. Precisamos reservar um tempo para nós, sem nos cobrarmos tanto. Somente nós somos capazes disso.  

Afastamento do que nos faz mal

A atual circulação desenfreada das informações acaba nos inundando de notícias que, muitas vezes, acabam não nos fazendo bem. Ao mesmo tempo, sentimo-nos na obrigação de nos informarmos, já que, como professores, precisamos estar “a par de tudo” (apesar de sabermos que é impossível).

Também acabamos participando de muitos grupos em redes sociais que, em vez de nos ajudarem em nosso dia a dia, seja profissional ou pessoal, disparam diversos gatilhos que somente deterioram nossa saúde mental. E mais uma vez nos vemos aprisionados ali com a ideia de que não podemos ficar de fora do que é discutido nessas redes.

Se isso está acontecendo com você, o melhor caminho é se afastar dessas redes. É importante perceber que nós nos cobramos demais, o tempo todo, exigindo atenção contínua a tudo e a todos; por isso, precisamos também romper ciclos e nos afastarmos das coisas que estão nos fazendo mal.

Conclusão

Viram? Apesar de listar diversos problemas pelos quais passamos, este texto também tentou trazer caminhos para que consigamos, mesmo que aos poucos, melhorar o nosso dia a dia e a nossa saúde mental. Diferentemente daqueles que vendem soluções sem conhecer, muitas vezes, a realidade sobre a qual falam, busco descrever experiências e indicar possíveis saídas para o labirinto no qual muitas vezes nos vemos presos.

Trabalhar com educação é algo bastante complexo, já que, como falamos, passamos por diversos desafios e, ainda assim, muitas vezes sofremos ataques infundados, como destacado no texto “A culpa é do professor!”: a necessária atenção a todos os atores do processo educacional. Quando passamos por um problema, principalmente no que diz respeito à nossa saúde mental, é ainda mais difícil pensar em estratégias muito elaboradas e de longo prazo para que saiamos dele. Por isso, as pequenas ações são importantes, tanto na detecção do problema quanto na solução do mesmo.

Não podemos aceitar a ideia de que ser professor é um dom, o qual exige entrega e sacrifícios sobre-humanos, como muitos tentam nos fazer acreditar. Então, cientes de nossa humanidade, de nossa incompletude, precisamos olhar para si, sem superpoderes, saindo de uma corda bamba e pavimentando a estrada na qual caminhamos, pouco a pouco, para que alcancemos nosso equilíbrio, caminhando com muito mais firmeza e, até mesmo, amparando aqueles que precisam de nossa ajuda. 

Pós-texto: Ah, após o episódio de eu ter mandado o vento ficar quieto, decidi que daria prioridade à saúde mental e buscaria uma menor carga horária de trabalho. Investi na minha formação, estudei bastante, prestei alguns concursos e hoje trabalho em um cargo de dedicação exclusiva, em que não preciso mais me deslocar tanto de um local para outro. Com paciência, hoje, bons ventos chegaram à minha vida.

Biografia do autor

Tiago da Silva Ribeiro é professor do Magistério Superior no Instituto Nacional de Educação de Surdos nas disciplinas de Língua portuguesa e Tecnologias da Informação e Comunicação. Tem experiência em turmas do Ensino Fundamental e Médio, além de já ter atuado na modalidade on-line como mediador, orientador de trabalhos finais de curso, desenhista educacional, professor-autor e coordenador de curso. Seu Doutorado em Letras é pela PUC-Rio e teve como tema de trabalho o Internetês. Busca como uma de suas prioridades uma melhor condição de saúde mental, mesmo sabendo que é cada vez mais difícil.

Referências Bibiográficas

MOREIRA, Daniela Zanoni; RODRIGUES, Maria Beatriz. Saúde mental e trabalho docente. Estud. psicol. (Natal) [online]. 2018, vol.23, n.3, pp. 236-247. ISSN 1413-294X.  Disponível em: http://dx.doi.org/10.22491/1678-4669.20180023. Acesso em: 08 abr. 2024.

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